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Passos N.85, Agosto 2007

RUBRICAS

Cartas

pela Redação

Para que serve o Movimento
Há três anos comecei a freqüentar uma escola técnico-industrial. No primeiro ano me dei conta de que eu, junto a dois professores do Movimento, era o único do grupo de colegiais de CL entre 1 500 alunos. A realidade logo me pôs uma dramática pergunta: “Como posso deixar de falar aos meus colegas sobre a experiência que faço?”. Uma manhã, cruzei com um professor do Movimento e lhe propus rezarmos juntos o Angelus antes das aulas. Fizemos um requerimento e, com não poucas dificuldades, recebemos a permissão. A partir da manhã seguinte nasceu uma amizade e passei a ter diante de mim um rosto que me chama àquilo que sou e àquilo que sigo. Pouco tempo depois, enquanto fixava convites para o gesto, um colega meu, comunista fechado e com grande desprezo pela Igreja, aproximou-se e me disse: “Não entendo porque você faz isso, não entendo qual é o motivo, mas eu topo porque acho que é uma coisa boa”. Não se importando com os comentários dos amigos, pegou alguns cartazes e me ajudou. A partir do dia seguinte Andrea sempre comparecia pontualmente ao Angelus. Do mesmo modo, um rapaz recém saído do hospital, onde ficou internado durante seis meses por causa de um grave tipo de anorexia, juntou-se a nós e se disse comovido com a nossa amizade. Também vieram Samuel, Caterina, o professor de Mecânica, o técnico do laboratório, a secretária, Chiara, Gianluca... Nasceu uma companhia. O conselho da escola proibiu a iniciativa, sem justificativa. Pedimos esclarecimentos, mas ninguém nos deu ouvidos. Fizemos um apelo aos jornais da cidade, fomos ao prefeito. Depois de quase um ano, finalmente recebemos autorização para nos encontrarmos. As nossas exigências derrubaram o preconceito e o pouco caso. No início daquele ano nasceu um relacionamento com cinco ou seis alunos que, como eu, desciam na hora do intervalo para fumar um cigarro. Naquele quarto de hora cada um dizia o que pensava, falávamos sobre música, esporte, arte, religião e atualidades. Depois de algumas semanas, a nossa necessidade de compartilhar com todos os outros os nossos juízos sobre a vida foi crescendo. Entusiasmava-nos a idéia de abrir os nossos quinze minutos a todos os colegas. Nasceu, então, Liberi Tutti (Todos Livres), um pequeno jornal de 15 páginas. Fomos definidos como “fascistas” pelos professores por causa de alguns artigos contra as leis financeiras. Ouvimos que “O jornal de vocês é político, vocês são iguais aos de Comunhão e Libertação”, embora eu ainda fosse o único membro do Movimento em toda a escola. Sessenta e um professores assinaram um pedido de suspensão. A diretora proibiu tudo. Durante cinco meses fomos à diretoria pelo menos uma vez por semana colocando no centro do debate a “liberdade de expressão”. Enquanto isso dezenas de estudantes, fascinados pela bela iniciativa que havíamos começado oferecem sua contribuição: alguns se unem à pequena redação, outros enviam seus comentários sobre a pena de morte, sobre a tragédia no Virginia Tech, sobre o filme Homem Aranha 3, há quem escreve poesia, se oferece como diagramador, cria um fórum on-line, dá sugestões... Eles reclamam o direito de se exprimir livremente. Conseguimos obter permissão para publicar um segundo número que teve como título “O desafio da liberdade na escola”. Sim, porque o Angelus, o jornal, o grupo de estudo e as amizades que nasceram não são fruto de uma boa organização ou de uma particular audácia, mas de uma entrega, uma entrega a Cristo, àquela beleza que nos investiu. Estes três anos me fizeram compreender que o Movimento não existe para aplicar conceitos à vida ou para “regulamentar” o cotidiano, mas para nos chamar a atenção àquelas exigências que nos constituem e que nos tornam homens. Só há um método para testemunhar Cristo na escola: empenhar-se com a própria humanidade.
Jaio,
Itália


Encontros no hospital
Sou oncologista e trabalho no Instituto do Câncer. Aqui, parece que os pacientes param de viver e respirar assim que escutam a palavra “câncer”. Muitas vezes tive a tentação de pensar que é injusto ou que nada de novo acontece, como se esperasse algo e não levasse em consideração que Ele existe. Um dia, estava visitando meus pacientes e entrei no quarto de um deles que está fazendo quimioterapia. É um médico muito conhecido, diretor do Instituto Nacional da Saúde e... – surpresa! – estava lendo O senso religioso. Expliquei que era de CL e ele, comovido, me abraçou e disse que tenho muita sorte e que ele também tinha a partir daquele instante porque esta era a forma pela qual ele poderia conhecer Dom Giussani. Contou-me que durante uma viagem a Roma encontrou um amigo, padre Abbondi, que lhe deu o livro. A partir disso começou uma grande aventura. Eu o convidei para a missa do dia 22 de fevereiro e para a missa de Páscoa. Depois, ele contou a padre Abbondi o que tinha acontecido e, assim, em uma das minhas visitas médicas, ele me disse: “Se soubesse o que você encontrou!!! Agora, estou tranqüilo e posso morrer em paz”. Uma vez que ele não pode vir à Escola de Comunidade e como a cada duas semanas se interna para fazer seu tratamento, começamos a fazer Escola de Comunidade no hospital todas as vezes que ele está lá. Dei a ele o livro e ele quis fazer a assinatura de Huellas (edição de Passos em espanhol; nde). Sempre me diz que está pronto para o próximo exame referindo-se à Escola de Comunidade que fazemos no seu quarto de hospital. Diante de tudo isso, de que injustiça posso falar? Como diz padre Julián: “Esta é a vitória sobre o ceticismo: o fato excepcional permanece como algo que me investe, como o ponto de vista que explica, que dá sentido, significado a cada particular, a cada atividade”. Estou comovida e grata pelo que me acontece, por poder olhar a realidade, amá-la e abraçá-la porque é a forma terna com a qual o Senhor me diz “Sou Eu”.
Silvia,
Lima – Peru


Simplicidade de coração
Em junho fizemos uma convivência do grupo dos Jovens Trabalhadores (JT). A idéia inicial era usar os quatro dias do feriado de Corpus Christi, mas como alguns iriam trabalhar na sexta, o fizemos apenas no fim de semana. Mas o fato é que eu não estava muito animada para ir. Não achava que valia a pena. Depois, inventei outras desculpas, muitos pretextos para não ir. Na sexta-feira, dia da viagem, me ligaram perguntando se eu iria, e por que não iria... Senti-me provocada, pois sabia que as desculpas que eu havia colocado não eram empecilho. Então, fui! Com medo, porque achava que não iria gostar e os via como estranhos. Mas resolvi arriscar, pois me lembrava do que Carrón nos falou: parar de achar que eu já sabia como iria ser; parar de achar que eu já sabia como eram as convivências, a Escola de Comunidade, como eram os amigos. Então, no sábado à noite, quando assistimos ao documentário que foi feito na Itália pelos dois anos de morte de Dom Gius, na parte que mostra a homilia do seu funeral, quando Ratzinger falava da Beleza que comovia Dom Gius, não qualquer beleza, mas sim a Beleza, eu percebi que também eu queria essa Beleza: eu também quero esse gosto pela vida, quero viver com a mesma certeza que ele, Dom Gius, tinha. Além disso, não tem como assistir ao vídeo e não pensar que é a minha história que está sendo contada. E nisso me vinha a certeza de quando Dom Gius falava no texto A familiaridade com Cristo que até aqueles que ele não conhecia bem, mas que caminhavam com ele, era como se os conhecesse. E é assim que me sinto todas as vezes que o ouço falar: mesmo nunca o tendo visto pessoalmente, sinto o seu carinho de pai. E no domingo, quando padre Aurélio veio almoçar com a gente, ele nos fez três provocações: a primeira é que deveríamos ter sempre viva a pergunta “o que eu quero?”, que não deveríamos dizer que isso é fácil ou difícil, mas o que importa é que é possível. Depois nos falou do pedido, e que Deus sempre nos responde. Não da forma e na hora que eu quero, mas Ele responde. E por último – o que mais me provocou, porque havia várias dúvidas dançando na minha cabeça – ele falou da companhia. Mas falou de um jeito tão apaixonado por esta companhia, que não tinha como ouvir e não se comover, não querer uma amizade assim. E eu olhava pra minha história, ouvia o que ele dizia, e não tinha como dizer que não era possível, porque ele estava ali, contando a experiência dele, e não era uma história inventada. Era a própria vida dele. Foi isso que me fez chegar na segunda-feira com a certeza de que vale a pena sim permanecer nessa companhia, de que quero sim isso pra minha vida. De que estes amigos são para mim o rosto de Cristo.
Cristiane,
Belo Horizonte – MG


Acolhida
Caríssimo padre Carrón, há alguns meses uma amiga nossa, médica, nos contou sobre a morte de uma colega sua muito jovem. O seu marido ficou sozinho com duas crianças pequenas, de 3 e 6 anos, e está desesperado, além de destruído pelo calvário vivido durante um ano com a mulher entre o hospital e as terapias. Agora também está desempregado e não sabe como fazer com as crianças porque os avós maternos também estão velhos e doentes. A nossa amiga nos aponta como pessoas que poderiam solucionar temporariamente a situação (nós dois somos aposentados). Diante deste homem que chorava a única coisa que fizemos foi olhá-lo doando-nos a nós mesmos, com o coração gritando: “Homem não chores”. Como poderíamos dizer não, ou dizer, espere que vamos procurar outras pessoas... Não posso porque tenho outras coisas para fazer. Mesmo diante de uma objeção objetiva como não ter um carro para ir buscar as crianças na creche, ele nos disse: “Não se preocupem, vocês podem usar o carro de minha esposa”. “Cristo me atrai todo a si, tão belo é”, a beleza encontrada cuida de tudo, até da dor. Decidimos dizer sim e nos comove pensar que um pequeno sim seria levado tão a sério por Deus que nos estava doando duas crianças, um pai e dois avós. Foi-nos pedido ir buscar todos os dias as crianças na creche e ficar com elas até a hora do jantar, depois levá-las para dormir nos avós, enquanto se avaliam outras soluções. O pai só as leva para casa nos finais de semana esperando encontrar um trabalho que o faça estar mais perto delas. Ele pergunta quanto custa e eu e meu marido dizemos que não queremos nada, que absolutamente não fazíamos isso por dinheiro e ele fica muito surpreso com isso. Falei com meus amigos da Fraternidade que me disseram: “Estamos com vocês” e se colocaram disponíveis para nos ajudar. Agora, estamos diante de tudo aquilo que o Senhor nos pede e do maravilhamento de perceber que esta história que se envolveu conosco não é fruto do acaso, mas é a modalidade com a qual Jesus está presente em nossa vida. E o cansaço físico à noite é pago com a letícia no coração diante da menina que, abraçando-me, grita: “Diga-me como posso fazer para ter minha mãe de volta”. Eu sou chamada a responder a uma realidade feita de Mistério bom e Presença que ama. O que vai acontecer, por quanto tempo isso nos será pedido, não sabemos, são nossos amigos e confiamos na promessa boa que Cristo nos fez.
Lina e Luciano,
Cormano – Itália

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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