Vai para os conteúdos

Passos N.85, Agosto 2007

EXPERIÊNCIA - Egito / O senso religioso em árabe

O novo sol do Mediterrâneo

por Roberto Fontolan

Apresentada na nova Biblioteca de Alexandria, que possui uma arquitetura que evoca um sol nascente, a edição em língua árabe do livro de Dom Giussani. Uma iniciativa imprevisível, que nasceu do desejo de Wael Farouq


Em uma fila de poltronas na metade da sala, destacam-se seis cabeças cobertas por um véu. Cada uma com uma cor: azul, verde, amarelo, laranja, bege e rosa. Uma mulher mais madura e cinco moças. Na ponta da fila, um homem. Uma família, talvez, ou um grupo de estudo. Esta é a primeira imagem que percebo da mesa, na bela sala da Biblioteca de Alexandria, um dos lugares míticos do Mediterrâneo que foi destruído há dezesseis séculos e completamente reconstruído há pouco anos. Sua inauguração, em 2002, foi um acontecimento mundial e contou com a presença de dezenas de chefes de Estado que puderam apreciar leituras, danças, cantos e fogos de artifício. Os egípcios se orgulham dessa obra majestosa, desse “espaço livre” – como nos será repetido muitas vezes – multicultural, multi-idiomático, multi-étcnico. A biblioteca, onde trabalharam egípcios, ingleses e italianos, é realmente imponente: grandes edifícios em volta de uma praça voltada para o mar. Um triunfo de vidro e cimento com citações clássicas. Belíssima a forma do planetário, uma esfera de pedra achatada dos lados. De fora, a biblioteca tem a aparência de um enorme anel amarelo inclinado em direção ao Mediterrâneo. Representa o sol nascente, dizem por aqui, a luz, a cultura que resplandece. Dentro, o grande espaço é utilizado de alto a baixo. Nas plataformas e terraços estão dispostas ordenadamente escrivaninhas, computadores e estantes. Na verdade é muito mais do que uma biblioteca. Organizada em nove departamentos, desenvolve pesquisas e estudos de todo tipo, tem 1 700 sócios e hospeda 550 eventos por ano. Com este grande porto de cultura, Alexandria, no Egito, procura desesperadamente reconquistar a glória do passado. O mito a ajuda: vir aqui é um marco. Entre mil bibliotecas e mil cidades mediterrâneas, bem, esta é a Biblioteca de Alexandria.


Perguntas fundamentais
A nossa vinda se deve a Wael Farouq, professor egípcio bastante conhecido pelos leitores de Passos. Ele convenceu os diretores do departamento Alex-Med da Biblioteca (os quais nada sabiam sobre CL), e todos os seus amigos espalhados entre o Cairo e Alexandria, seus alunos, seus colegas e jornalistas: O senso religioso, de Luigi Giussani, é um livro que não se pode ignorar, ainda mais agora que foi traduzido para o árabe. Ele fala das perguntas fundamentais de cada um, fala da razão, da busca de Deus. O discurso de Wael se fez insistente: o homem sempre se lançou sobre o desconhecido, sobre o mistério que o circunda e o penetra. O desconhecido que está em nós, no profundo da alma e da mente. O desconhecido que está fora de nós, no mundo que habitamos e naquele que queremos habitar: o universo inteiro. Quem sou eu? Quem me desejou? Quem fez tudo isso? E por quê? O homem deseja ardentemente conhecer o porquê de tudo, nunca parou de perguntar e de buscar. Nunca. Os livros que vocês conversam aqui, explicou depois aos responsáveis pela Biblioteca, são o esplêndido testemunho daquilo que torna o homem, homem: quer dizer, a consciência, o conhecimento de si mesmo. Porque os homens confiaram aos livros suas buscas, suas perguntas e as tentativas de resposta. Por meio dos livros viajaram, contaram, viveram, se alegraram, choraram. Escrevendo e lendo tentaram se tornar melhores. De resto, o próprio Deus confiou-se aos livros...

Assim, o professor Wael Farouq convenceu a todos e trouxe a Alexandria também os amigos italianos (entre eles, padre Ambrogio Pisoni e o constitucionalista Andrea Simoncini, que o recebera na universidade de Macerata para um Seminário), persuadindo-os com suavidade árabe da grandeza da idéia.

Agora me encontro aqui, à mesa de uma das salas da Biblioteca alexandrina (o lugar é magnífico), junto a Wael, a Mario Mauro, do Parlamento Europeu, ao padre jesuíta Cristian Van Nispen, especialista em cultura islâmica, e a Hecham Sadek, autoridade egípcia em estudos jurídicos. Diante de nós, cento e cinqüenta pessoas – dado o contexto, um número inacreditável, acreditem-me – e os admirados diretores do departamento Alex-Med que, de hóspedes institucionais de uma das tantas iniciativas, transformaram-se em atentos interlocutores. E o serão ainda mais quando, no final das colocações do palco, se fizerem perguntas e comentários na platéia.


Humanidade nua
Aqui, no templo que abriga livros, estamos falando sobre um livro. Um entre milhares e milhares. O que o torna tão particular, capaz de tocar o leitor individualmente e tão universal, quer dizer, capaz de atravessar as línguas e as culturas? É verdade que cada livro, a seu modo, é único, irrepetível, diferente – isso também acontece com os homens; e não é difícil individualizar as particularidades de cada um. Mas não se pode dizer que todos os livros começam a viver – a viver, literalmente - na vida dos leitores.

Padre Van Nispen sublinhou o grande valor que Dom Giussani dá ao gesto da pergunta: é isso o que nos torna homens. E lembra que no primeiro encontro com seus alunos de filosofia sempre diz: “Tenho perguntas para cada resposta que vocês têm”. O jurista Sadek, que também é moderador, é tocado pela “humanidade nua” das páginas de Giussani: elas falam a mim, a você, às nossas almas, ao mais profundo de nós mesmos. E acrescenta: este texto é como um preâmbulo a tudo aquilo que se chama “direitos humanos”. Como acontece muitas vezes na Itália, Wael colocou sob os refletores o tema da razão e da modernidade, enquanto Mario Mauro assegurou o interesse da Europa (pelo menos daquela que ele representa) ao diálogo verdadeiro, que é a estrada mestra da amizade. Da platéia, vê-se uma enxurrada de reações. Há quem fale sobre o diálogo inter-religioso, sobre a liberdade de expressão, sobre a convivência entre cristãos e muçulmanos, sobre a necessidade de mudar o mundo, há quem deseja voltar ao início e falar sobre fé e razão. A questão mais surpreendente, que deixa todos paralisados, é colocada por uma senhora muçulmana, poeta: “Lendo o livro me perguntei: mas o que estamos ensinando aos nossos filhos?”. Naquele instante, toda a sala, freiras e mulheres de cabeças cobertas, intelectuais e jovens árabes, jornalistas e curiosos pensaram que não havia pergunta mais autêntica e vital do que aquela. Potência de um livro entre milhares e milhões de outros. Agora podemos encerrar. O encontro termina, termina um dia caótico e alegre. Wael talvez pense: “Dom Giussani na Biblioteca de Alexandria do Egito. Como poderia imaginar que seria eu a trazê-lo?

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página