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Passos N.93, Maio 2008

SOCIEDADE / BRASIL

Justiça e Amor

por Francisco Borba Ribeiro Neto

Na noite de sábado, dia 29 de março, a menina Isabella, de apenas 5 anos, foi jogada da janela do 6º andar do apartamento de seu pai, na Zona Norte de São Paulo. Diante deste fato que chocou todo o país, proclamamos a necessidade de uma outra justiça, que inclui o perdão, a esperança e o amor, experiências necessárias para qualquer pessoa

A necessidade de uma outra justiça
No ano passado, foi o menino João Hélio, esse ano, a menina Isabella. Diante da violência explícita, um sentimento de afundarmos na barbárie, na dor do absurdo, parece penetrar nos corações. A violência parece ir contra um instinto natural que garantiu a sobrevivência da espécie desde sempre, parece evocar uma barbárie que nossa sociedade ilustrada e bem pensante havia varrido para os recônditos da ignorância e da pobreza. E diante do absurdo, bradamos por rituais catárticos de punição.
Talvez, um pouco de nosso clamor por justiça tenha algo a ver com o “segredo do padre Brown”, o sacerdote-detetive de G.K. Chesterton, que desvendava os crimes colocando-se no lugar do criminoso, pois até mesmo ele – saudado por todos como modelo de bondade e retidão – poderia cometer os crimes mais hediondos, uma vez que o ser humano é contraditório, sempre capaz tanto do bem quanto do mal. Assim, nossa catarse supõe também esse momento de fúria consentida, no qual – em nome da justiça – pedimos a mesma violência que queremos erradicar.
Queremos justiça. Mas, se a justiça for bem aplicada, o máximo que parece poder garantir é que o criminoso não voltará mais a realizar o crime. Isso já é muito, mas ainda é pouco. Não resolve o vazio que está em nós. Aquele pedaço de humanidade, de sentido e de esperança, que nos foi arrancado quando tomamos consciência do crime continua ali faltando, clamando por alguma coisa mais, por uma outra justiça que transcenda nossos limites.
Queremos uma outra justiça, que recupere o que foi perdido. Mas isso parece impossível... Só o perdão e a esperança podem nos trazer justiça, só eles podem – de alguma forma – recompor uma parte dessa humanidade desfigurada que nos resta depois da tragédia. É a lição que permanece na sociedade brasileira há vários anos, dada por Massataka Ota, o pai do menino assassinado Ives Ota, que passou a dedicar-se a trabalhar com meninos carentes e – surpresa! – criminosos condenados como os que mataram seu filho. É bom lembrar que perdão não significa impunidade, mas sim que a justiça é praticada visando o bem de todos e não a vingança.
O perdão abre o caminho para a esperança, que – como lembra Bento XVI em sua encíclica Spes salvi – não pode prescindir da vida eterna, mas deve se basear em uma prova que acontece já aqui e agora. A esperança nasce porque o aparentemente impossível acontece, porque da tragédia pode nascer uma flor de amor e de paixão pela vida, porque aquilo que nosso coração mais desejava pode – ainda que de forma embrionária – acontecer.
Foram as religiões, e particularmente o cristianismo, que mostraram ao homem esses aparentes paradoxos, que o perdão é mais poderoso e construtivo que a vingança, que a esperança pode nascer mesmo na tragédia. Trata-se de um dado histórico: foi necessário que alguém dissesse ao ser humano “eu o perdôo”, para que ele fosse capaz de perceber sua capacidade de perdoar aos outros. É olhando para a experiência de Cristo na Cruz e para a sua Ressurreição que podemos descobrir um caminho de esperança e de bem. Foi Ele quem introduziu esta novidade no mundo. Trata-se de um dado histórico: foi necessário que alguém dissesse ao ser humano “eu o perdôo”, para que ele fosse capaz de perceber sua capacidade de perdoar os outros. Diante da violência absurda, a questão não é o debate em torno de idéias, mas um encontro humano em torno das experiências que podem construir a esperança.

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Quando o amor parece impossível
por Ana Lydia Sawaya


Numa livraria do aeroporto de um país europeu, na seção central de livros mais procurados (que antigamente vendia livros de guerra e espionagem), vêem-se dezenas de livros com histórias de crianças que sofreram agressões de pais e padrastos. Esse parece ser um fenômeno geral e cada vez mais comum. Por quê?
Nestes tempos de terrorismo e destruição de embriões humanos, chegamos ao inacreditável de pais matarem cruelmente seus filhos, como, por exemplo, se supõe ser o caso de Isabella Nardoni. Como é possível tamanha crueldade? Como é possível chegar a uma geração em que os pais, ultrapassando o instinto natural, experimentem um ódio tal pelos próprios filhos a ponto de quererem eliminá-los? Um pediatra brasileiro estudioso do assunto denominou esta “loucura” de “Síndrome da Criança Agredida” e acredita que ocasione milhares de mortes de crianças em nosso país.
Alguém disse: se não podemos confiar no amor dos pais pelos filhos, no que podemos confiar?
Quem é o homem? O que é capaz de mover seu íntimo, que fator é esse, cuja ausência leva a pessoa às maiores loucuras? Dom Giussani nos diz que o homem é um conjunto de exigências que o lançam no confronto com tudo o que existe: a exigência de felicidade, de verdade, de justiça, de ser amado, de infinito, isto é, de Deus. Sem que estas exigências sejam adequadamente respondidas, o indivíduo encontra-se sempre mais vulnerável dentro do tecido social, sob o arbítrio das forças incontroladas do instinto e do poder. A solidão torna-se tão grande que o homem se sente reduzido a pedaços, dilacerado, desintegra-se. E essa desintegração gera, sobretudo, a perda da liberdade.
Quando o amor mais elementar, como o dos pais para com os filhos, parece impossível, nós cristãos, mais do que quaisquer outros, somos chamados em causa a dar as razões da nossa fé, nos ambientes em que vivemos.
Bento XVI na encíclica Deus é Amor diz: “nós cremos no amor de Deus – desse modo pode o cristão exprimir a opção fundamental de sua vida”. Recentemente, ele mesmo foi aos Estados Unidos, no coração do novo império, para anunciar quem “mudou o curso da história, infundindo o sentido e o valor da vida do homem”. E relançou o desafio que diz respeito a todos: “a humanidade precisa de Cristo”.
Assim, o cristão é presença na medida em que responde com clareza à pergunta “que sou eu?” e reconhece que ele é graça: chamado e abraçado no batismo por Aquele que já venceu tudo e está presente em nós e através de nós, Cristo. Por isso, “esse ‘que sou eu’ é o principio contínuo de ressurreição, é como um recife que a tempestade pode cobrir, mas jamais arrancar, e, num instante de bonança, desponta”. Os pais de Isabella, mas também, tantas famílias, precisam mais do que nunca dessa presença.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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