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Passos N.92, Abril 2008

RUBRICAS

Cartas

pela Redação

Testemunha
Caro Carrón, o senhor começou a assembléia dizendo que a luta que vivemos é entre reconhecer a necessidade que temos e a auto-suficiência. Percebi que nos meses após o encontro dos universitários (CLU), em Tabiano (Itália), de outubro a dezembro quem venceu a luta foi a auto-suficiência. Vivi esses meses de acordo com a minha medida, achando que sabia o que desejava e com isso achava que estava bem. Porém, em dezembro fui convidado para a Assembléia de Responsáveis da América Latina (ARAL) e no e-mail veio a seguinte pergunta: “Como você tem vivido como responsável desde o encontro de La Thuile?”. Neste momento me perguntei o que era ser responsável, porque eu não era e nem sabia o que era ser um. Também me dei conta de que eu dei por óbvio o título: “Amigos, ou seja, testemunhas”, e percebi que meus amigos não eram testemunhas para minha vida. Comecei a ficar inquieto e isso mudou quando fui para a Equipe do CLU em janeiro. No começo do dia, padre Paulo pediu para fazermos silêncio por 30 minutos para retomar a nossa experiência. Com isso percebi que não estava fazendo experiência nenhuma e por isso comecei a pedir. Pedi para que naqueles dias de Equipe surgisse uma novidade, que eu estivesse aberto para tudo o que acontecesse. Na assembléia eu fiquei ouvindo e fiquei fascinado com o que os meus amigos testemunhavam e pensei comigo: “É isso que eu desejo, quero viver como eles vivem”. Neste momento entendi toda a beleza e grandeza que estavam implicados no título “Amigos, ou seja, testemunhas”. Na semana seguinte fizemos as férias do CLU. Fui pra lá rezando mais uma vez para que eu encontrasse algo que me fascinasse, para que eu estivesse aberto a tudo o que pudesse me corresponder. Ao chegar, pediram para que eu e um amigo guiássemos as férias (introdução, passeios, gestos, assembléia). Inicialmente fiquei com medo, pois nunca tinha feito isso, porém logo em seguida, olhei para o quão distraído estava um mês antes e pedi para que eu fosse instrumento d’Ele diante dos outros universitários, pois tinha certeza de que se dependesse da minha “genialidade”, com certeza não ajudaria ninguém. No fim, me surpreendi pela beleza que foram as férias. O senhor havia dito na Assembléia Nacional de 2006 no Brasil, que temos uma brasa. E a minha brasa finalmente incendiou. Para mim foi, de verdade, um novo início. Após esses dias, enquanto as aulas não voltavam, comecei a viver meus dias como havia vivido nas férias do CLU. Passei a rezar as Laudes todos os dias pedindo para reconhecer Cristo no meu dia-a-dia. Neste momento passei a desejar levar toda a minha vida a sério. Finalmente entendi o que era ser responsável. Entendi que não era para assumir um cargo e suas funções, mas o chamado a ser responsável é para aprofundar um relacionamento com pessoas que me ajudam a levar a sério a minha vida, os meus desejos últimos. Entendi que conduzir reuniões, gestos e tudo aquilo que é atribuído a um responsável surge da necessidade de mostrar a todos aquilo que ele encontrou, de uma verdade que deve ser comunicada a todos. Esta foi a primeira vez que pedi que fosse feita a vontade d’Ele, pois olhando para o fim do ano passado, quando seguia a minha vontade, percebi que não cheguei a lugar nenhum, que só aumentou o vazio que tinha no meu coração. Então, pedi para que fosse e continue sendo feita a Sua vontade, pois depois que adotei essa postura fiquei tranqüilo e certo de que Ele ia me responder. Voltando para as aulas resolvi fazer panfletagem convidando os calouros para a Escola de Comunidade. Fiz isso porque ouvi um amigo contar que encontrou CL por um panfleto. No fim, ninguém apareceu, mas eu estava muito feliz, pois mostrei o meu rosto na faculdade e, de fato, desejei que aquelas pessoas encontrassem a beleza e a verdade que eu encontrei. Outra coisa que me dei conta foi de que todos os inícios de semestre eu tinha o desejo, porém usava o meu esforço para estudar e manter a beleza que encontrei nas férias. Desta vez entendi o que é o empenho e que ele surge de um fascínio, de um amor por alguma coisa e, com isso, comecei a olhar em toda a minha realidade tudo o que pudesse me fascinar, para que eu não ficasse passivo diante das coisas. Passei a querer viver uma amizade de verdade com algumas pessoas na faculdade, pois entendi que não era justo que Ele me desse uma companhia de CL,só em São Paulo, mas que Ele deve ter me dado alguém no meu ambiente, só me falta reconhecer. E uma última coisa que me aconteceu foi que vindo para a Assembléia uma amiga me telefona dizendo que passou no curso de medicina na mesma faculdade onde eu estudo. Quando desliguei o telefone, ficou claro pra mim que tudo é uma graça, pois tudo o que vivi nestas férias e no início deste ano definitivamente não dependeram de mim. Porém, diante de uma postura de pedido e espera Ele tem me dado graças muito maiores do que eu podia imaginar. Agradeço pela graça de ter sido convidado para a ARAL e encontrar pessoas tão grandes, e por deixar cada vez mais claro pra mim o quanto estes amigos, ou seja, testemunhas, são tão fundamentais na minha vida.
Marcelo, Sorocaba – SP

Festa irlandesa
Neste canto remoto da Irlanda, onde CL nem é conhecido, falar em “jantar da Avsi” soa estranho. Porém, organizamos no dia 17 de dezembro um evento para angariar fundos de ajuda para as Tendas da Fundação Avsi. Não podíamos ficar indiferentes ao comovente testemunho de Rose, de Uganda, nos Exercícios dos universitários, que nos mostrara a excepcionalidade que brota do fato de nos colocarmos à disposição de Cristo. No jantar éramos 14 pessoas de várias nacionalidades: chinesa, japonesa, paquistanesa, espanhola, italiana e, obviamente, irlandesa. Eram estudantes universitários, PhD e até uma professora de Literatura inglesa. A coisa mais surpreendente foi a familiaridade que se estabeleceu entre todos, embora vários nem se conhecessem. Havíamos entendido que ali não era assim tão comum sentar-se à mesa para fazer refeição ao lado de outras pessoas (com freqüência, nossos colegas de apartamento assam a pizza congelada ou outras porcarias e depois comem no sofá, sozinhos, diante da TV). Na realidade, temíamos justamente que durante a ceia se formassem grupinhos separados. No entanto, foi uma surpresa. Por exemplo, para a brincadeira após o jantar cada um devia fazer versos sobre animais, e ninguém se negou a fazê-lo; todos se esforçaram para ganhar. Foi legal também o fato de alguns dos nossos amigos terem deixado mais do que a oferta mínima que havíamos estabelecido. Isso, para nós, é um grande sinal de estima: quer dizer que a contribuição não soou como mero preço do ingresso na festa. E foi também um modo diferente de as pessoas estarem juntas em torno de uma mesa (diferentemente das festas irlandesas, com muita cerveja). Superamos nossos limites, tanto na preparação adequada de comida para tanta gente quanto na comunicação (Massimo tentou explicar, em poucas palavras, o que é a Avsi e como trabalha; e Irene falou de Rose). Tentamos dizer quem éramos e como aprendemos a viver juntos, o que, de certo modo, era desejado pelos nossos hóspedes, tanto que nos agradeceram muito, e queriam saber quando organizaríamos outro jantar como aquele.
Massimo e Irene, Limerick – Irlanda

Pleno uso da razão
Caro padre Julián, dois fatos acontecidos recentemente sacudiram a minha vida. Primeiro, a nova Escola de Comunidade, que desde a primeira página coloca de modo explosivo a pergunta sobre a relação entre fé e uso da razão e, depois, tudo o que aconteceu em torno do triste episódio da Universidade Sapienza, até à belíssima jornada transcorrida com os amigos na praça de São Pedro. Lendo a Escola de Comunidade com mais clareza nos encontros, me perguntei: como estou usando a razão na preparação da nossa nova casa, com o dinheiro apertado e com o belíssimo neném de sete meses, Pietro, que veio se juntar a Veronica e Paolo? Eu me vi olhando minha esposa como se já a conhecesse, pensando nos problemas como questões financeiras e nos filhos que estão ali, na expectativa de que eu lhes forneça o máximo daquilo que posso fazer. Que tristeza, que aridez! Graças a Deus esses fatos mexeram comigo. Eu, que sempre condicionei o conhecimento e a verdade nos relacionamentos à afeição que me liga às pessoas, agora vejo a grande novidade: o conhecimento, a verdade e, portanto, a beleza da vida é filha de um uso pleno, total e livre da razão. Então, até o último operário que chega para o trabalho pode ser portador de novidade, assim como o olhar que dirijo à minha mulher e aos nossos filhos agora aguarda uma novidade de beleza e de verdade, que a presença certa de Cristo não tardará a manifestar.
Roberto, Ascoli Piceno – Itália

A importância da acolhida
O artigo de Borba sobre o tema da Campanha da Fraternidade deste ano (Passos Jan/Fev 2008) me provocou muito, pois vi descrita a experiência que eu e minha família fizemos em 2007. Foi importante entender que o nosso gesto de acolhida é uma ação concreta em defesa da vida. Tudo começou com um pedido dos amigos da creche João Paulo II que o Movimento mantém no bairro de Novos Alagados. Tratava-se de uma menina, que desde pequena foi acompanhada por pessoas do Movimento, primeiro na creche e depois no centro educativo. Com uma história de vida difícil, viu sua mãe, doente mental, morrer após uma queda durante um surto e nunca teve contato com o pai. Com uma vida de extrema pobreza e com um coração inquieto, nunca aceitou as ajudas que lhe foram oferecidas e não aceitava que lhe fossem colocados limites. Deixou a escola e o frágil vínculo familiar que existia (morava na casa de uma tia com mais dois irmãos). Começou a viver de favores na casa de vizinhos, chegando a “sumir” por vários dias. Aos 15 anos, em um dia de carnaval, começou um relacionamento fugaz com um homem maduro e veio a engravidar. Pensou até em abortar a criança, mas tinha uma chama em seu coração que não lhe permitia fazer isto. Neste momento, recebemos o telefonema de uma amiga da Fraternidade perguntando se não podíamos fazer algo pela garota. Como eu e Gilberto trabalhamos o dia inteiro e estamos em casa só à noite, fizemos a proposta de mantê-la conosco nos finais de semana, com a condição de que fosse uma decisão dela e não uma imposição da nossa parte. Marcamos o primeiro encontro (nós não a conhecíamos) para uma noite de sábado, antes da reunião da Fraternidade. Tinha uma cara de menina, usava um vestido branco e curto devido à proeminência da barriga que começava a despontar. Com um olhar desconfiado e ao mesmo tempo desafiador parecia não se importar muito com o que poderia acontecer. Em nosso primeiro diálogo fomos muito claros com ela quanto ao que poderíamos oferecer: não tínhamos bens materiais, mas apenas a nossa amizade para que ela pudesse viver da melhor forma aquele momento difícil, mas ao mesmo tempo belo e significativo da sua vida. Perguntamos se ela estaria disposta a apostar nesta amizade e ficamos surpresos com a sua resposta imediata: sim. Começamos no final de semana seguinte. Não foi um conto de fadas, pois tivemos muitos embates com a sua arrogância desafiadora. Também tivemos dificuldades no seu relacionamento com nossa filha de apenas 7 anos com quem ela freqüentemente disputava o espaço e a atenção. Sempre a tratamos como uma filha mais velha, tínhamos total liberdade em chamar a sua atenção para o que realmente importava, fomos duros em diversos momentos, chegamos até a pensar que ela não voltaria no final de semana seguinte, mas ela sempre retornava. No decorrer dos dias fui percebendo que ela era incapaz de qualquer gesto de carinho para com o bebê, nem ao menos olhava para a barriga, como se tivesse vergonha. Comecei então a conversar sobre a gravidez, mostrava fotos e desenhos, dei livros para ela ler e começamos juntas a preparar o enxoval manualmente. Cobrei bastante para que ela se movimentasse para realizar os exames de pré-natal e para que cuidasse dela própria em termos de alimentação e das medicações prescritas. Meus filhos também tinham muito cuidado com o bebê e o envolvimento da comunidade também foi muito bonito. Alguns perguntavam como poderiam ajudar, outros queriam dar presentes, que eu recusava, temendo estragar aquela amizade nascente com a doação de bens materiais. Pedia para que esperassem o momento certo. No último mês de gestação finalmente ela conseguiu dar um nome ao filho, tinha um olhar radiante e belo. Desenvolveu-se uma grande afeição entre nós e por fim ela pediu para que fôssemos padrinhos da criança. Porém, perguntei a ela se sabia o que era o Batismo e o porquê da escolha dos padrinhos. Esta resposta só veio dois meses após o nascimento, quando ela me disse: “Eu escolhi vocês porque foram as pessoas que me acolheram no momento em que eu me sentia mais sozinha”. Numa tentativa de reaproximação dela com a família de origem, programamos, junto com a nossa comunidade, um chá de bebê e compareceu quase toda a família. Após algumas conversas, uma das tias se comprometeu a ficar com ela nos primeiros meses após o parto, e a outra retomou um antigo projeto de construir um “quartinho” no fundo da casa para que ela pudesse ficar com o filho. No dia 25 de dezembro nasceu o seu bebê, como um presente de Natal nunca imaginado. Toda a família se envolveu com a chegada da criança, e até o pai do bebê, que antes não havia aparecido “deu o ar da graça”. Chegou oferecendo ajuda, e depois pediu para ficar com a criança, ao que a mãe recusou. Quando eu questionei o porquê, ela respondeu: “Eu já peguei amor por ele”. “Belo”, eu disse, “agora você não é mais uma menininha, mas uma mulher que sabe o que quer”. Seus planos são voltar a estudar e fazer um curso de cabeleireiro, deixando o filho na mesma creche que a acolheu quando criança. O que fica desta experiência para a nossa família é que, agora temos uma olhar mais atento de uns para com os outros. Independente de qualquer coisa, nós não somos melhores que ninguém, apenas fizemos aquilo que aprendemos nesta companhia, assim como fomos acolhidos, independente dos nossos limites; aprendemos a acolher o outro na sua diversidade. Sou grata a Leidemar pelo que fez por todos nós, simplesmente sendo o que ela é, afirmando o valor da vida mesmo diante de grandes dificuldades; e sou grata aos amigos que nos sustentaram neste gesto.
Arlete, Salvador – BA

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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