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Passos N.93, Maio 2008

SOCIEDADE / CIÊNCIA - CÉLULAS-TROCO

Pesquisa com células-tronco embrionárias:
a verdadeira questão

por Mariana Rodrigues Gomes Morais *

Você é contra ou a favor das pesquisas com células-tronco embrionárias? Quais são os seus argumentos? Nos dias de hoje, muito se fala a respeito dos avanços das pesquisas científicas, trazendo esperança para a cura de diversas doenças. Por outro lado, existe entendimento de que estes estudos negariam os direitos dos embriões. Onde estará a verdade?

Nesse mês de março o Supremo Tribunal Federal brasileiro iniciou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, que versa sobre a possibilidade jurídica, ou não, de uso de células-tronco de embriões humanos em pesquisas, desde que a finalidade seja a “pesquisa e terapia” 1. A questão, aparentemente, possui solução simples, eis que ninguém nega que as pesquisas científicas para a cura de doenças são fundamentais e que o direito à vida e saúde dos doentes deve ser garantido. Contudo, é preciso uma análise cautelosa quando a matéria para tais estudos são embriões humanos. As perguntas fundamentais, então, são: (1) esta linha de pesquisa, que utiliza embriões humanos como objeto de estudo, é ética? e (2) está de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro? A resposta é, sem sobra de dúvida, não; eis que estas pesquisas ferem o princípio elementar da ética e da Justiça, que é o respeito à vida humana.
Uma análise rápida da matéria levaria ao seguinte questionamento: por que a pesquisa com células-tronco embrionárias seria antiética ou ilegal, se existem pessoas morrendo ou sofrendo, ao mesmo tempo em que células são descartadas pelos laboratórios, ou mantidas congeladas sem qualquer função? Esta é a forma como o assunto é colocado pela mídia: de um lado da balança os doentes, e do outro, um amontoado de células. Contudo, uma leitura mais detida leva a conclusão de que não são estes os valores que estão sendo pesados. Em verdade, de um lado, não se tem os doentes ou sua cura, mas, o suposto direito à exploração de uma linha de pesquisa que, conforme já se denota pelos estudos científicos, nem é a mais razoável 2. De outro lado, também, não se encontra um “amontoado de células” ou células embrionárias ou pré-embrião, mas o próprio embrião, que é destruído ao ser utilizado como objeto dos estudos científicos.
E o embrião é um indivíduo humano vivo? Claro que sim, pois possui uma programação genética própria, diferente de seus genitores. Inclusive, esta programação genética lhe garante um desenvolvimento independente de sua mãe, que apenas lhe fornece o alimento, mas não contribui para sua divisão celular ou especialização de órgãos e tecidos. Não é a mãe quem diz ao bebê, em seu útero, quando deve formar o braço ou a perna. Na verdade, ele sabe o que deve fazer. Donde se conclui que a nidação (instalação do embrião no útero) é necessária apenas para fornecer alimento e abrigo ao embrião, porém não acrescenta nada a seu caráter humano. O embrião é ser humano em decorrência do patrimônio genético; é ser humano, é ser vivo, independente de sua aparência ou tempo de existência.
Em outros tempos e em outras sociedades, como na Roma Antiga, os direitos humanos eram reconhecidos segundo a forma física, a origem e outros atributos do indivíduo. Não bastava ser humano e estar vivo. Era necessário ser uma criança sadia, ter nascido romano, etc. Mas, atualmente, o pensamento não é esse. Depois de um longo caminho, reconhecemos que todos os seres humanos são pessoas – isso é, têm todos os direitos humanos.
Há que se ressaltar, também, que é não tem fundamento a alegação de que o embrião não é um ser vivo, porque não possui cérebro ou tubo neural 3; pois estes órgãos já estão previstos na carga genética recebida pelo indivíduo de seus pais. Do contrário, haveria um momento específico do desenvolvimento, em que a mãe ou outro terceiro daria ao embrião o cérebro, ou então, este órgão surgiria do nada, sem nenhuma decorrência do processo de formação do próprio bebê, o que sabemos que não ocorre. Como se percebe, o que falta ao embrião é apenas tempo e alimento, para que desenvolva o cérebro, tubo neural, coração e todos os demais órgãos que ele já possui.
Retomando a teoria “nidista” 4, para quem seria preciso haver a nidação para haver vida, cumpre esclarecer que esta linha parte de uma confusão entre a natureza do objeto (o embrião) e seu alimento (fornecido através do útero). Por este raciocínio, o alimento é necessário não apenas para que aquela vida se mantenha e desenvolva, mas para ser considerada vida, objeto de garantias da sociedade. O que é um absurdo!
Na verdade, o homem possui este caráter quando é concebido, pela união dos gametas parentais, mas não quando recebe alimento ou quando possui certo estágio de desenvolvimento. Assim, retomando a balança de valores de que falamos ao início, não se tem os doentes versus o “amontoado de células”, como querem alguns; mas o direito de exploração de uma linha de pesquisa (que utiliza os embriões como objeto de estudo) versus a própria vida do embrião.
Colocado sobre esta ótica, a questão principal se elucida, pois o direito à vida deve prevalecer sempre, na medida em que é pré-requisito para todos os demais. Do que adiantaria falar em direito à moradia, saúde, educação, se não há garantia da vida? Como se vê, a matéria não está recebendo o tratamento adequado. quando se é levado por uma visão unilateral, que prega a ética utilitarista, onde o indivíduo só vale a medida de sua utilidade e, se é inútil, então não merece ter seus direitos garantidos.
Este pensamento gera um receio imenso por parte de toda a comunidade que defende os Direitos Humanos, devido ao risco do “Slippering slope5, ou seja, que, através de pequenas concessões, aparentemente sem qualquer conseqüência, pode se produzir, no futuro, um resultado nefasto e inesperado. É o que concluiu o Dr. Leo Alexander, que atuou como assistente de acusação no Julgamento de Nuremberg, em que houve a condenação de nazistas por prática de crimes na Segunda Guerra Mundial: “Independente da proporção que estes crimes tiveram ao final, ficou evidente para todos que os investigaram que tiveram seu início a partir de pequenos atos. Os atos iniciais eram apenas uma modificação sutil na atitude básica dos médicos. Eles começaram com a aceitação de um fato: que existiam vidas que não valiam a pena ser vividas. Gradualmente a esfera dos incluídos nesta categoria foi de alargando para englobar os socialmente improdutivos, os ideologicamente indesejados, os racialmente indesejados e finalmente todos os não germânicos. Isso é, portanto, essa alteração sutil da atitude dos médicos é que deveria ser investigada." 6 O assunto, portanto, é complexo e exige uma reflexão atenta de todos, não apenas pelo perigo que representa em si, como também pelo que pode advir deste “pequeno ato inicial”.
Para terminar, trazemos uma frase do famoso geneticista francês Jérôme Lejeune 7, que se engajou na luta em defesa da vida após constatar que suas descobertas no campo científico estavam sendo usadas para fins reprováveis: “É preciso dizer as coisas com clareza, mede-se a qualidade duma civilização pelo respeito que ela tem pelos seus membros mais frágeis. Não há outros critérios para julgamento.” Este, portanto, é o desafio que se coloca a todos nós, o de lutar pela garantia dos Direitos Humanos, especialmente daqueles que não possuem meios de se defender.

* Mariana Morais é Procuradora do Estado de São Paulo.

Notas

[1] Art 5º, caput, da Lei 11.105, de 24 de março de 2005.
[2]O processo de diferenciação das células-tronco embrionárias ainda não é passível de controle e não se conseguiu, até hoje, nenhuma cura em humanos ou animais; ao contrário das adultas, que já sanaram diversas doenças. Ademais, aquelas geram rejeição, como em qualquer transplante, e demandam gastos com sua obtenção, uma vez que os estoques das clínicas de fertilização não seriam suficientes para manter o volume necessário de matéria-prima.
[3] A teoria adotada pelo Ministro Ayres de Britto, do Supremo Tribunal Federal, em voto emitido no julgamento mencionado no início do artigo.
[4]Adotada pela Ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, em voto emitido no julgamento já relatado.
[5] Ladeira escorregadia, expressão cunhada por Schaeur em 1985.
[6] Tradução livre a partir do seguinte texto “Whatever proportions these crimes finally assumed, it became evident to all who investigated them that they had started from small beginnings. The beginnings at first were merely a subtle shift in emphasis in the basic attitude of physicians. It started with the acceptance of the attitude..that there is such a thing as life not worthy to be lived...Gradually the sphere of those to be included in this category was enlarged to encompass the socially unproductive, the ideologically unwanted, the racially unwanted and finally all non-Germans... It is, therefore, this subtle shift in emphasis of the physicians´attitude that one must thoroughly investigate.”
[7] Comprovou, pela primeira vez na história, a relação entre a carga genética e anomalias mentais; é o descobridor da causa cromossômica da Síndrome de Down.

 
 

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