* colaborou na edição brasileira
Francisco Borba Ribeiro Neto
"Bolonha, 11 de março de 1977. Um grupo de extraparlamentares tenta impedir com gritos e slogans uma assembléia de Comunhão e Libertação, na universidade. Rechaçados, os extremistas voltam em tropas e assediam os estudantes católicos dentro da universidade. Na confusão gerada pela primeira incursão, um estudante de CL é gravemente ferido na cabeça. A polícia intervém e os jovens de CL conseguem deixar o local. Pouco depois, na cidade, acontecem violentos confrontos entre os extraparlamentares e as forças de ordem. Um estudante da Luta Contínua, Pierfrancesco Lorusso, é morto com um tiro. Bolonha é devastada por uma verdadeira guerrilha urbana"
(do jornal italiano Corriere della Sera).
Muito da experiência de CL e da forma como o Movimento vê a política pode ser entendido a partir dos acontecimentos italianos de 1977. Problemas que aparecem ainda hoje até mesmo no Brasil já estavam presentes ali: a desilusão com as utopias, o desencanto com os partidos políticos e o individualismo, a radicalização de movimentos sociais que não conseguem encontrar alternativas para transformar a sociedade. E também ali se encontra a resposta que Dom Giussani deu para essa situação: o encontro com Cristo como um acontecimento pessoal, capaz de mudar a própria vida e manter vivo um empenho diante do real.
Tudo começou em Bolonha e culminou um ano depois com o longo seqüestro e assassinato – por um grupo terrorista – do mais importante líder político católico italiano da época, Aldo Moro. Um ano de lutas, passeatas, bombas, tiroteios, universidades ocupadas, cidades assediadas. Em muitas escolas, os membros de CL são caçados, suas sedes são assaltadas dezenas de vezes. O Papa Paulo VI, falando a estudantes do Movimento em 28 de dezembro de 1977, diz: "Agradecemos pelos testemunhos corajosos, fortes e fiéis que têm dado neste momento particularmente agitado em que estão um pouco conturbados pelas vexações e incompreensões das quais têm sido alvos".
Desde 1968 se vivia, em toda parte, uma intensa efervescência política. Acreditava-se que a sociedade burguesa estava às vésperas de seu fim, por conta dos movimentos sociais que explodiam em todos os lugares. A utopia de um novo mundo estava próxima... Na Europa, todos os partidos, inclusive os de esquerda, pareciam apoiar o sistema e por isso eram vistos com suspeita e descrédito. Só a ação direta, a política das ruas, parecia ser capaz de mudar o mundo.
Na verdade, era o começo – do ponto de vista político – daquilo que chamamos “pós-modernidade”, tempo de uma grande desilusão com a possibilidade de realização das utopias e com a própria política convencional. Os movimentos juvenis e operários, apesar do entusiasmo e da força, não conseguiam mudar nada e iam se radicalizando cada vez mais. Desembocaram num terrorismo violento, sem alvos políticos claros, com atentados e morte de dezenas de inocentes. Muitos se desiludiram e se acomodaram. Alguns dedicaram-se a lutas ambientalistas e anti-americanas ou ao culto das místicas orientais que levavam ao uso das drogas que, a partir de 1976, têm uma verdadeira escalada. Na década seguinte, a desilusão com o socialismo real e a queda dos regimes comunistas europeus sepultaria definitivamente o horizonte utópico que orientara o engajamento nas lutas de transformação política ao longo dos séculos XIX e XX.
Dentro do Movimento esse processo levou a uma retomada cada vez maior do cristianismo como um acontecimento pessoal, que vale porque é capaz de renovar a vida de cada pessoa, mas que – justamente por isso – é capaz de manter viva a fé e a esperança de um povo. Em 1976, Dom Giussani, dirigindo-se aos universitários de CL, falou da tentação da utopia como "uma coisa – considerada boa e justa – que se realizará no futuro, cuja imagem e esquema de valores são criados por nós". Sublinhou que, ao contrário, "a novidade é a presença desse acontecimento de afeição nova e de uma humanidade nova, a presença deste início do mundo novo que nós somos. A novidade não é a vanguarda, mas o Resto de Israel, a unidade daqueles para quem aquilo que aconteceu é tudo".
Conversamos com Antonio Simone, Luigi Amicone, Giorgio Vittadini e Riccardo Bonacina, na época estudantes universitários em Milão, que faziam parte daquele grupo de jovens com os quais Dom Giussani viveu um relacionamento mais estreito, iniciando uma nova presença cristã na universidade.
G. Vittadini. Naqueles anos eu tinha começado a fazer parte, na Universidade Católica, daquele pequeno grupo com o qual Giussani tinha uma ligação bastante próxima. Para mim, aquela experiência era totalmente nova, rompia todos os meus esquemas. Era uma amizade nova. Lembro que, um dia, Antonio Simone me pediu para acompanhá-lo até Veneza somente para estarmos juntos. Para mim, isso era inconcebível, porque não estava ligado a um "fazer". Ali, percebi a beleza da amizade. Giussani estava nos educando a isso. Afastar qualquer pretensão ideológica para afirmar uma presença que "tem como modalidade de expressão uma amizade operativa, gestos de uma subjetividade diferente que se coloca dentro de tudo, usando tudo. Não se constrói uma realidade nova com discursos ou projetos de organização, mas vivendo gestos de humanidade nova no presente" (Dall’utopia alla presenza, p. 66). Giussani vê, profeticamente, como pode se concretizar a utopia de 77: a violência terrorista ou a fuga. A ideologia é desvalorizada, mas se afirma um individualismo burguês sem empenho.
L. Amicone. Qual foi a nossa novidade? Giussani não levantou o problema de criticarmos os vários movimentos, mas fez a proposta de viver dentro daquele contexto social, de entrarmos com o juízo cristão, quer dizer, estar presentes sem nos colocarmos contra. "Estejam dentro de todas as circunstâncias com aquilo que são". Colocou-nos na circunstância como presença.
R. Bonacina. Para nós, estando sob ataque cotidiano por parte dos extremistas, havia a tentação contínua do desânimo, da desmoralização. Foram fundamentais as palavras de Giussani: "O destino das nossas comunidades dependerá da preponderância da presença contra a utopia". Quer dizer, a preponderância da vida concreta diante da violência e das abstrações, a preponderância da dinâmica da amizade diante das lógicas coletivistas e aglutinadoras. Uma perspectiva que foi capaz de nos colocar pessoalmente em questão evitando o perigo do individualismo e do aburguesamento e do esquivar-se da vida concreta. Isso não só nos fez resistir, mas nos lançou em uma nova aventura apaixonada, capaz de confronto, capaz de estudo e de amizade. O critério da presença? Dizia Giussani: "Levar seriamente em consideração a carne e os ossos que temos em nós, esse conjunto de exigências e de necessidades que somos, a nossa humanidade".
A. Simone. Entre nós, se começava a fazer experiência da pretensão cristã de que Deus tem a ver com tudo. É o valor da presença como resposta a necessidades reais. Naqueles anos, nasceu a CUSL (da sigla em italiano: Cooperativa Universitária Estudo e Trabalho; nde) para fazer frente ao aumento desenfreado dos preços dos livros e das despesas universitárias. E não só isso. A cooperativa se ocupava de tudo que dizia respeito à realidade e aos problemas da vida universitária: desde a oferta de apartamentos a preços convenientes até a determinação de convenções. Nasceu, além disso, a idéia de fazer um jornal: Kaccomatto, "jornal provisório em vias de desenvolvimento", para dizer tudo o que pensávamos.
L. Amicone. Ficávamos atentos a qualquer resquício de humanidade que encontrávamos. Como uma carta publicada em Luta Contínua, escrita por um companheiro sobre o suicídio de um amigo. Nós a afixamos fora da universidade. Fatos como estes, os suicídios, a heroína, o terrorismo, cada vez mais difundidos, nos convenciam de que os nossos desejos e as perguntas, assim como os dos jovens que estavam perto de nós, eram muito maiores do que aquilo que os partidos e as organizações políticas prometiam. A vida colocava questões às quais as ideologias não podiam responder. Não por acaso, elaboramos um panfleto sobre a vida universitária, "A primeira política é viver", que marcou um novo e decisivo passo para o Movimento. Escrevemos: "... A urgência dos jovens é a necessidade de encontrar uma experiência nova, existencial e social verificável de modo a dar consistência à vida. Isso é possível num lugar onde homens livres, que desejam a liberdade alheia, empenham toda a sua responsabilidade na condivisão e no levantamento consciente dos problemas e circunstâncias em que vivem. Para nós, a origem de uma tal tentativa está no acontecimento imprevisto do encontro com Jesus Cristo presente na história da Igreja. Por causa deste encontro e sem nenhuma pretensão, não temos medo de participar, de ser democráticos, de buscar o diálogo, a amizade e o confronto com todos (...). O início é o encontro com um fato, uma experiência e uma vida nova que há entre nós".
G. Vittadini. Estar com aqueles amigos fora de qualquer esquema organizativo, de qualquer formalismo, de qualquer forma de hegemonia foi, para mim, fundamental. Não tinha percebido antes que o valor era a amizade que vivia. Era um passo pessoal. Eu, até aquele momento, estivera dentro do CLU com a idéia do empenho e da hegemonia. A mesma tentação que havia fora de lá.
O tempo da pessoa
por Davide Rondoni
Também no Movimento, os anos 70 terminaram. Quero dizer que está terminando uma idéia e uma percepção do Movimento como ativismo. O encontro e a reação ao encontro com Bento XVI mostrou que o Movimento vive cada vez mais a sua realização no aparecimento de pessoas marcadas pela ferida da beleza dramática da vida e pela excepcional resposta de Cristo ao desejo que vive nesta ferida. Terminou a época em que nos viam como "fenômeno grupal". Nós também, no entanto, corremos o risco, muitas vezes, de nos concebermos assim. Uma leitura, típica dos anos 70, que colocava – embora implicitamente – o sucesso de nossa experiência no êxito ao qual aspiram todos os movimentos humanos: a conquista de espaços, o reconhecimento, o sabor da liderança cultural.
Estes foram os pontos de correção que Dom Giussani imprimiu no Movimento na metade dos anos 70. A nossa "institucionalização", para retomar um termo do discurso do Papa, não está tanto no proliferar de estruturas e organismos, mas na forma de transpor a contingência dos tempos e dos costumes para se radicar em um nível que "institui" de modo permanente uma presença, um chamado cristão – sem temer qualquer mudança de época e de contexto: a originalidade e a vivacidade pessoal do pertencer e o risco da presença.
Enquanto tudo em volta desencoraja qualquer empreendimento pessoal – a força da homologação chegou para eliminar as raízes do assumir riscos –, cada vez que um de nós (um só!) dá um juízo ou realiza um gesto cristão, encontra um eco enorme nas pessoas e no ambiente. Enorme e controverso. Subtrair-se à iniciativa pessoal (na escola, com os amigos, na sociedade) é o risco e o "pecado" maior que podemos fazer. Nada é suficiente sem a iniciativa pessoal, que nasce de uma alegria que a pessoa deve saber onde encontrar, na Fraternidade, nas palavras vivas, nos gestos, nos sacrifícios. Quem não colhe essa possibilidade por meio dos gestos do Movimento é alguém que pensa que está nele, mas está, ao contrário, reunindo-se em uma coisa chata e inútil como o próprio umbigo.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón