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Passos N.192, Junho 2017

SOCIEDADE | MÉXICO

Trump, Kant e nós

por Alessandra Stoppa

O Movimento Comunhão e Libertação está presente na América Latina há mais de 50 anos. Nesse período, foi fundamental para a vida de uma infinidade de pessoas nas universidades, nas periferias pobres e nos lugares mais remotos de vários países. Em recente assembleia, o testemunho de como é possível, hoje, enfrentar as dificuldades à luz do carisma de Dom Giussani

Victor Vorrath, da Cidade do México, fala sobre o México

Victor Vorrath começa lendo o seguinte: “Norberto Santa Cruz, 42 anos, originário de Ciudad Juárez, Chihuaha, morreu no hospital na manhã de 4 de março depois de ter sido enforcado na cela do presídio do condado de El Paso, Texas. Foi preso na zona da ferrovia por ter atravessado ilegalmente a fronteira”.
É só um dos muitos que “não encontraram a esperança para enfrentar o futuro”, diz Victor. A crise migratória no México “se agravou depois da eleição de Trump, mas frustração e ressentimento já estavam presentes em nossa sociedade. Certamente as ameaças sobre a ampliação do muro, sobre as deportações de clandestinos e das frases depreciativas em relação aos mexicanos aumentaram o medo”. O resultado imediato é que a sociedade se dividiu no enfrentamento do problema. Nos protestos contra o muro há quem culpe o presidente dos EUA e quem culpe o Governo Federal de Enrique Peña Nieto, pela sua falta de ação. “O denominador comum é acusar um ao outro. Sem reconhecer jamais a própria responsabilidade”.
Victor retoma as palavras do Bispo de Morelia, Dom Carlos Garfias: “Como sociedade e como cristãos devemos pedir perdão aos imigrantes por termos nos esquecido deles. Não encontraram em nosso país os meios para cuidar de suas famílias”. Além disso, é uma terra onde não faltam recursos naturais e econômicos. E mais, o drama de quem foge do México é o mesmo de quem chega da América Central.
Fala-se sempre da fronteira norte (com os Estados Unidos), mas a do sul (com o restante da América Latina) talvez seja até mais violenta: estudos do Instituto Mexicano da Doutrina Social Cristã (Imdosoc) falam de abusos, violências e desaparecimentos de imigrantes. “O efeito Trump trouxe à luz um problema de décadas, já esquecido. E é um bem, porque estão sendo tomadas muitas iniciativas para enfrentá-lo. Mas a pergunta é se em nós há uma verdadeira mudança de mentalidade”. Discutindo sobre as ameaças de deportação maciça, um seu amigo disse: “O que podemos fazer com todos aqueles que voltarão?”. E ele, timidamente: “Recebê-los”. O outro explodiu: “Mesmo que eles tirem o nosso emprego?”. “Eu o entendo, a vida será mais difícil para todos”, continua Victor, “mas algo em mim resiste a ceder ao pessimismo”. Repensa nos convites do Papa Francisco para acolher, e no “colapso das evidências” de que fala Pe. Carrón no livro: “Não é mais evidente a dignidade mesma do outro. E o nosso empenho em relação a ele. O outro é alguém do qual é melhor libertar-nos para manter o nosso teor de vida. É um obstáculo, ou como diria Sartre: o inferno é o outro”.
Também a sociedade norte-americana vive uma profunda divisão a respeito do problema da migração. “Também entre os católicos, nas paróquias, onde os liberais se enraivecem quando se fala de defesa da vida e os conservadores, quando se defendem os imigrantes. Os próprios católicos julgam a Igreja e o que deve fazer de um ponto de vista político”. Assim parece melhor, até entre os fiéis, não falar das coisas “concretas”. Diante da gravidade dos problemas, “nasce um sentimento de impotência, de ceticismo. Como se a beleza desarmada fosse inútil aos fins práticos”, continua Victor, e pergunta a Pe. Carrón como se supera esse dualismo entre vida e fé: “Mesmo entre nós: podemos repetir os textos e enfrentar a vida com outros critérios”.
Pe. Carrón começa com uma pergunta: “O que aproxima as duas posições de que você falava: os fiéis que defendem a vida e aqueles que defendem os imigrantes?”. “Partem de um juízo político e não de fé”, responde Victor. “Ambas são posições cristãs”, replica Pe. Carrón. “Ambas nascem da fé. O problema é se se reduz o cristianismo a ética. Aparentemente todas as nossas posições nascem da fé. Todos nós temos fé”. Mas terminamos por adotar uma posição que gera divisão. Ou que não basta diante dos problemas: “A fé não basta, se não soubermos o que é a fé”, diz. “O que eu proponho é captar a ocasião para redescobrir a verdadeira natureza do cristianismo. Quando queremos defender um valor, dizemos: ‘Não é uma questão confessional, é um valor evidente à razão, a fé não serve para reconhecê-lo’. Mas esse é o primeiro erro. Para a maioria não é assim. Para nós não foi assim. Descobrimos os valores fundamentais do viver por força de um encontro”. Mas, sem perceber, nos adequamos ao que diz Kant: uma vez que o Evangelho tornou conhecidas as normas morais em sua plenitude, “cada um só pode convencer-se da sua validade através unicamente da razão”. Também nós pensamos a mesma coisa, esquecendo-nos daquilo que aconteceu conosco. “Um encontro, uma história particular, tornada veículo para uma verdade universal”, conclui Pe. Carrón. “Sem Dom Giussani que nos comunicou a fé como Acontecimento, pensaríamos como todos. Também a unidade entre nós é fruto apenas da força de Cristo: a comunhão não é um acordo. O que está em jogo é a própria fé. A fé: o reconhecimento da Presença de Cristo”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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