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Passos N.88, Novembro 2007

DOCUMENTO - Palavra do Papa

Precisamos de Deus, daquele Deus que nos mostrou o seu rosto e abriu o seu coração: Jesus Cristo

por Bento XVI

Trechos da homilia do Santo Padre na concelebração eucarística por ocasião do 850º aniversário da fundação do Santuário de Mariazell, na Áustria. Sábado, 8 de Setembro de 2007


Queridos irmãos e irmãs, com a nossa grande peregrinação a Mariazell celebramos a festa patronal deste Santuário, a festa da Natividade de Maria. Há 850 anos vêm aqui pessoas de vários povos e nações, pessoas que rezam trazendo consigo os desejos dos seus corações e dos seus países, as preocupações e as esperanças do seu íntimo. Assim Mariazell tornou-se para a Áustria, e muito além das suas fronteiras, um lugar de paz e de unidade reconciliada. Aqui experimentamos Jesus Cristo, no qual Deus está conosco, como afirma hoje o trecho evangélico: Ele será a paz (cf. 5, 4). Inserimo-nos hoje na grande peregrinação de muitos séculos. Fazemos uma pausa junto da Mãe do Senhor e imploramos: “Mostra-nos Jesus”. Mostra a nós, peregrinos, Aquele que é ao mesmo tempo o caminho e a meta: a verdade e a vida.

O trecho evangélico que acabamos de escutar, alarga ulteriormente o nosso olhar. Ele apresenta a história de Israel a partir de Abraão como uma peregrinação que, com subidas e descidas, por caminhos breves e longos, conduz por fim a Cristo. A genealogia com as suas figuras luminosas e obscuras, com os seus sucessos e as suas falências, demonstra-nos que Deus pode escrever direito também pelas linhas tortas da nossa história. Deus dá-nos a liberdade e, contudo, sabe encontrar na nossa falência caminhos novos para o seu amor. Deus não falha. Assim esta genealogia é uma garantia da fidelidade de Deus; uma garantia que Deus não nos deixa cair, e um convite a orientar a nossa vida sempre de novo para Ele, a caminhar sempre de novo para Cristo.

Ir em peregrinação significa estar orientados para uma certa direção, caminhar rumo à meta. Isto também confere uma beleza ao caminho e à dificuldade que ele comporta. Entre os peregrinos da genealogia de Jesus haviam alguns que tinham esquecido a meta e queriam designar-se a si mesmos como meta. Mas sempre de novo o Senhor tinha suscitado também pessoas que se deixaram levar pela nostalgia da meta, orientando para ela a própria vida. O impulso rumo à fé cristã, o início da Igreja de Jesus Cristo foi possível, porque existiam em Israel pessoas com um coração em busca – pessoas que não se contentaram com o costume, mas perscrutaram longe na busca de algo maior: Zacarias, Isabel, Simeão, Ana, Maria e José, os Doze e muitos outros. Dado que o seu coração estava em expectativa, eles podiam reconhecer em Jesus Aquele que Deus tinha enviado e assim tornar-se o início da sua família universal. A Igreja das nações tornou-se possível, porque quer na área do Mediterrâneo quer na Ásia próxima e média, aonde os mensageiros de Jesus chegaram, havia pessoas em expectativa que não se contentavam com o que todos faziam e pensavam, mas procuravam a estrela que podia indicar-lhes o caminho rumo à própria Verdade, rumo ao Deus vivente.

Temos necessidade deste coração inquieto e aberto. É o âmago da peregrinação. Também hoje não é suficiente ser e pensar de qualquer forma como todos os demais. O projeto da nossa vida vai mais além. Precisamos de Deus, daquele Deus que nos mostrou o seu rosto e abriu o seu coração: Jesus Cristo. João, justamente, afirma que Ele é o Deus Unigênito que está no seio do Pai (cf. Jo 1, 18); assim só Ele, do íntimo do próprio Deus, podia nos revelar e também quem somos nós, de onde vimos e para onde vamos. Sem dúvida, existem muitas personalidades grandiosas na história que fizeram belas e comoventes experiências de Deus. Só Ele é Deus e por isso só Ele é a ponte, que verdadeiramente põe em contato imediato Deus e o homem. Portanto, se nós cristãos o chamamos o único Mediador da salvação válido para todos, que a todos interessa e do qual, em definitiva, todos têm necessidade, isto não significa minimamente desprezo das outras religiões nem absolutização soberba do nosso pensamento, mas apenas ser conquistados por Aquele que nos comoveu interiormente e nos encheu de dons, para que pudéssemos, por nossa vez, fazer dons também aos outros.

De fato, a nossa fé opõe-se decididamente à resignação que considera o homem incapaz da verdade como se ela fosse demasiado grande para ele. Esta resignação perante a verdade é, segundo a minha convicção, o âmago da crise do Ocidente, da Europa. (...) Nós temos necessidade da verdade. Mas sem dúvida, devido à nossa história temos medo de que a fé na verdade inclua intolerância. Se este receio, que tem as suas boas razões históricas, nos invade, chegou o momento de olhar para Jesus como o vemos aqui no santuário de Mariazell. Nós o vemos em duas imagens: como menino nos braços da Mãe e, no altar principal da basílica, como crucifixo. Estas duas imagens da basílica dizem-nos: a verdade não se afirma mediante um poder externo, mas é humilde e doa-se ao homem unicamente mediante o poder do seu ser verdadeira. A verdade demonstra-se a si mesma no amor. Nunca é propriedade nossa, um produto nosso, como também o amor nunca se pode produzir, mas só receber e transmitir como dom. Precisamos desta força interior da verdade. Nós, como cristãos, confiamos nesta força da verdade. Dela somos testemunhas. Devemos transmiti-la como dom do mesmo modo como a recebemos.

“Contemplar Cristo” é o mote deste dia. Este convite, para o homem em busca, transforma-se sempre de novo num pedido espontâneo, um pedido que se dirige em particular a Maria, que nos deu Cristo como seu Filho: “Mostra-nos Jesus!”. Assim rezamos hoje com todo o coração; rezamos assim também fora deste momento, interiormente em busca do Rosto do Redentor. “Mostra-nos Jesus!”. Maria responde, apresentando-O a nós antes de tudo como menino. Deus fez-se pequenino para nós. Deus não vem com a força exterior, mas vem na impotência do seu amor, que constitui a sua força. Ele entrega-se nas nossas mãos. Pede o nosso amor. Convida-nos também a nos fazermos pequeninos, a descer dos altos tronos e aprender a sermos crianças diante de Deus. Ele propõe-nos o Tu. Pede que confiemos n’Ele e que assim aprendamos a estar na verdade e no amor. O menino Jesus recorda-nos naturalmente também todas as crianças do mundo, nas quais deseja vir ao nosso encontro. As crianças que vivem na pobreza; que são exploradas como soldados; que nunca conheceram o amor dos pais; as crianças doentes e que sofrem, mas também as alegres e sadias. A Europa tornou-se pobre de crianças: nós queremos tudo para nós mesmos, e talvez não tenhamos muita confiança no futuro. Mas a terra só não terá futuro quando se extinguirem as forças do coração e da razão iluminada pelo coração quando o rosto de Deus já não resplandecer sobre a terra.

“Contemplar Cristo”: lancemos ainda brevemente um olhar para o crucifixo em cima do altar-mor. Deus remiu o mundo não com a espada, mas com a Cruz. Moribundo, Jesus alarga os braços. Este é antes de tudo o gesto da Paixão, no qual Ele se deixa pregar na cruz por nós, para nos dar a sua vida. Mas os braços abertos são ao mesmo tempo a atitude do orante, uma posição que o sacerdote assume quando na oração abre os braços: Jesus transformou a paixão – o seu sofrimento e a sua morte – em oração, e assim transformou-a num ato de amor a Deus e aos homens. Por isso os braços abertos do Crucificado são, no final, também um gesto de abraço, com o qual Ele nos atrai para si, deseja conter-nos nas mãos do seu amor. Assim Ele é uma imagem do Deus vivo, a quem podemos nos confiar.

“Contemplar Cristo!”. Se nós o fizermos, damo-nos conta de que o cristianismo é algo maior e diferente de um sistema moral, de uma série de pedidos e de leis. É o dom de uma amizade que perdura na vida e na morte: “Já não vos chamo servos, mas amigos” (cf. Jo 15, 15), diz o Senhor aos seus. Nós confiamo-nos a esta amizade. Mas porque o cristianismo é mais que moral, é o dom de uma amizade, precisamente por isto tem em si também uma grande força moral da qual nós, perante os desafios do nosso tempo, temos tanta necessidade. Se com Jesus Cristo e com a sua Igreja relemos de maneira sempre nova o Decálogo do Sinai, descendo às suas profundezas, então ele se revela a nós como um grande, válido e permanente ensinamento. O Decálogo é antes de tudo um “sim” a Deus, a um Deus que nos ama e nos guia, que nos leva e, contudo, nos deixa a nossa liberdade, aliás, a torna verdadeira liberdade (os primeiros três mandamentos). É um “sim” à família (quarto mandamento), um “sim” à vida (quinto mandamento), um “sim” a um amor responsável (sexto mandamento), um “sim” à solidariedade, à responsabilidade social e à justiça (sétimo mandamento), um “sim” à verdade (oitavo mandamento) e um “sim” ao respeito das outras pessoas e do que lhes pertence (nono e décimo mandamentos). Em virtude do poder da nossa amizade com o Deus vivo, vivemos estes múltiplos “sins” e ao mesmo tempo temo-los como indicadores do percurso neste nosso momento do mundo.

“Mostra-nos Jesus!”. Com este pedido à Mãe do Senhor pusemo-nos a caminho em direção a este lugar. Este mesmo pedido nos acompanhará quando voltarmos à nossa vida cotidiana. E sabemos que Maria satisfaz a nossa oração: sim, em qualquer momento, quando olhamos para Maria, ela mostra-nos Jesus. Assim podemos encontrar o caminho justo, segui-la passo a passo, cheios de confiança jubilosa de que o caminho leva à luz – na alegria do Amor eterno. Amém


© Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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