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Passos N.95, Julho 2008

CULTURA - EXERCÍCIOS DA FRATERNIDADE

Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé

Este ano, os leitores de Passos recebem um presente: o fascículo dos Exercícios Espirituais da Fraternidade de CL. Título: Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. Padre Julián Carrón desenvolveu esse percurso partindo da evidência do Mistério, do que Cristo realiza entre nós, fazendo acontecerem fatos tão grandiosos quanto o evento de 24 de fevereiro na Praça da Sé (quando Cleuza e Marcos Zerbini entregaram a Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo e suas próprias vidas a CL, pois no Movimento "está tudo aquilo que devemos buscar"). Em seguida, Carrón falou da fé como método de conhecimento, de Cristo como testemunha do Pai, e da Igreja como testemunha de Cristo. E chegou ao coração da questão: a fé como reconhecimento do Mistério presente, e a vida que nasce a partir daí. Uma vida nova, cheia de uma afeição e de um conhecimento poderosamente humanos. Uma vida carregada de uma tarefa: o testemunho.
Aprofundar esse percurso, e torná-lo próprio, será o trabalho fascinante dos próximos meses. Para acompanhar este caminho oferecemos uma pequena ajuda a mais: alguns trechos de romances e poesias que documentam algumas passagens desenvolvidas por Carrón nos Exercícios. Apenas uma contribuição para exaltar o que já existe, sem querer acrescentar nada. E, também, como sugestão de leitura com o desejo de que nos ajude neste trabalho. E, sobretudo, na nossa experiência de fé.


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Onde se instala o problema? Antes de mais nada, no uso da razão frente ao que vemos. É aí que se estabelece tantas vezes uma irracionalidade ou um racionalismo: reduzimos o que vemos e bloqueamos a provocação que é feita à inteligência e ao coração proveniente daquilo que vemos. A questão da fé está relacionada não com o que não vemos, mas com o que vemos, que tocamos, que experimentamos - como a cura -, que nos obriga a expandir a razão e a nos deixar arrastar, magnetizar por essa Presença boa que entra na vida.
Quem é que aceita esse desafio que vem do real, de um real tão imponente, tão excepcional? O que é que nos permite conhecer sem reduzir, sem impor uma medida nossa para não perder o melhor? Dom Giussani nos repetiu todos os dias: “O cristianismo apresenta assim o seu grande ‘inconveniente’: exige ‘homens’ para ser entendido e vivido. Homens: aquele nível da natureza no qual ela adquire consciência de si. Se a humanidade não vibra, não há persuasão de discurso religioso que resista. O cristianismo não possui outra ‘arma’ a não ser o ser humano que vive como tal”.

Julián Carrón


A realidade, a nossa e tudo o que vemos, é um dado, e a razão – se for leal consigo mesma, se não for completamente irreligiosa, se não for desleal com o que vê, se não renunciar à sua natureza, a essa urgência de dar-se a razão do que tem diante de si – só pode acabar por reconhecê-Lo em ação. Nós somos não-razoáveis porque não submetemos a nossa razão, o nosso modo de pensar em Deus, no Mistério, àquilo que experimentamos. Esta é a nossa irreligiosidade, isto é, não expandir a razão até reconhecer o dado, o real, no seu surgimento, que é o Mistério.
Julián Carrón


Giovanni Testori
Creio que seja uma orientação infalível: não vai errar, não obstante todas as falhas, aquele que tiver querido bem à realidade, ou seja, à criação. Se quer bem à criação, também é capaz de escrever ou pintar as mais extraordinárias coisas: já estão salvos pelo criador feito carne. Amando a realidade na qual está imerso, já vive dentro, abraça o seu tema sem necessidade de fazer como diziam os neo-realistas que deviam ter o controle do como era feita a garrafa, a sopa, a cozinha e por aí vai. Estes já estão dentro daquele ato de amor, basta pedi-lo e “clic” vêm à caneta, ao pincel.
Basta amar a realidade sempre, de todos os modos, mesmo no modo mais impetuoso e impreciso como foi o meu, mas amá-la. Para o resto não existem preceitos.
(Conversações com Testori, organizador Luca Doninelli, Ed. Guanda)


Vincent Van Gogh
Mas, de verdade, estou de tal modo curioso a respeito daquilo que é possível e que existe realmente que sinto pouco desejo e coragem para procurar o ideal fazendo-o brotar de estudos abstratos. Outros podem ter pelos estudos abstratos mais entendimento do que eu e, certamente, também tu poderias estar entre eles, assim como está Gauguin... talvez eu mesmo quando for velho. Mas enquanto espero, sacio-me com a natureza. Exagero, mudo algumas vezes a intenção; porém em definitivo, não invento nunca o quadro inteiro, na verdade já o encontro feito, mas a ser destrinchado, na natureza.
(Carta a um amigo pintor, Ed. BUR)

Cesare Pavese
3 de janeiro de 1938
Porque tu vives dos pensamentos, ela de realidade. E a realidade nunca é equilíbrio, nunca é pecado. E o mal nasce sempre do que é defasado, não do que é real.
(A tarefa de viver, Ed. Einaudi)

Orhan Pamuk
A beleza e o segredo deste mundo podem emergir somente com a atenção, o interesse e o afeto que se mostra com amor. Se quiserdes viver naquele Paraíso em que vivem jumentos e cavalos felizes, abri bem os olhos sobre este mundo, prestai atenção às suas cores, aos seus detalhes, aos seus caprichos.
(O meu nome é vermelho, Ed. Einaudi)

Adélia Prado

Minha mãe cozinhava exatamente:
arroz, feijão roxinho, molho de batatinhas.
Mas cantava.

(O coração disparado, Rio de Janmeiro, Nova Fronteira)


E como se dá o nascimento desse conhecimento novo? Atenção, não em virtude de uma genialidade nossa. “O conhecimento novo nasce da adesão a um acontecimento, do affectus a um acontecimento ao qual se está apegado, ao qual se diz sim. [É preciso dizer sim. A fé é um gesto livre: é preciso dizer sim a esse acontecimento, para que possa começar a acontecer essa novidade]. Esse acontecimento é um particular na história: tem uma pretensão universal, mas é um ponto particular. Pensar partindo de um acontecimento significa, acima de tudo, aceitar que eu não defino aquele acontecimento, mas sou definido por ele. É nisso que aparece aquilo que realmente sou e a concepção do mundo que tenho”.
Julián Carrón

C. S. Lewis

Não se preocupe. No final das contas, existem apenas dois tipos de pessoas: as que dizem a Deus: "Seja feita a Tua vontade”; e aquelas a quem Deus diz: “Seja feita a sua vontade”. Todos os que estão no Inferno escolhem a segunda opção. Sem essa escolha pessoal não haveria Inferno. Alma alguma que deseje sincera e constantemente a alegria irá perdê-la. O que busca, encontra, Àquele que bate, a porta será aberta.

(O grande abismo, São Paulo, Ed. Vida)


Eric-Emmanuel Schmitt
Et incarnatus est. Nasceu. A primeira cantora a entoá-lo foi Costanza, tua mulher, aquela que te deu teus filhos, de todo modo mortal feliz e extremada, cheia de maravilha diante do menino. Durante o meu período ateu, era a única coisa que percebia, o reconhecimento, e era suficiente experimentar esta alegria.
Et incarnatus est. Eis o canto suave da adoração, eis a celebração da vida. Extraordinário. Não é mais uma voz, estou ali. Não é mais um respiro humano, é um beijo harmonioso que nos transporta para as nuvens. Não é mais uma mulher, são todas as mulheres: mães, irmãs, esposas, amantes. As palavras e as identidades não mais têm importância: tu celebras o milagre do ser.
“Porque algo existe, em vez do nada?”, se perguntam os filósofos. “Existe”, responde a música.

Et incarnatus est.

(in “Comentário à Missa em dó menor de Mozart”, A minha história com Mozart, E/O)

Thomas Mann
A resposta de Deus não coincide com a dinâmica do pensamento humano. A vida humana é, por natureza, feliz e, contra a natureza, tão infeliz.
(José e seus irmãos, Ed. Mondadori)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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