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Passos N.196, Outubro 2017

DOCUMENTO

Proximidade e encontro

por Papa Francisco

Trechos do discurso do Santo Padre no encontro com o comitê diretivo da Conferência do Episcopado Latino-Americano (CELAM). Nunciatura Apostólica (Bogotá), 7 de setembro de 2017

Queridos irmãos! Obrigado por este encontro. (...) Deus, quando fala ao homem em Jesus, não o faz com um apelo vago como a um estranho, nem com uma convocação impessoal como faria um notário, nem mesmo com uma declaração de preceitos para cumprir como faz qualquer funcionário do sagrado. Deus fala com a voz inconfundível do Pai que se dirige ao filho, e respeita o seu mistério, pois foi Ele que o formou com as suas próprias mãos e destinou à plenitude. O nosso maior desafio como Igreja é falar ao homem como porta-voz desta intimidade de Deus, que o considera um filho, mesmo quando este renega tal paternidade, porque, para Ele, somos sempre filhos reencontrados. (...)
Por isso, insisti sobre o discipulado missionário como uma chamada divina para este tempo de hoje, complexo e carregado de tensões, um permanente sair com Jesus para conhecer como e onde vive o Mestre. E, ao mesmo tempo que saímos na sua companhia, conhecemos a vontade do Pai, que sempre nos ouve. Só uma Igreja Esposa, Mãe, Serva, que renunciou à pretensão de controlar o que não é obra sua, mas de Deus, pode permanecer com Jesus, mesmo quando o seu ninho e refúgio é a cruz.
Proximidade e encontro são os instrumentos de Deus, que, em Cristo, Se aproximou e sempre nos encontrou. O mistério da Igreja é realizar-se como sacramento desta proximidade divina e como lugar permanente deste encontro. Daqui a necessidade da proximidade do Bispo a Deus, porque n’Ele está a fonte da liberdade e da força do coração do Pastor, bem como da proximidade ao Povo santo que lhe foi confiado. Nesta proximidade, a alma do apóstolo aprende a tornar palpável a paixão de Deus pelos seus filhos.
Aparecida é um tesouro, cuja descoberta ainda está incompleta. Tenho certeza de que cada um de vós descobre quanto a sua riqueza se enraizou nas Igrejas que trazeis no coração. Como os primeiros discípulos enviados por Jesus no seu projeto missionário, também nós podemos contar com entusiasmo tudo o que fizemos (cf. Mc 6, 30).
Mas é necessário estar atentos. As realidades indispensáveis da vida humana e da Igreja não são jamais um monumento, mas um patrimônio vivo. É muito mais cômodo transformá-las em recordações, de que se celebram os aniversários: 50 anos de Medellín, 20 de Ecclesia in America, 10 de Aparecida! Trata-se, porém, de algo diverso: salvaguardar e fazer fluir a riqueza desse patrimônio (pater munus) constituem o munus da nossa paternidade episcopal para com a Igreja do nosso Continente.
Bem sabeis que a renovada consciência, de que no início de tudo está sempre o encontro com Cristo vivo, exige que os discípulos cultivem a familiaridade com Ele; caso contrário, ofusca-se o rosto do Senhor, a missão perde força, retrocede a conversão pastoral. Assim, rezar e cultivar o relacionamento com Ele é a atividade mais improrrogável da nossa missão pastoral.
Aos seus discípulos, entusiasmados com a missão cumprida, Jesus dizia: Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto (Mc 6, 31). Nós precisamos ainda mais deste estar a sós com o Senhor, para reencontrar o coração da missão da Igreja na América Latina, nas circunstâncias atuais. Há tanta dispersão interior e também exterior! Os numerosos eventos, a fragmentação da realidade, a instantaneidade e a velocidade do presente poderiam fazer-nos cair na dispersão e no vazio. Reencontrar a unidade é um imperativo.
Onde se encontra a unidade? Sempre em Jesus. O que torna permanente a missão não é o entusiasmo que inflama o coração generoso do missionário, embora sempre necessário; mas sim a companhia de Jesus por meio do seu Espírito. Se em missão não sairmos com Ele, rapidamente perderemos o caminho, arriscando-nos a confundir as nossas vãs necessidades com a sua causa.
Não faz parte da missão ceder ao desânimo, quando porventura, passado o entusiasmo do início, chega o momento em que tocar a carne de Cristo se torna muito duro. Numa situação como esta, Jesus não acalenta os nossos medos. E, como sabemos muito bem que não há mais ninguém para quem possamos ir porque só Ele tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6, 68), consequentemente é necessário aprofundar a nossa vocação.
Concretamente, que significa sair com Jesus em missão, hoje, na América Latina? (...) Muito se falou sobre a Igreja em estado permanente de missão. Sair, partir com Jesus é a condição desta realidade. Sair, sim; mas com Jesus. O Evangelho fala de Jesus que, tendo saído do Pai, percorre, com os seus, os campos e as povoações da Galileia. Não é inútil este percurso do Senhor. Enquanto caminha, encontra; quando encontra, aproxima-Se; quando Se aproxima, fala; quando fala, toca com o seu poder; quando toca, cura e salva. Levar ao Pai aqueles que encontra é o objetivo do seu permanente sair, sobre o qual devemos refletir continuamente e fazer um exame de consciência. A Igreja deve reapropriar-se dos verbos que o Verbo de Deus conjuga na sua missão divina. Sair para encontrar, sem passar ao largo; reclinar-se sem desleixo; tocar sem medo. Trata-se de ir dia após dia trabalhar no campo, lá onde vive o Povo de Deus que vos foi confiado. Não é lícito deixar-nos paralisar pelo ar condicionado dos escritórios, pelas estatísticas e pelas estratégias abstratas. É necessário dirigir-se à pessoa na sua situação concreta; não podemos afastar o olhar dela. A missão realiza-se sempre num corpo a corpo.

Uma Igreja capaz de ser sacramento de unidade
A Igreja conhece, como poucos, aquela unidade sapiencial que antecede toda e qualquer realidade na América Latina. (...) Não podemos perder o contato com este substrato moral, com este humus vital que habita no coração do nosso povo; nele se percebe a mistura quase indistinta mas ao mesmo tempo eloquente do seu rosto mestiço: não apenas indígena, nem hispânico, nem lusitano nem afro-americano, mas mestiço, latino-americano!
Guadalupe e Aparecida são manifestações programáticas desta criatividade divina. Bem sabemos que isto faz parte do fundamento sobre o qual se apoia a religiosidade popular do nosso povo; faz parte da sua singularidade antropológica; é um dom com que Deus Se quis dar a conhecer ao nosso povo. (...)
Para falar a esta alma que é profunda, para falar à América Latina profunda, a única estrada que resta à Igreja é aprender continuamente com Jesus. O Evangelho diz que Ele falava só em parábolas (cf. Mc 4, 34). Imagens que coenvolvem e tornam participantes, que transformam os ouvintes da sua Palavra em personagens das suas narrações divinas. (...) Somos convidados a ir em missão não com conceitos frios que se contentam com o possível, mas com imagens que continuamente multiplicam e desenvolvem as suas forças no coração do homem, transformando-o em grão semeado em terreno bom, em fermento que aumenta a capacidade de fazer pão da massa, em semente que esconde a força da árvore fecunda.

Uma Igreja capaz de ser sacramento de esperança
Muitos se lamentam de certa falta de esperança na América Latina de hoje. A nós, não é permitido lamentar-se, porque a esperança que temos vem do Alto. Além disso, sabemos bem que o coração latino-americano foi treinado para a esperança. (...) O nosso povo aprendeu que nenhuma decepção é capaz de vencê-lo. Segue Cristo flagelado e manso, sabe aguardar que se faça dia e permanecer na esperança da sua vitória, porque, no fundo, está ciente de não pertencer totalmente a este mundo.
Não há dúvida que a Igreja, nestas terras, é de modo particular um sacramento de esperança, mas é necessário vigiar sobre a concretização desta esperança. Quanto mais transcendente, tanto mais deve transformar o rosto imanente daqueles que a possuem. Peço-vos que vigieis sobre a concretização da esperança e permiti que vos lembre alguns dos seus rostos já visíveis nesta Igreja latino-americana.

Um rosto jovem
Fala-se frequentemente dos jovens (proclamam-se estatísticas sobre o Continente do futuro); alguns referem notícias sobre a sua alegada decadência e quanto estejam adormecidos, outros aproveitam-se do seu poder de consumir, e não falta quem lhes proponha o papel de peões do tráfico da droga e da violência. Não vos deixeis capturar por tais caricaturas sobre os jovens. Fixai-os nos olhos e procurai neles a coragem da esperança. Não é verdade que estão prontos a repetir o passado. Abri-lhes espaços concretos nas Igrejas particulares que vos estão confiadas, investi tempo e recursos na sua formação. Proponde programas educacionais incisivos e objetivos a realizar, pedindo-lhes – como os pais pedem aos filhos – que ponham em ato as suas potencialidades e educando o seu coração para a alegria da profundidade, não da superficialidade. Não vos contenteis com retóricas ou opções escritas nos planos pastorais mas jamais postas em prática.
Escolhi o Panamá, o istmo deste Continente, para a Jornada Mundial da Juventude de ‘19, que será celebrada seguindo o exemplo da Virgem que proclama: “Eis aqui a serva” e “faça-se em mim” (Lc 1, 38). Tenho a certeza de que, em cada jovem, se esconde um “istmo”; no coração de todos os nossos moços e moças, há um pedaço estreito e comprido de terreno que se pode percorrer para os levar rumo a um futuro que só Deus conhece e a Ele pertence. Cabe a nós apresentar-lhes grandes propostas, para despertar neles a coragem de arriscar juntamente com Deus e se tornar disponíveis como a Virgem Maria.

Um rosto feminino
Não há necessidade de me alongar sobre o papel da mulher no nosso Continente e na nossa Igreja. Dos seus lábios, aprendemos a fé; quase com o leite do seu seio, adquirimos os traços da nossa alma mestiça e a imunidade contra qualquer desespero. (...) Por favor, não as reduzamos a servas do nosso clericalismo recalcitrante; mas sejam, ao invés, protagonistas na Igreja latino-americana: no seu sair com Jesus, no seu perseverar, mesmo no meio do sofrimento do seu povo; no seu agarrar-se à esperança que vence a morte; na sua maneira jubilosa de anunciar ao mundo que Cristo está vivo, e ressuscitou.

Através do coração, da mente e dos braços dos leigos
É indispensável superar o clericalismo que torna infantis os christifideles laici e empobrece a identidade dos ministros ordenados. Embora se tenha feito um notável esforço e tenham sido dados alguns passos, os grandes desafios do Continente permanecem sobre a mesa e continuam à espera da realização serena, responsável, competente, clarividente, articulada e consciente de um laicado cristão, que esteja disposto a contribuir, como crente, nos processos de um desenvolvimento humano autêntico, na consolidação da democracia política e social, na superação estrutural da pobreza endêmica, na construção de uma prosperidade inclusiva fundada em reformas duradouras e capazes de tutelar o bem social (...).
Mais ainda: neste sentido, a esperança deve sempre fixar o mundo com os olhos dos pobres e a partir da situação dos pobres. Ela é pobre como o grão de trigo que morre (cf. Jo 12, 24), mas tem a força de promover os planos de Deus. Com frequência, a riqueza autossuficiente priva a mente humana da capacidade de ver tanto a realidade do deserto como os oásis lá escondidos. Propõe respostas de manual e repete certezas de talk-show; balbucia a projeção de si mesma, vazia, sem aderir minimamente à realidade. Tenho a certeza de que, neste momento difícil e confuso mas provisório que vivemos, as soluções para os problemas complexos que nos desafiam nascem da simplicidade cristã que se esconde aos poderosos e manifesta aos humildes: a pureza da fé no Ressuscitado, o calor da comunhão com Ele, a fraternidade, a generosidade e a solidariedade concreta que brotam também da amizade com Ele. (...)
À proteção da Virgem, invocada com os nomes de Guadalupe e Aparecida, vos confio com a serena certeza de que Deus, que falou a este Continente com o rosto mestiço e moreno da sua Mãe, não deixará de fazer resplandecer a sua luz benigna na vida de todos. Obrigado!

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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