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Passos N.192, Junho 2017

CIÊNCIA

À procura da Terra 2.0

por Lorenzo Spina

Uma importante descoberta anunciada pela NASA revela sete planetas similares à Terra em massa e dimensões. Fato que aguça a curiosidade do homem, que é busca e pergunta

Quantas Terras existem no Universo? O nosso planeta é mesmo tão especial? Desde sempre o gênero humano se perguntou sobre a possibilidade da existência de outros mundos em nossa galáxia. Grandes cientistas e filósofos, como sir Isaac Newton e Giordano Bruno, teorizaram sobre a existência de sistemas planetários alienígenas em torno de outros sóis (exoplanetas), mas durante séculos isso constou apenas como conjecturas desprovidas de um real fundamento científico.
Até 5 de outubro de 1995, quando o professor suíço Michel Mayor e o aluno Didier Queloz anunciaram a descoberta do primeiro planeta alienígena orbitando em torno de uma estrela semelhante ao Sol: o 51 Pegasi. Desde então, os astrônomos de todo o mundo trabalharam incessantemente e em apenas 22 anos foram feitos enormes progressos.
Atualmente conhecemos mais de 3.500 exoplanetas muito diferentes uns dos outros: planetas gigantes gasosos como Júpiter, pequenos e rochosos como a Terra, planetas quentíssimos que orbitam próximos à própria estrela, planetas gelados que vagam no espaço interestelar, planetas que orbitam em torno de estrelas iguais ao Sol ou outros que orbitam em torno de estrelas muito compactas, onde um pão de queijo com a sua matéria pesaria um bilhão de toneladas.
Um estudo recente estimou que a nossa galáxia conteria cerca de um bilhão de planetas, muitos dos quais semelhantes à nossa Terra. Efetivamente os astrônomos já identificaram uma dezena de planetas rochosos localizados na chamada “zona de habitabilidade”, uma região em torno da estrela na qual a temperatura não é nem quente demais nem muito fria, mas capaz de ter oceanos de água em estado líquido, ingrediente essencial para a vida. O que todo astrônomo aposta é que o número desses planetas “habitáveis” está destinado a aumentar vertiginosamente no curso dos próximos anos, graças ao advento dos telescópios de última geração.

Os “trapistanos”. Frente a um cenário tão intrigante torna-se natural perguntar: “Existe vida fora da Terra?”. Essa pergunta tornou-se ainda mais instigante no último dia 22 de fevereiro, quando a NASA e a Universidade de Liège convocaram uma coletiva de imprensa para anunciar a descoberta do primeiro sistema planetário composto de mundos rochosos de dimensões semelhantes à Terra. Os planetas orbitam em torno de uma estrela extremamente menor e mais fria do que o Sol, mas localizada a só 39 anos-luz de nós, na constelação de Aquário. Logo após a descoberta, a estrela foi batizada com o nome de Trappist-1, oficialmente em homenagem ao telescópio robótico que permitiu a identificação dos planetas (Transiting Planets and Planetesimals Small Telescope), mas segundo conversas de bastidor, os astrônomos na realidade quiseram homenagear as famosas cervejas produzidas pelos monges trapistas belgas...
A descoberta foi feita com a utilização de uma técnica que consiste em medir a variação de luminosidade da estrela quando os planetas, seguindo a sua órbita, se interpõem entre ela e a Terra. A típica diminuição da luminosidade devida ao trânsito planetário é comparável àquela provocada por uma mosca que de noite passa diante do farol de um carro.
Tratando-se de uma estrela muito pequena (com apenas 8% da massa do Sol), também o seu sistema planetário é tão compacto que se assemelha a um bonsai: se pudéssemos deslocar todos os planetas de Trappist-1 para o nosso sistema solar, poderiam ficar todos comodamente no interior da órbita de Mercúrio. Em outras palavras, os sete mundos rochosos encontram-se extremamente próximos uns dos outros. “A nossa melhor nave espacial levaria seis meses para chegar a Marte. A viagem entre dois planetas adjacentes de Trappist-1 seria como um passeio a pé no final de semana. [...] Esses sete planetas poderiam ser um excelente cenário para um filme de ficção científica”, declarou Seth Shostak, astrônomo do Search for ExtraTerrestrial Intelligence Institute, na Califórnia.
Como se não bastasse, existe outra característica que torna esse sistema planetário único aos olhos dos cientistas: atualmente o sistema de Trappist-1 detém o recorde de número de planetas rochosos na zona de habitabilidade. Dos sete planetas, seis podem muito bem ter água líquida. Em comparação, o nosso sistema solar tem apenas dois planetas na zona de habitabilidade: a Terra e Marte.
Por esse motivo, Michael Gillon, o astrofísico chefe da equipe de cientistas que fez a descoberta, declarou: “Esse resultado é extremamente promissor para a pesquisa de vida fora do sistema solar”.
Todavia, a realidade é muito mais complexa do que vem sendo representada em entrevistas concedidas à imprensa. Então, é de fato alta a probabilidade de encontrar vida em Trappist-1? Na verdade, a vida em Trappist-1, caso exista, não seria uma coisa tão simples. Muito provavelmente, os sete planetas mostram sempre a mesma face para a estrela, tal como a Lua faz com a Terra. As implicações são enormes e facilmente compreensíveis: um lado de cada planeta estaria perenemente voltado para a estrela, alcançando temperaturas incrivelmente altas. Ao contrário, o outro lado experimentaria uma geladíssima noite perene. Admitindo que os “trapistanos” arrisquem povoar a fina faixa de eterno crepúsculo entre a zona quente e a zona fria, existiriam numerosos outros problemas que teriam que ser enfrentados. De fato, as atmosferas desses mundos permitiriam uma troca de calor entre a zona fria e a quente, mas as consequentes correntes de ar seriam muito mais fortes do que qualquer furacão na Terra. Além disso, nesses planetas não haveria nem dias, nem estações, que desempenham uma grande importância no desenvolvimento da vida. Como se não bastasse, as estrelas como Trappist-1 são capazes de gerar fortíssimos ventos de partículas carregadas que, atingindo os planetas, poderiam varrer para longe as atmosferas e destruir as formas de vida de sua superfície.
Esse, talvez, seria o maior problema para os “trapistanos”, os quais, para sobreviver, seriam obrigados a refugiar-se no subterrâneo. Porém, esses elementos não devem nos desencorajar de todo.
Os planetas são tão próximos uns dos outros que tornam fácil uma troca de compostos químicos, favorecendo assim a formação de moléculas complexas como o DNA. Além disso, o estudo das bactérias extremófilas sobre a Terra demonstrou que a vida pode se desenvolver em ambientes aparentemente hostis, como as bocas de vulcões submarinos ou barras de urânio radioativas.
Como poderíamos saber se os planetas de Trappist-1 hospedam a vida? Desde muito tempo sabe-se que todas as formas de vida emitem resíduos químicos chamados de biomarkers que podem ser capazes de mudar radicalmente a atmosfera de um planeta. Por exemplo, aqui na Terra a fotossíntese é a maior responsável pela alta concentração de oxigênio presente na atmosfera. Isso explica por que os astrônomos não se limitam a buscar novos planetas, mas também estão tentando estudar as atmosferas desses mundos alienígenas: uma atmosfera rica de biomarkers poderia representar um sólido indício da existência de vida extraterrestre.
Todavia, se descobrir novos mundos é uma operação extremamente complexa, estudar as suas atmosferas é ainda mais! Por isso, os cientistas se socorrem de técnicas refinadíssimas capazes de captar a luz estelar que, durante o trânsito do planeta, atravessa a fina camada de atmosfera antes de chegar até nós. Para retomar a comparação da mosca e do farol, seria como concentrar-se só sobre esses poucos raios de luz que atravessam as asas transparentes do inseto. Poderia parecer uma coisa impossível, mas esses estudos já foram feitos em alguns planetas, em geral gigantes gasosos totalmente impróprios para hospedar vida.
Os cientistas, porém, não estão perdendo tempo e já trabalham para tentar observar as atmosferas dos planetas de Trappist-1, infelizmente até agora sem grandes resultados. No entanto, nos próximos anos se tornarão operativos alguns telescópios capazes de aumentar enormemente as nossas chances de observar as atmosferas de planetas alienígenas. Entre eles, o James Webb Telescope começará a observar já a partir do próximo ano. Sem dúvida, entre os 3.500 exoplanetas atualmente conhecidos, os mundos rochosos de Trappist-1 representam os nossos melhores alvos para a pesquisa de biomarkers ou outros traços de vida extraterrestre.
Como astrofísico, estou percebendo um crescente interesse pela pesquisa de vida no Universo. Atualmente as nossas técnicas nos permitem identificar cada dia um novo planeta e cada descoberta é acolhida com grande admiração, o que nos faz sentir que estamos cada vez mais próximos da meta.

A busca do homem. Esse interesse não se limita aos cientistas. Frequentemente acontece de a pessoa sentada ao meu lado, durante uma longa viagem de ônibus ou avião, começar a espiar com grande curiosidade os livros ou as anotações de trabalho que estou lendo. Geralmente a primeira pergunta que ouço é se realmente “estamos sozinhos no Universo?”. Só depois me pedem explicações sobre buracos negros ou o big bang. “Estamos sozinhos no Universo?”, não há outra pergunta que suscite tanta curiosidade em nós; é como se em nosso DNA estivesse impressa a necessidade de compreender qual é o nosso lugar no Cosmos. A minha resposta a essa pergunta primordial é sempre a mesma: “Não sabemos se estamos sozinhos no Universo, mas estamos muito confiantes de que a vida possa existir também em outros planetas, tanto que grande parte das nossas energias nós a empregamos nessa busca”.
Agora tenho a resposta pronta, mas ao responder me ocorre outra pergunta: “O que realmente estamos procurando com toda essa febril atividade científica? O que nos interessa verdadeiramente?”. Alguns poderiam sustentar que o interesse do cientista é a busca da verdade. Correto, mas a verdade é um conceito muito abstrato: eu não acordo de manhã e vou trabalhar para procurar a verdade. O que me interessa de fato é a alegria da descoberta, do momento EUREKA!, que acontece quando a gente se depara com algo novo e inesperado. Essa alegria não é algo que satisfaz e pronto! Ao contrário, tem o poder de escancarar ainda mais o desejo e gerar novas perguntas.
O momento da descoberta é também uma experiência de gratidão, como se fôssemos testemunhas de um evento único e irrepetível na história da humanidade; e, de fato, é isso mesmo. A alegria e a gratidão, todavia, indicam uma experiência ainda mais profunda e importante do que o simples alcançar de um objetivo científico: a experiência de uma misteriosa amizade entre a realidade e o homem que a observa. No fundo de cada resultado científico, grande ou pequeno, está a descoberta de que a minha realização reside na relação com todas as coisas. Mesmo que inconscientemente, isso nos torna inquietos, curiosos, mas também confiantes diante da pergunta “estamos sozinhos no Universo?”.
A descoberta de qual é o nosso lugar no Cosmos já começou.

*O autor é doutor em Física e Astronomia pela Università degli Studi di Firenze (2014). Atualmente é postdoc da Universidade de São Paulo.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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