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Passos N.91, Março 2008

IGREJA / JUBILEU DE LOURDES

Na gruta com Aqueró

por Andrea Tornielli

“Aquela lá.” Era assim que Bernadete chamava a bela senhora que lhe apareceu uma manhã, há 150 anos. Desde então, em sua absoluta simplicidade, Lourdes é um lugar de conversão e redescoberta da fé para milhões de peregrinos. Às vésperas de um aniversário histórico para a Igreja, conversamos com padre René Laurentin, o mais importante mariólogo vivo

Passaram-se 150 anos e aquela cidadezinha francesa perdida aos pés dos Pirineus é visitada, hoje, por mais de seis milhões de peregrinos por ano. Há um século e meio, uma jovenzinha doente e ignorante, que não sabia ler nem escrever, diante de uma gruta cheia de ossos onde costumeiramente os porcos pastavam, viu uma bela senhora. A jovem, Bernadete Soubirous, sempre a definirá como "Aqueró”, "Aquela lá". E a aparição definirá a si mesma: "Eu sou a Imaculada Conceição".
Em uma sociedade na qual se introduzira o positivismo e a pobreza era considerada uma maldição, a Virgem escolheu confiar sua mensagem à filha de um pobre trabalhador. A uma menina que não frequentara o catecismo e tudo o que sabia sobre a fé cristã tinha aprendido pelas orações do Pai Nosso, do Credo e da Ave Maria. Bernadete Soubirous foi uma santa excepcional que soube resistir, com simplicidade e realismo, aos inúmeros interrogatórios da polícia e dos eclesiásticos, sem nunca cair em contradição.
Hoje, Lourdes continua sendo, na absoluta simplicidade de uma gruta às margens de uma torrente, lugar de conversões e de redescoberta da fé. Lugar para onde afluem os doentes, que aprendem a rezar uns pelos outros. Lugar para onde João Paulo II, em agosto de 2004, quis fazer sua última peregrinação fora da Itália. Lugar que espera, para os próximos meses, a visita de Bento XVI.
Por ocasião dos 150 anos das aparições, durante todo este ano jubilar, o Papa Ratzinger concedeu indulgência plenária aos peregrinos que forem a Lourdes e realizarem o caminho do Jubileu, ou seja, a visita e a oração em quatro lugares significativos: a igreja paroquial, com a fonte onde Bernadete foi batizada; o cachot, um pequeno quarto insalubre onde a vidente vivia com sua família; a gruta das aparições e, por fim, a capela do Hospice (hoje, hospital público) que Bernadete frequentou por oito anos e onde fez sua primeira comunhão, em 3 de junho de 1858.
Portanto, uma ocasião importante para falar sobre Lourdes. E nós o fazemos antecipando o trecho de uma longa entrevista de Andrea Tornielli com padre René Laurentin, o maior mariólogo vivo, estudioso que por conta da Igreja descobriu e publicou todos os documentos e todos os testemunhos relativos às aparições de 1858, fazendo uma edição crítica em treze volumes. A entrevista completa está sendo lançada na Itália no livro intitulado Lourdes. Investigação sobre o mistério, cento e cinquenta anos depois das aparições.

Padre Laurentin, uma pergunta surge espontânea, considerando a brevidade das mensagens da Virgem em Lourdes. Muitas aparições são silenciosas, as palavras que Nossa Senhora diz a Bernadete cabem todas em uma única página...
Isso é verdade. Existe um santinho onde Bernadete anotou todas as palavras da Virgem. Talvez possamos reproduzi-las, na sequência, precedidas das datas.
18 de fevereiro de 1858. "Não é necessário" (em resposta à pergunta de Bernadete: "Poderia ter a bondade de escrever seu nome?"). "Poderia fazer a gentileza de vir aqui durante quinze dias?". "Não prometo fazer-te feliz neste mundo, mas no outro".
24 de fevereiro. "Penitência! Penitência! Penitência!". "Pede a Deus pelos pecadores". "Beija a terra em penitência pela conversão dos pecadores".
25 de fevereiro. “Vai beber da fonte e banhar-te". "Come daquela erva que existe ali".
2 de março. "Dize aos padres que se venha aqui em procissão e que se construa uma capela". "Dize aos padres para mandarem construir aqui uma capela".
Em data incerta. "Proíbo-te de dizê-lo a quem quer que seja" (estas palavras, repetidas muitas vezes, dizem respeito aos três segredos e à oração secreta).
25 de março. "Eu sou a Imaculada Conceição".

Padre Laurentin, se lhe pedissem para dizer, sinteticamente, qual é a autêntica mensagem de Lourdes, o que o senhor responderia?
Gostaria, antes de mais nada, de me referir às poucas palavras que “Aquela lá” disse a Bernadete. Aquelas palavras serão reinterpretadas, agora. A vidente não tinha estas palavras de Maria somente diante dos olhos, mas no seu coração. Estavam presentes em seu íntimo, como um ímpeto inspirador, como uma graça surpreendente que recebera, não como uma lei. Bernadete não estudava a mensagem, simplesmente a vivia, encarnando-a, diria quase por instinto, ou melhor, por dom espiritual. Qual é, então, você me pergunta, esta mensagem? Diria que a mensagem vai além das próprias palavras de Nossa Senhora e se compõe de um conjunto de elementos: a aparição, o olhar da Virgem, os seus gestos, as atitudes que Bernadete mantinha de modo tão sugestivo no curso dos interrogatórios... mas também o impacto da mensagem na sua própria vida e no ambiente que a circundava. Cada mensagem profética vai sempre além das palavras. É como fermento na massa. As palavras chave da mensagem não são apenas aquelas ditas explicitamente, vale dizer "oração", "penitência e conversão", "Imaculada Conceição". Há também, antes de mais nada, a palavra "pobreza". Acho que a mensagem profética de Lourdes, proposta na pessoa de Bernadete, se refira à beatitude dos pobres, à sua existência, ao seu valor. Aos pobres é anunciada a Boa Nova do Evangelho. No tempo das aparições, no século XIX, a pobreza era desconhecida, escarnecida, reduzida ao estado degradante da miséria em proveito da riqueza. Aquele era o tempo do desenvolvimento industrial que gerava exploração, o trabalho dos menores, a degradação dos campos nas grandes cidades. Era o cume da sociedade burguesa e capitalista, fundada sobre o dinheiro. A Virgem falou dentro de um contexto, o contexto de Lourdes, uma cidade meridional da França. Neste contexto, Maria buscou a menina mais pobre, da família mais pobre (pensem nas condições de vida no cachot, com o recipiente de excrementos na janela). Uma jovem com a saúde muito frágil, que transforma em sua enviada para fundar Lourdes. Algo semelhante tinha acontecido três séculos antes no México, quando a Virgem de Guadalupe apareceu não ao Bispo ou a qualquer espanhol conhecido, mas a um pobre índio, que se tornou seu enviado ao pedir-lhe a fundação de um santuário num monte onde outrora as populações indígenas ofereciam sacrifícios humanos.

Há algo que normalmente um tipo de cultura e um tipo de intellighenzia laica tem dificuldade de entender. Constatei isso também recentemente, durante um debate televisivo dedicado à figura de Padre Pio, durante o qual se enfatizou a ignorância do popularíssimo frade com os estigmas. Esquece-se que no Magnificat diz-se que Deus "derrubou os poderosos de seus tronos, elevou os humildes", exultavit humiles!
Certo, a humildade e a pobreza. A primeira palavra da mensagem, embora não dita explicitamente pela aparição, é a palavra "pobreza". A pobreza de Bernadete, antes e durante as aparições, recusando dinheiro, e depois das aparições, pelo voto de pobreza que fez no convento das irmãs de Nevers. E não esqueçamos a pobreza da sua saúde. O seu é um grande testemunho, como um amor imenso exercitado cotidianamente, que se expressa no detalhe de toda sua vida. A pobreza como a da Virgem que se exprime no Magnificat, no seu render graças a Deus, "o Senhor olhou para a humildade de sua serva", da sua escrava. Então, este é o primeiro ponto, que foi entendido porque todos os abastados que desprezavam os pobres, depois das aparições, iam ao cachot para ter a graça de ver Bernadete e queriam ajudá-la, mas ela não aceitava a ajuda. Este é o testemunho central de Lourdes, a raiz de Lourdes. A segunda palavra, e com isso retomamos a mensagem, é "conversão". O professor Pierre Grelot, um padre dominicano que foi um grande moralista muito humano com um humor saudável, dizia em uma palavra que "Lourdes é a conversão", porque confessava em Lourdes todo mês de agosto e sabia que era um lugar de conversão, de restabelecimento da relação com Deus. Um lugar onde se reencontrava consigo mesmo. As confissões de Lourdes eram muito mais profundas e radicais do que as habituais, que fazia na cidade universitária de Angers. Então, conversão e penitência: Bernadete empregou ambas as palavras para traduzir a mensagem da Virgem que, no dia 24 de fevereiro, repetia: "Penitência, penitência, penitência". Penitência quer dizer na linguagem corrente, mortificação, isto é, o aspecto negativo, o aspecto da privação, do sofrimento, do submeter-se à prova, do fazer-se, de algum modo, o mal. Mas não é esta a concepção de penitência que deriva do Evangelho. No Novo Testamento não há uma palavra própria para indicar "penitência", usa-se "metanóia", termo grego que significa "mudar de direção", deixar o próprio egoísmo e dirigir-se a Deus e aos outros, no mesmo idêntico movimento, porque como explica o mesmo Evangelho, amar a Deus e amar o próximo é a mesma coisa. Isto diz o apóstolo e evangelista, João: "quem diz amar a Deus e não ama o próximo, este é um mentiroso". É como se o teste do amor, em nível da solidariedade e da fraternidade humana, fosse o elemento mais importante e todas as vezes que Mateus e São Paulo reassumem a moral cristã, a qual – como se diz, não é, na realidade, uma moral, mas é mais uma vida, um estilo de vida, um dom de vida – então, diz o Apóstolo do povo na carta aos Romanos, "toda a lei", enumerada nos preceitos do Decálogo, é retomada e contida no novo mandamento: "Amai vosso próximo como a si mesmo". Já no Evangelho de João, Jesus usa uma outra fórmula: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei". Isto significa mais ainda que não é a simples fraternidade ou apenas solidariedade. É mais, porque Cristo nos amou até a morte, até o sofrimento mais forte e mais atroz do suplício da cruz. Chega-se à perfeição do amor de Cristo colocando de lado qualquer egoísmo, qualquer narcisismo, qualquer curvar-se sobre si mesmo.

Cronologia
7 de janeiro de 1844. Bernadete Soubirous nasce em Lourdes. É a primeira de três filhos. Poucos dias depois, recebe o Batismo. Depois de alguns anos, o pai, moleiro, perde o trabalho e a família cai na miséria.
11 de fevereiro de 1858. Primeira aparição da Virgem a Bernadete na gruta de Massabielle. "Eu vi uma Senhora. Vestia um hábito branco, um véu branco, um cinto azul e uma rosa branca sobre cada pé". A Virgem recita o rosário. No fim da oração, desaparece sem se dirigir a Bernadete. Nos cinco meses seguintes, Nossa Senhora aparecerá à jovem 18 vezes.
25 de fevereiro de 1858. Durante a nona aparição, a Virgem indica a Bernadete ir beber na fonte de água que começa a jorrar ali perto. Enquanto isso, a voz das aparições desaparece. Uma centena de pessoas já se reúne em Massabielle, e rapidamente serão mais de 2 mil. Em 1º. de março, acontece a primeira cura inexplicável: uma mulher imerge o braço na água da fonte, que por causa de uma queda ficou debilitado com dois dedos da mão praticamente paralisados, e recupera a mobilidade.
25 de março de 1858. A Virgem responde à pergunta de Bernadete e revela seu nome: "Sou a Imaculada Conceição". O dogma da Imaculada Conceição tinha sido proclamado há apenas quatro anos por Pio IX.
16 de julho de 1858. Última aparição da Virgem, na extremidade oposta do Gave: a polícia fechou a gruta com um portão.
18 de janeiro de 1862. Dom Laurence, Bispo de Tarbes e Lourdes, reconhece como autênticas as aparições da Virgem Maria. Como se lê na Basílica Superior: "Reconhecemos que Maria Imaculada, Mãe de Deus, realmente apareceu a Bernadete Soubirous, no dia 11 de fevereiro de 1858 e nos dias seguintes, em número de dezoito vezes, na gruta de Massabielle, nas cercanias da cidade de Lourdes; que esta aparição reveste todas as características da verdade, e que os fiéis têm razões fundadas para crê-la certa. Submetemos humildemente o nosso juízo ao juízo do Soberano Pontífice, que é encarregado de governar a Igreja universal".
29 de julho de 1866. Bernadete veste o hábito das Irmãs de Caridade de Nevers.
16 de abril de 1879. Bernadete morre aos 35 anos.
14 de junho de 1925. Bernadete é beatificada.
8 de dezembro de 1933. Na praça de São Pedro, Pio XI proclama Bernadete, santa.
9 de novembro de 2005. Dom Gerardo Pierro, Arcebispo de Salerno (Itália), reconhece oficialmente a cura milagrosa de Anna Santaniello. É o 67º. (e, por enquanto, o último) milagre da Virgem de Lourdes confirmado pela Igreja. As curas apontadas são milhares.
8 de dezembro de 2007 a 8 de dezembro de 2008. Jubileu de Lourdes.

São cinco as igrejas construídas em volta do santuário em Lourdes. A Cripta é a primeira construção nascida em resposta ao pedido de Nossa Senhora para edificar uma capela. Iniciada em 1863, foi concluída em 1866. Em 1871, foi iniciada a construção da Basílica da Imaculada ou Igreja Superior porque é erigida sobre a Cripta. A Basílica do Rosário ou Igreja Inferior foi construída entre 1874 e 1887. Em 1958, é consagrada a Basílica São Pio X: toda subterrânea, pode abrigar 27 000 pessoas. A Igreja de Bernadete é a mais recente. Foi consagrada em 1988.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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