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Passos N.193, Julho 2017

IGREJA

Agradar mais a Deus que aos homens

por José Roberto Cosmo

Conversa com Dom Gregório Paixão, Bispo da Diocese de Petrópolis, autor do livro “A Catedral de Petrópolis – Santuário da memória da Cidade Imperial”. Um espaço celebrativo, que nos leva à oração


Ricamente ilustrado e fartamente documentado, o livro sobre a Catedral de Petrópolis cujo autor é Dom Gregório Paixão, Bispo da Diocese de Petrópolis, não é somente a história de um monumento de pedras, mas expressa a memória de uma fé viva que acompanha o povo desta cidade desde a criação da Paróquia de São Pedro de Alcântara em 1846 até os dias de hoje.
Numa linguagem clara, fluida e objetiva, Dom Gregório nos apresenta a Catedral desde o lançamento da primeira pedra fundamental em 1876 até 1970, data do relatório que deu como concluída a construção da torre e finalmente, as obras da Matriz de Petrópolis. Foram 93 anos nos quais a contribuição do povo de Petrópolis ficou plenamente demonstrada legando-nos “tão grandioso templo, sinal visível de sua fé, engenho e perseverança”, como nos diz Dom Gregório em dedicatória de agradecimento aos “cristãos, conhecidos e anônimos, construtores da Catedral de Petrópolis”.
Fomos encontrar o autor para conversar um pouco mais sobre a religiosidade do povo e sobre as histórias por detrás de sua obra.

Gostaria de começar pelo título e o subtítulo do seu livro “A Catedral de Petrópolis. Santuário da memória da cidade Imperial”. Qual é o significado, para o senhor, da expressão “Santuário da memória”?
Quando decidi pelo título, quis algo direto. Daí a escolha: "A Catedral de Petrópolis". Por outro lado, no subtítulo, resolvi acrescentar alguma coisa que diz respeito à história intrínseca do templo, que é justamente ser "Santuário da memória". De algum modo a Catedral de Petrópolis responde a uma série de questões que muitas vezes as pessoas não conseguem enxergar; desejamos que todos enxerguem além do monumento. Desse modo, é memória porque conta parte da história de Petrópolis; conta a história de uma família, que era a família imperial; conta a história de uma grande família, que é a do povo de Deus; é memória, porque ela foi construída no tempo. Foram noventa anos de construção. É santuário, em primeiro lugar, porque foi construída com um sentido diferente de todos os outros sentidos, ou seja, para o louvor a Deus. Assim pensando, tudo nela nos fala sobre Três Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. No fundo, a Catedral é um monumento onde não se quer dar louvor a um imperador ou a um grande arquiteto, mas elevar o louvor a Deus. Todo o prédio, portanto, fala-nos de uma população e de seu coração, pois dentro daquele templo de pedra muitos choraram pelos seus filhos; confessaram os seus pecados, receberam o Pão da Vida. Mesmo os sem fé, se sentaram nos seus bancos ou passearam pelos corredores da velha Catedral, para viver raro momento de contemplação. Assim, memória e santuário estão intimamente ligados.

O que é que despertou o seu desejo de escrever um livro sobre a Catedral de Petrópolis?
Eu sou um homem fascinado pela arte, principalmente quando ela é arte sacra. Quando eu cheguei a Petrópolis, o primeiro lugar que conheci foi a Catedral de Petrópolis; foi ali que eu tomei posse da Diocese. Ao me deparar com tão belo monumento, eu me perguntei: que história há por trás? O que as pessoas de Petrópolis conhecem de sua história? Naturalmente, por trabalhar tantos anos com história, antropologia e outras áreas do conhecimento, e por ter escrito outros livros na área de história da arte, comecei pelo que via ali, diante dos meus olhos, e de minha curiosidade. Vi que faltava um aprofundamento sobre o monumento, pois muitas das histórias que me contaram, no meu primeiro ano de Petrópolis, me pareciam um tanto desconexas. Desse modo, sentei e comecei a pesquisar, buscando as fontes primárias, pelo desejo de conhecer e fazer conhecer. Quando vi, o texto do livro já estava pronto!

Durante o processo de pesquisa e elaboração do livro, o que mais chamou a sua atenção?
O que mais me chamou atenção foi perceber que esse monumento, tão amado pelos petropolitanos, não tinha sua história revelada em detalhes. As pessoas o amavam apenas por amar (o que já é muita coisa!), mas precisavam um pouco mais de conhecimento. Faltava, apenas, alguém que tivesse a coragem de tirar a história do baú. Minha busca era por fontes que as pessoas não conheciam. Meu trabalho foi o de "tirar coisas novas e velhas”, como nos ensinou Nosso Senhor.

E quais foram as principais dificuldades que o senhor encontrou durante esse processo de pesquisa e elaboração do livro?
Acho que o maior obstáculo foi ter que reconstruir uma parte dessa história através de fontes paralelas. Porque uma parte do Livro do Tombo não foi escrita, deixando-nos uma lacuna de, mais ou menos, 30 anos. O padre da época certamente não tinha muito tempo para escrever, por causa da intensidade da obra, mas, de alguma forma, deixou-nos escrito, em pedras e arte, o que não colocou no papel. Tive, então, que reconstruir esse período através de arquivos paralelos, e isso deu um trabalho muito grande, porque tive que garimpar, especialmente no Jornal Tribuna de Petrópolis, nos arquivos da Mitra e da Catedral, nas revistas que foram publicadas entre 1884 e 1939, e em arquivos de autores petropolitanos. Acho que o resultado ficou satisfatório. Mas falta ainda muita coisa a ser pesquisada. Isso caberá às futuras gerações de historiadores.

Voltando a alguns personagens que contribuíram para a construção da Catedral. Quais foram os papeis desempenhados por Dom Pedro II e a Princesa Isabel na construção da Catedral de Petrópolis?
Naturalmente, a Nova Matriz, que hoje chamamos de Catedral, era apenas um projeto a ser construído nas terras do Imperador Dom Pedro II, na Fazenda Real da Concórdia (antiga Córrego Seco, quando Dom Pedro I a comprou), imaginando que Petrópolis teria uma importância muito grande no futuro. Por vê-la crescendo tão bela, o Imperador mandou construir a Nova Matriz, e para isso deu, de seu próprio bolso, uma grande quantia de dinheiro. Ele esteve presente na colocação das duas pedras fundamentais (uma em 1876 e outra em 1884). Dom Pedro II aparece como aquele que doou o terreno e apoiou a construção em todos os sentidos. Até ser expulso do Brasil, em 1889, ele colaborou para que o edifício saísse do chão. Mas, sem dúvida, a Princesa Isabel foi aquela que abraçou o sonho do pai. Foi ela quem realmente foi atrás das pessoas, de porta em porta, fazendo “batalha de rosas”, fazendo quermesses, pedindo dinheiro a um e outro, através de um livro de ouro, para que, finalmente, a Catedral pudesse nascer. Ela foi realmente a grande incentivadora, a grande colaboradora da construção. Quando a Catedral estava com cerca de cinco metros de altura, a família imperial foi expulsa. Porém, mesmo estando na França, ela mandou vender todos os terrenos que tinha no Rio de Janeiro e deu o dinheiro para que continuassem a construção – mostrando que a família não guardava mágoas –, e mandou, também, vender 360 apólices de seguro do Banco do Brasil para que o dinheiro fosse empregado na causa. Assim, pai e filha foram os fundadores da Catedral. Não podemos esquecer, porém, que coube ao povo de Deus lutar pela conclusão do templo, auxiliados pelos párocos e por duas mulheres incansáveis no sonho de ver concluído o templo: a baronesa de São Joaquim e a baronesa de Muritiba.

E a participação do povo, propriamente dito, na construção dessa Catedral?
A Catedral começou sendo uma obra, digamos, da nobreza do Brasil. Porém, com o fim do Império, coube ao povo de Deus levar a cabo a obra. Quem mais incentivava o povo foi o Padre Teodoro, chamado de Seu Vigarinho, que morreu no púlpito da Velha Matriz pregando pela conclusão da Nova. Nove meses depois do incidente, a Nova Matriz (hoje Catedral) abria definitivamente suas portas pela colaboração do povo. Era o ano de 1925. Então, a história começa com as pessoas da nobreza, mas termina nas mãos do povo de Deus.

Esse episódio que o senhor menciona, em 1925, com o “Seu Vigarinho”, é interessante. O senhor poderia comentar um pouco esse episódio?
O padre Theodoro Rocha foi o último vigário da antiga Matriz de Petrópolis. Ele exerceu a função de pároco por anos e, em 1925, ele fez um apelo veemente, já que a igreja dos protestantes (luteranos), já havia sido construída, ao passo que a nova Matriz católica ainda não. Utilizou, então, o púlpito, após a missa dominical das 9h, e disse: “Não é possível que nós não consigamos unir forças para concluir a nova matriz. Já que vocês não estão interessados, eu mesmo sairei de porta em porta pedindo esmolas para poder concluir a nossa igreja”. Quando ele estava no meio do discurso (foi um discurso inflamado) teve um ataque cardíaco, caindo em pleno público. Foi levado para a sua casa (que ficava a uns 200 metros da antiga Matriz) e veio a falecer por volta das 15h. Isso gerou uma grande comoção, principalmente porque ele era um homem simples, bondoso e único padre da região. Alguns diziam que ele era um homem de posses, mas, quando morreu, descobriu-se que vivia pobremente, tendo colocado o seu dinheiro em favor da conclusão da nova Matriz (futura Catedral). Morreu em 22 de fevereiro de 1925. Nove meses depois de sua morte, em 29 de novembro de 1925, a catedral estava sendo inaugurada. Hoje, é por nós considerado um verdadeiro mártir para a construção da Catedral.

O projeto original, o neoclássico do Roncetti, foi substituído por outro projeto, no estilo neogótico, cujo arquiteto era o Caminhoá. Quais foram as razões que levaram à rejeição do projeto original?
O projeto original do Roncetti igualaria a Catedral de Petrópolis aos monumentos italianos. Lembraria muito aquelas grandes basílicas de Roma, como a de São João do Latrão. Aliás, naquele momento, os monumentos civis brasileiros tinham estilo neoclássico, como os Correios de Petrópolis, o Fórum, dentre outros. Quando viram o projeto, acharam que a nova Matriz ficaria com cara de edifício público e, certamente, não gostaram. Um segundo ponto era o preço do projeto. Seria caríssimo construir uma igreja neoclássica, pois exigiria muito na parte da pintura e detalhamento em estuque. Assim, como a igreja seria construída por meio de doações, ela levaria muito tempo para ficar pronta. Desse modo, esse primeiro projeto foi rejeitado, por questões econômicas. Sabendo disso, o arquiteto baiano Frederico Caminhoá, apresentou um pleito à Baronesa de Barral, e, esta, pede à Princesa Isabel que apresente o nome dele ao Imperador. O projeto neogótico foi facilmente aprovado, porque era muito mais modesto. Em primeiro lugar, agradava ao inconsciente dos moradores alemães, acostumados às igrejas góticas da região da Renânia. Depois, as igrejas neogóticas são muito simples e, geralmente, bem aceitas por sua beleza e plasticidade. Isso facilitou muito a aprovação do projeto de Caminhoá. E, como ele fez um projeto muito delicado, parecia uma joia petropolitana. Seria uma obra pequena, mas com um impacto grandioso. Hoje, olhando os dois projetos, acho que o imperador fez a melhor escolha.

Mas esse projeto do Caminhoá foi objeto de algumas críticas veiculadas pela imprensa carioca, conforme o senhor documentou no livro. Poderia resumir a origem dessas críticas ao projeto do Caminhoá?
O Brasil vivia um momento muito interessante, nos últimos 20 anos do século XIX. Alguns esperavam de Caminhoá um traço mais brasileiro, seguindo a tendência europeia da modernidade. Ele podia desenhar um monumento mais contemporâneo. Porém, resolveu mais agradar à população do que aos intelectuais de plantão. Alguns jornalistas criticaram o projeto, dizendo que ele estava copiando um estilo já conhecido e fora de moda. Mas Caminhoá era esperto e sabia que não teria vez frente ao Imperador se apresentasse uma obra muito diferente daquilo que Dom Pedro II gostava. Agradou ao Imperador e viu seu projeto executado. Hoje em dia ninguém olha o traço neogótico como uma imitação, mas como um estilo. Quando olhamos para a Catedral estamos mais interessados no espaço celebrativo, que nos leva à oração. Pouco interessa o estilo arquitetônico, mas o que ele gera em quem o frequenta e contempla.

Qual é o significado que a Catedral tem hoje, na sua visão, para o povo de Petrópolis?
Sinto que a Catedral é um monumento agregador. De algum modo é um monumento que consegue abranger todas as áreas da sociedade. Ali, no passado, como no presente, foram feitas as grandes celebrações petropolitanas, além do culto católico. Ali os visitantes – os que têm fé, os que não têm e os que professam outro credo – entram para visitar o monumento e saem restaurados. Ali nós temos concertos, mostrando a importância da arte para a vida. Temos também uma parte da história, porque as pessoas ficam maravilhadas com tudo o que veem e ouvem. Ou seja, a Catedral é uma porta aberta que consegue abraçar todas as pessoas, indistintamente. É um símbolo da Cidade Imperial, que deseja abraçar a todos. É uma espécie de mãe da cidade, porque o coração de Deus abraça todas as pessoas, sejam elas santas, sejam elas pecadoras. E eu acho que ela significa isso: um coração humano-divino que tem as portas sempre abertas para acolher a todos.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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