Vai para os conteúdos

Passos N.84, Julho 2007

IGREJA - Bento XVI / Jesus de Nazaré *

Um fato acontecido na história dos homens

por Andrea Tornielli

São dez capítulos para mostrar que o Jesus dos Evangelhos é verdadeiro, real e histórico. O novo livro do Papa, que está sendo publicado pelas mais importantes editoras do mundo, é um apaixonado testemunho da busca pessoal do “rosto do Senhor”, dessa Presença excepcional que está na origem da pretensão cristã.
As razões de uma experiência cristã consciente e madura expostas em um livro que desafia o coração do homem, a começar por nós, cristãos, fazendo ecoar a grande pergunta que aquele jovem judeu provocou em alguém que o encontrou e o seguiu ao longo das empoeiradas estradas da Galiléia: “Quem é ele?”



Bento XVI escreve um livro para explicar que “o Jesus dos Evangelhos” é o verdadeiro Jesus, real e histórico, aquele que andou pelas terras da Palestina dois mil anos atrás. E que pode ser encontrado hoje, graças ao testemunho daqueles que foram atraídos pela beleza da experiência cristã, pela amizade com Ele, e experimentaram o seu amor. Em 336 páginas (na edição brasileira), distribuídas por dez capítulos, Joseph Ratzinger – que começou a escrever o livro quando ainda era Cardeal e o concluiu após ser eleito Papa – utiliza o método da exegese moderna para “favorecer no leitor o crescimento de um vivo relacionamento com Cristo”. Seu título é “Jesus de Nazaré”, e, desde as primeiras linhas, o Pontífice esclarece que não se trata de um ato de magistério, mas é uma profunda e apaixonada meditação sobre Jesus e sobre a vida dele, fruto – explica o autor – de uma “longa caminhada interior”, que contesta todas as tentativas de se reduzir a figura de Cristo, apresentando-o como um revolucionário ou um moralista, ou como um simples mestre religioso do judaísmo. São reduções que, hoje, alcançam grande sucesso, chegando mesmo a liderar as listas dos livros mais vendidos.


Do Batismo à Transfiguração
O volume examina a primeira parte da vida de Jesus, do Batismo no rio Jordão à Transfiguração, já preparando a segunda parte, dedicada ao mistério central da fé cristã, a morte e a ressurreição do Nazareno. Desde a premissa, Ratzinger salienta a importância da história: “Para a fé bíblica é fundamental a referência a eventos históricos reais. Ela não narra a história como um conjunto de símbolos de verdades históricas, mas se baseia na história que aconteceu no chão desta nossa Terra”. Numa outra passagem, comentando a meticulosidade com que Lucas procura datar o início da vida pública de Cristo, Ratzinger acrescenta: “A atividade de Jesus não deve ser considerada como fazendo parte de um mítico em certo tempo, que pode significar tanto sempre como nunca; é um acontecimento histórico precisamente datável, com toda a seriedade da história humana acontecida”.

Trata-se de um ensaio que representa um testemunho pessoal, o testemunho daquela “íntima amizade” que liga os seguidores de Jesus ao seu mestre. Mas seria de todo incorreto relegar o livro ao âmbito da meditação subjetiva ou devocional. Ao contrário. Ratzinger optou por se abrir ao diálogo com todos aqueles que querem e buscam a verdade. E o faz contestando a redução de Jesus a uma sombra nebulosa, fruto dos últimos dois séculos de crítica histórica à Escritura, uma situação “dramática para a fé, porque torna incerto o seu autêntico ponto de referência”.


O Anticristo
Depois do primeiro capítulo, dedicado ao Batismo de Jesus, o Papa descreve as tentações com as quais o diabo colocou à prova o Nazareno, explicando, por exemplo, que quando colocamos Deus de lado, “em nome de coisas mais importantes” – como as grandes questões sociais –, “então fracassam justamente essas coisas supostamente mais importantes. Demonstração disso é não apenas o resultado negativo da experiência marxista”, mas também “a ajuda do Ocidente aos países em vias de desenvolvimento, baseada em princípios puramente técnico-materiais, que não só deixaram Deus de lado, mas também afastaram dEle os homens, com o orgulho da sua presunção”.

Falando de uma outra tentação, Bento XVI faz suas as expressões de Vladimir Solov`ëv: “A interpretação da Bíblia pode efetivamente se tornar um instrumento do Anticristo... Os piores livros, os que mais arruínam a figura de Jesus, que desmontam a fé, foram escritos à base de supostos resultados da exegese”. Hoje, “o Anticristo nos diz, então, como se fosse um grande erudito, que a exegese que lê a Bíblia na perspectiva da fé no Deus vivo, dando-lhe ouvidos, é fundamentalismo; só a sua exegese, a exegese considerada autenticamente científica, em que Deus mesmo não diz nada e não tem nada a dizer, está afinada com a nossa época”.

Atualíssima também é outra consideração, ligada à tentação do poder: “A luta pela liberdade da Igreja, a luta para que o reino de Jesus não se identifique com nenhuma estrutura política, deve ser levada adiante em todos os séculos. A fusão entre fé e poder político tem sempre um preço: a fé se coloca a serviço do poder e dobra-se aos seus critérios”.


Conhecer a estrada
Fundamental é também a resposta à pergunta sobre o que de novo e de bom Jesus trouxe para a Terra, dado que, depois da sua revelação, parece não se ter cumprido a esperança messiânica num mundo finalmente melhor, justo e pacífico. “A resposta é muito simples: trouxe Deus: agora nós conhecemos o seu rosto e podemos invocá-lo. Agora conhecemos a estrada que, como homens, devemos trilhar neste mundo. Jesus trouxe Deus e, com ele, a verdade sobre nosso destino e nossa origem; a fé, a esperança e o amor. Só a nossa dureza de coração pode fazer com que isso pareça pouco”.

Diálogo face a face
Um amplo espaço do livro é dedicado à relação de Cristo com o judaísmo, que o Papa desenvolve comentando o discurso da montanha a partir do livro de um grande erudito judeu, Jacob Neusner, “Um rabino conversa com Jesus” (Ed. Imago, 1994; nde). Ratzinger mostra que não é correto apresentar Cristo como um liberal que queria mitigar a dura meticulosidade das prescrições da lei mosaica: o Nazareno leva ao cumprimento a antiga lei; ou melhor, “Jesus entende a si próprio como a Torá”. E o Papa afirma que “seria bom que a cristandade visse com respeito” a obediência de Israel à Torá, “e assim captasse melhor os grandes imperativos do Decálogo, que ela deve traduzir no âmbito da família universal de Deus e que Jesus, como novo Moisés, nos doou”. Certamente, explica ainda Ratzinger, a figura de Jesus “só pode ser compreendida a partir do mistério de Deus”.

Essa é a chave de leitura de todo o livro: “O ensinamento de Jesus não provém de um aprendizado humano, qualquer que seja ele. Vem imediatamente do contato com o Pai, do diálogo face a face... É a palavra do Filho. Sem esse fundamento interior, seria temeridade”. Portanto, “o discípulo que caminha com Jesus é, desse modo, envolvido com ele na comunhão com Deus”.


* Jesus de Nazaré - Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI; Editora Planeta; pp. 336; R$ 39,90

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página