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Passos N.93, Maio 2008

RUBRICAS

Cartas

pela Redação

Algo a mais
Caro Julián, sou mãe de quatro filhos e tenho um trabalho profissional de meio expediente. Passei anos levantando bem cedo e atravessava o dia cerrando os dentes e dizendo para mim mesma: “Tudo certo, apesar de tudo tenho Cristo”. Mas esse “apesar de tudo” não é vida. Ultimamente, por graça, estou experimentando que Cristo está presente em todos os instantes. A coisa que mais me impressiona é justamente que eu posso ser o instrumento por meio do qual outros encontrarão Cristo. Por isso, mando-lhe a carta que recebi de uma amiga.
“No passado, eu vivia uma tranqüila (ou quase) vida de paroquiana. Sempre ouvia falar do Movimento; infelizmente, falavam mal e usando frases feitas. Um dia, acabei encontrando as pessoas certas. No início, relutei; depois, fiquei conhecendo as histórias delas e comecei a entender que a vida delas era um testemunho da beleza da fé. A certa altura minha vida mudou, porque aqueles rostos e aquelas pessoas me fascinaram, mesmo em meio ao caos cotidiano no qual vivem, e nasceu em mim a curiosidade a respeito do que havia entre elas, porque o fato é ali existe algo diferente. No começo parecia inveja, depois entendi que era o desejo e, aos poucos, aquelas histórias foram se tornando minhas também e comecei a viver a experiência. Comecei com dificuldades, às vezes com desilusão, mas acabei indo em frente porque entre essas pessoas não havia só palavras, mas testemunhos, fatos. As palavras d’Ele têm tradução no concreto da vida. Filhos, casa, trabalho, família, faltava alguma coisa. O grupinho das mães é lindo, mas não bastava. Depois aconteceu algo. Meu marido disse sim aos Exercícios da Fraternidade pela segunda vez; no ano anterior pareceu que tudo ficou letra morta, mas não é bem assim. Um rosto familiar (o seu, justamente), em sua pureza, convida-o para a experiência da Escola de Comunidade e a nossa vida muda, porque ele vive com empenho e seriedade. Começa a viver uma experiência toda sua, a sua fé, os seus encontros, e não mais os meus ou alguma coisa apenas reflexiva. Começa a entender esse meu desejo de entrar e progredir mais, e a partir desse dia a nossa vida mudou e está mudando, e isso é muito bonito. Começamos a conversar e trocar opiniões; às vezes, comentamos sobre a Escola, depois rezamos juntos à mesa e o nosso casamento de amor se transformou em algo mais. A experiência de viver juntos essa nova vida me plenifica o coração e me enche de alegria todos os dias. Descobri a beleza da oração, de reconhecer que Ele está sempre presente, que Ele sabia e me fez percorrer essa estrada por meio de tantas experiências e tantos rostos, mas nunca como agora a concretude da fé testemunhada pelos rostos que encontrei me levou a mudar, e estou mudando”.
Chiara,
Brugherio – Itália


Únicos e irrepetíveis
No último dia 10 de fevereiro foi inaugurado, na Itália, o novo hospital de Villa Santa Maria, que acolhe crianças e adolescentes com problemas psíquicos e neurológicos e que a Companhia das Obras há algum tempo vem procurando ajudar. Eis o testemunho de uma mãe.
O que mais me tocou quando conheci este lugar é que este é um local onde os nossos filhos são olhados em sua totalidade, como pessoas dotadas de valor e de necessidades, de grandeza e de limites, de beleza e de problemas. Onde não são uma patologia, mas pessoas com nome próprio. A primeira coisa que gostaríamos de dizer, portanto, é um muito obrigado pela tentativa evidente de estarem cada vez mais preparados profissionalmente, mas ao mesmo tempo por terem a consciência de que não é uma medicina de ponta que, sozinha, pode melhorar a vida dos nossos filhos, que a necessidade destes é dispor de instrumentos diagnósticos e reabilitadores avançados, mas também do sorriso paciente de quem todo dia cuida deles. Vivemos imersos numa mentalidade segundo a qual alguém só tem valor e só pode ser feliz se não tiver doenças, imperfeições, problemas. Chega-se, inclusive, a pensar que é bom eliminar, desde os primeiros dias de vida, quem possa tê-los (mas, pensando bem, quem não vais se deparar, um dia ou outro, com a doença ou a dor em sua caminhada?). Uma mentalidade que faz crescer ainda mais os temores de um pai de filho deficiente: ele será feliz um dia? Pus no mundo alguém que sofrerá sempre? Isso é justo? Quem nos ajudará? Em nossa história, a maior ajuda foi termos aprendido que cada um de nós, independentemente de como é, tem um valor enorme, é único e irrepetível. Cada um foi querido, cada um tem o seu lugar, cada um tem a sua missão neste mundo. Chegar aqui, de manhã, e ver como são acolhidos e acompanhados os nossos meninos nos faz entender como é falso pensar que felicidade é igual a ausência de problemas e que não estamos sós e que nossos filhos podem ser felizes. Então, a todos os que tornaram possível o nascimento da Villa Santa Maria e a sua ampliação pedimos que continuem assim, com esse olhar carinhoso para nossos filhos, porque sabemos quanto empenho será necessário para que a instituição continue assim e fique isenta das atitudes habituais, burocráticas.
Daniela,
Como – Itália


Livres atrás das grades
Caríssimo Alberto, eis como Ele pode agraciar a pessoa que se doa completamente a Ele, manifestando a alegria pela Sua presença. E com esta, faz compreender que o amor doado por Ele é a esperança de sermos salvos. Hoje foi celebrada a Missa de Páscoa por bispo Dom Mana. O que caracterizou essa missa, em especial, foi a presença do coral de CL de Biella, organizado pelo capelão e pela professora de catecismo. Esse evento me fez encontrar pessoas que eu não conhecia, mas por causa do laço que nos unia esse dia transformou-se numa apoteose do amor de Nosso Senhor. Admirado, percebi que, embora eu não merecesse tanta atenção, eles me conheciam, estavam entusiasmados pelo que haviam lido sobre mim e interessados neste irmão, vizinho pelo laço, mas também distante por causa de uma realidade objetiva. Como nos foi ensinado pelo nosso caro Dom Giussani, procuravam acolher quem se encontra necessitado. O encontro proporcionado por esse evento, embora eu esteja vivendo a realidade da prisão, confirmou mais uma vez o quanto um homem pode ser livre quando o seu futuro é certo, porque a positividade da graça de Deus não permite que a sua vida termine no vazio, e assim se torna belo viver o presente. Mesmo na prisão, cada dia vivido me leva a compreender que não há algemas que sejam capazes de acorrentar a liberdade de um homem, se ele confiar na constante presença de Jesus ao seu lado. Da parte deles, seguindo os grandes ensinamentos de comunhão, não houve nenhum preconceito diante deste pobre homem. Isso significa que a trajetória, querida pela minha mensageira da esperança, e com a ajuda de Deus, é correta. Porque para eles eu era um homem novo, o homem que se apresentava a eles sem preconceito, nascido do amor que recebi de Nosso Senhor e de quem me acompanha com grande dedicação, sem nenhum mérito da minha parte. A demonstração de como o encontro pode permear o espírito de um homem eu pude notá-la quando conheci Rosário, pessoa que se aproximou do Movimento e está começando a experimentar o grande amor que podemos dar e receber, e começa a viver da presença e da proximidade de Jesus. Eu havia notado o que acontecia com ele durante as leituras do Evangelho. Ele tem o hábito da leitura, mas desta vez o vi tomado pela emoção, o que nunca havia acontecido antes. Depois que nos despedimos dos amigos, quando tivemos a possibilidade de conversar, me confessou o quanto estava emocionado, tinha um nó na garganta e quase não conseguia falar. Aquele encontro suscitou emoção e o marcou profundamente. E eu sei o que o havia impressionado; me perguntou como é que aquelas pessoas do Movimento tinham todas um rosto bom e sereno. A resposta era óbvia para mim, pois foi também o que aconteceu comigo quando encontrei Giorgio: eu lhe disse que no rosto deles a gente vê a face de Cristo. Aí está a explicação para a emoção de Rosário, do nó na garganta quando lia; ele ficou impressionado com o rosto de Iolanda e das outras pessoas nas quais havia visto a face de Cristo. Só podia mesmo se emocionar por ter recebido essa misericórdia. Deus é o fundamento da esperança. Não um Deus qualquer, mas aquele que se manifesta no rosto humano e que nos ama e permite que o Seu amor nos alcance, sem perder o estímulo da salvação, mesmo num mundo que procura nos barbarizar, nos fazer esquecer o amor e a esperança que vêm d’Ele. Mas quando o coração é tomado pela Sua bondade e misericórdia, o coração do homem está disposto a aceitar sem qualquer resistência a Sua vontade. E por isso, sejam dadas graças a Nosso Senhor, que tudo pode! Obrigado a Dom Giussani, o meu anjo da guarda! Obrigado a Dom Gabriel Mana, nosso Bispo! Obrigado à diretora e ao comandante que nos possibilitaram tudo isso! Obrigado ao padre Paolo, nosso capelão! Obrigado a todos os amigos do Movimento, que nos permitiram passar esse belo dia, no qual falamos também de você! Você pode compreender a minha alegria quando falei com eles da grande herança que Dom Giussani nos deixou, da grande lucidez – coisa que o caracterizava – ao nos deixar padre Carrón como guia do Movimento (poderia haver escolha melhor?) e depois falar de você, de Giorgio, dessas pessoas especiais que, com o vosso amor, fizeram nascer um homem novo. E muitos outros ainda vão nascer. Caro Alberto, agradeço-lhe sempre, com o afeto que nos liga. Um abraço a você e a todos, do teu irmão em Cristo.
Calcedônio,
Biella – Itália


No meio do Oceano
Vivi uma experiência especial no início deste ano, graças à visita de algumas famílias do Movimento, que passaram uma semana de férias aqui em Mauritius, onde eu vivo há alguns anos com meu marido, de fé hindu, e meus três filhos. Era o meu primeiro encontro com eles e o que logo me impressionou foi a acolhida que recebi e a insistência para que compartilhássemos com eles alguns momentos das férias. A abertura deles ao real despertou em mim o desejo de viver em plenitude esta realidade na qual me encontro, a minha história particular neste contexto, neste país povoado por diversas etnias e culturas diferentes. Penso em especial na missa de primeiro de janeiro, que os amigos pediram para que fosse celebrada no hotel. Havia vários turistas que faziam outras coisas, mas acabaram ficando impressionados ao ver tantas pessoas rezando juntas; alguns até se juntaram a nós. É uma amizade em Cristo vivida na carne, que nos reanima e nos abre para a realidade, à procura de um sentido, e faz nascer um pedido dentro de nós: que o Mistério se manifeste a cada momento e que, apesar do meu limite, eu possa ser sinal d’Ele para aqueles que o Senhor colocar no meu caminho. Então, não é mais essencial que haja ou não o Movimento. Há vários anos vivo aqui e tenho relações de amizade com pessoas que prezam a Igreja e são de fé católica; o que importa é o desejo de colocar-se em ação, de buscar algo, e é justamente isso o que os caros amigos colocaram dentro de mim, fazendo-me entender que Cristo já está aqui e agora, e mesmo sozinhos podemos viver em comunhão.
Laura,
Ilhas Mauritius


Viver como protagonista
Publicamos abaixo a carta enviada por uma jovem aluna da escola secundária à sua catequista.
Você me ensinou o que a gente precisa saber a respeito do mundo. Ouvindo e observando você, aprendi o que é importante. O bem que você me deu, junto com aquele oferecido por meus pais, serviu para que eu entendesse o quanto Deus me quer bem. Entendi que você é uma testemunha e, como os discípulos seguiram Jesus, eu seguirei os seus passos para seguir o Cristo. Eu me perguntei várias vezes o porquê da sua bondade, não foi fácil encontrar a resposta, pois você não tinha nenhuma obrigação de me querer bem nem de me fazer entender a beleza de viver realmente. Graças a você, hoje posso dizer que encontrei o Cristo, o sentido de todas as coisas, o sentido da bondade que você dedica a mim. É isso aí, essa é a resposta à minha pergunta. Encontrei Deus graças a todas as pessoas que você me levou a conhecer. Escutando as suas palavras, entendi o que devo fazer na minha vida. Entendi que a fé cristã é algo especial, não está presente na nossa vida só durante a missa, mas está sempre conosco, em todos os momentos da vida, nos gestos pequenos e nos grandes, tornando-os uma coisa única, como só Deus é capaz de fazer. Eu me sinto amada verdadeiramente por vocês! A coisa mais bonita e mais encantadora é que sinto, por causa de Cristo, a mesma coisa em relação aos meus amigos. Gostaria muito que entendessem melhor o quanto Deus é importante e fundamental para eles. Que entendessem que para a gente ser feliz e se divertir não é preciso entrar em confusão. Basta viver como protagonista. E para viver como protagonista, basta viver com Deus e em Deus.
Carta assinada

Escola de Comunidade
Caríssimo padre Julián, quando iniciamos a nova Escola de Comunidade, me perguntei qual novidade poderia acontecer. Era como se estivesse percebendo que haveria uma novidade para mim, depois de anos e anos de Escola de Comunidade no meu grupinho, que me parecia cada vez mais estéril. Continuei a fazer a Escola com uma expectativa quase impaciente, mas também com a certeza de que aquele encontro era dirigido a todos. Por isso, tentei convidar novamente alguns dos meus colegas de trabalho, mas foi em vão: entendi que era mesmo impossível mudar a atitude de quem há tempo vinha censurando esse meu desejo. Falei disso com um meu amigo e colega, e ficamos sem saber qual a solução. Até que aconteceu um fato. No retiro da Quaresma da Fraternidade, o sacerdote pregador repetiu a pergunta “Como faço para fazer memória de Cristo no meu trabalho?” e a resposta que você tinha dado: “Como você consegue trabalhar sem fazer memória de Cristo?”. Na hora eu não entendi o alcance dessa resposta. Ao voltar do retiro, junto com meu amigo, começamos a dialogar. Sempre tivemos dois problemas: o primeiro era o de trabalhar bem e de “salvaguardar” o relacionamento com os colegas; o segundo, o de tornar a nossa Escola de Comunidade mais missionária. Havia um único modo de esses dois problemas assumirem a sua verdadeira natureza: lembrar de Cristo no trabalho, isto é, reconhecer a presença d’Ele tal como ela emergia no escritório, entre mim e ele. O instrumento mais adequado para que tudo acontecesse nós o tínhamos: a Escola de Comunidade. Decidimos, então, fazê-la, eu e ele, no intervalo do almoço às quintas-feiras. Conseguimos o local, fizemos algumas fotocópias do texto e começamos a convidar os colegas. Na quinta-feira em que decidimos começar, saí às 14h do escritório e me apresentei dez minutos depois com lanches e bebidas. Éramos quatro: eu, meu amigo, uma nossa colega de escritório e o diretor de um outro departamento. Lemos o texto e o aprofundamos. No final, assumimos o compromisso de voltar na quinta-feira seguinte, dando assim origem a uma fidelidade inesperada. Toda vez que termina o grupo, ao subir as escadas do prédio, eu e meu amigo refletimos, admirados, sobre o que aconteceu. Esse encontro começou a mudar aquela parte de realidade do meu trabalho, porque começou a mudar a mim mesmo. É como se facilitasse enormemente a descoberta do objetivo do trabalho. Assim, não tenho mais o “problema” de construir relacionamentos com os colegas ou o “problema” da missão: a estima que renasce, a capacidade de colaboração, o fim das lamentações pelas coisas que acontecem, tudo nasce como transbordamento da experiência de verdade que estamos fazendo.
Fabrizio,
Monte San Savino – Itália


Trabalhar na China
Caríssimo padre Carrón, eu me encontro a trabalho no interior da China, num lugar isolado, perdido; aqui estarei por alguns anos. Sou o único ocidental residente aqui; a cada três meses minha mulher vem até aqui e passa um mês comigo; os outros dois meses ela passa na Itália, ajudando nossos filhos a cuidar de nossos netinhos. Escrevo para lhe falar da minha experiência, de como me sinto em “companhia”, me sinto dentro da nossa história. A realidade é que somos membros do mesmo corpo, ainda que eu viva só, a dez mil quilômetros de distância; mas não estou só, fisicamente sou parte de uma comunidade, da Fraternidade, esse é o milagre. Como é possível que eu não me sinta sozinho, isolado? Porque de fato o real, a coisa mais concreta que tenho, é o encontro, eu sou parte desse corpo que é a Igreja de Cristo, isto é, o meu lugar é o Movimento. É como com minha mulher e meus filhos: estamos distantes, mas eles estão aqui, me determinam, assim também a Fraternidade. O Movimento está presente aqui, está a dez mil quilômetros de distância, mas está aqui, me determina. Entre as leituras que eu trouxe comigo tenho uma cópia da tua palestra na Jornada de Início de Ano; li-a várias vezes, e cada vez encontro alguma coisa nova, mais rica, e relendo-a entro sempre mais naquela dimensão em que sou mais eu mesmo, isto é, o real é um “Tu que me fazes”. Aqui ou em Milão, nada muda. Mas se esse Tu, esse Mistério, Cristo, me está fazendo agora, esse é o máximo da vida, é o sentido da nossa existência. Na China, nas grandes cidades, como Pequim, Xangai, há igrejas católicas, mas no interior do país esse é um problema, não há nada. A igreja mais próxima de mim está a 170 quilômetros, e não é fácil ir até lá. Na busca de uma igreja católica, encontrei, a trinta quilômetros daqui, os restos de uma capelinha, ainda com ruínas do campanário. Pessoas do local me disseram que alguns ocidentais aportaram ali, vindos pelo rio, há cerca de oitenta anos; depois, por volta dos anos 80, durante a Revolução Cultural, os guardas vermelhos destruíram tudo. É muito triste ver aquela gente toda sem Cristo! Muitos deles, quase a maior parte, nunca ouviu falar d’Ele, eu nem sei o que devo fazer, mas sei que aqui estou, com minha história.
Sérgio

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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