Homilia do Papa Bento XVI na celebração das Vésperas na Basílica de San Pietro in Ciel D'oro de Pavia (Itália).
Domingo, 22 de abril de 2007
Queridos irmãos e irmãs, neste seu momento conclusivo, a minha visita a Pavia adquire a forma da peregrinação. É a forma na qual no início eu a tinha concebido, desejando vir venerar os despojos mortais de Santo Agostinho, para expressar tanto a homenagem de toda a Igreja Católica a um dos seus "padres" maiores, como a minha pessoal devoção e reconhecimento àquele que grande parte teve na minha vida de teólogo e de pastor, mas diria antes ainda de homem e de sacerdote.
A Providência quis que a minha viagem assumisse o caráter de uma verdadeira visita pastoral, e por isso, nestes momentos de oração, gostaria de recolher aqui, junto do sepulcro do Doctor gratiae, uma mensagem significativa para o caminho da Igreja. Esta mensagem vem-nos do encontro entre a Palavra de Deus e a experiência pessoal do grande Bispo de Hipona. Ouvimos a breve Leitura bíblica das segundas Vésperas do terceiro domingo de Páscoa (Hb 10, 12-14): a Carta aos Hebreus colocou diante de nós Cristo, sumo e eterno Sacerdote, exaltado à glória do Pai depois de ter oferecido a si mesmo como único e perfeito sacrifício da nova Aliança, no qual se cumpriu a obra da Redenção. Sobre este mistério Santo Agostinho fixou o olhar e nele encontrou a Verdade que tanto procurava: Jesus Cristo, Verbo encarnado, Cordeiro imolado e ressuscitado, a revelação do rosto de Deus-Amor a cada ser humano a caminho pelas veredas do tempo rumo à eternidade. Escreve o Apóstolo João num trecho que se pode considerar paralelo ao que agora foi proclamado pela Carta aos Hebreus: "Nisto consiste o Seu amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o Seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados" (1 Jo 4, 10). Trata-se aqui do coração do Evangelho, do núcleo central do Cristianismo. A luz deste amor abriu os olhos de Agostinho, fez-lhe encontrar a "beleza antiga e sempre nova" (Confissões X, 27) a única na qual o coração do homem encontra a paz.
Queridos irmãos e irmãs, aqui, diante do túmulo de Santo Agostinho, gostaria de entregar idealmente à Igreja e ao mundo a minha primeira Encíclica, que contém precisamente esta mensagem central do Evangelho: Deus caritas est, Deus é amor (1 Jo 4, 8.16). Esta Encíclica, sobretudo a sua primeira parte, é amplamente devedora ao pensamento de Santo Agostinho, que foi um apaixonado do Amor de Deus, e o cantou, meditou, pregou em todos os seus escritos e, sobretudo, testemunhou no seu ministério pastoral. Estou convicto, colocando-me no seguimento dos ensinamentos do Concílio Vaticano II e dos meus venerados Predecessores João XXIII, Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II, que a humanidade contemporânea tem necessidade desta mensagem essencial, encarnada em Jesus Cristo: Deus é amor. Tudo deve partir daqui e tudo aqui deve conduzir: cada ação pastoral, cada desenvolvimento teológico. Como diz São Paulo: "se não tiver caridade, de nada me aproveita" (cf. 1 Cor 13, 3): todos os carismas perdem o sentido e o valor sem o amor, graças ao qual, ao contrário, todos concorrem para edificar o Corpo místico de Cristo.
Eis então a mensagem que ainda hoje Santo Agostinho repete a toda a Igreja e, em particular, a esta Comunidade diocesana que com tanta veneração conserva as suas relíquias: o Amor é a alma da vida da Igreja e da sua ação pastoral. Ouvimos isso esta manhã no diálogo entre Jesus e Simão Pedro: "Tu me amas?... Apascenta as minhas ovelhas" (cf. Jo 21, 15-17). Só quem vive na experiência pessoal do amor do Senhor está em condições de exercer a tarefa de guiar e acompanhar outros no caminho do seguimento de Cristo. Na escola de Santo Agostinho repito esta verdade a vós como Bispo de Roma, enquanto, com alegria sempre nova, a acolho convosco como cristão.
Servir Cristo é antes de tudo questão de amor. Queridos irmãos e irmãs, a vossa pertença à Igreja e o vosso apostolado resplandeçam sempre pela liberdade de qualquer interesse individual e pela adesão sem reservas ao amor de Cristo. Os jovens, em particular, têm necessidade de receber o anúncio da liberdade e da alegria, cujo segredo está em Cristo. É Ele a resposta mais verdadeira à expectativa dos seus corações inquietos pelas tantas perguntas que se têm dentro. Só nEle, Palavra pronunciada pelo Pai por nós, se encontra aquela união de verdade e amor no qual se encontra o sentido pleno da vida. Agostinho viveu em primeira pessoa e explorou profundamente as interrogações que o homem leva no coração e sondou as capacidades que ele tem de se abrir ao infinito de Deus.
Seguindo os passos de Agostinho, sede também vós uma Igreja que anuncia com franqueza a "feliz notícia" de Cristo, a sua proposta de vida, a sua mensagem de reconciliação e de perdão. Vi que o vosso primeiro objetivo pastoral é guiar as pessoas à maturidade cristã. Aprecio esta prioridade concedida à formação pessoal, porque a Igreja não é uma simples organização de manifestações coletivas nem, ao contrário, a soma de indivíduos que vivem uma religiosidade privada. A Igreja é uma comunidade de pessoas que crêem no Deus de Jesus Cristo e se empenham a viver no mundo o mandamento da caridade que Ele deixou. Portanto, é uma comunidade na qual se é educados para o amor, e esta educação verifica-se não apesar, mas através dos acontecimentos da vida. Assim foi para Pedro, para Agostinho e para todos os santos. Assim é para nós.
O amadurecimento pessoal, animado pela caridade eclesial, também permite crescer no discernimento comunitário, isto é, na capacidade de ler e interpretar o tempo presente à luz do Evangelho, para responder à chamada do Senhor. Encorajo-vos a progredir no testemunho pessoal e comunitário do amor laborioso. O serviço da caridade, que justamente concebeis sempre relacionado com o anúncio da Palavra e com a celebração dos sacramentos, chama-vos e ao mesmo tempo estimulo a estarem atentos às necessidades materiais e espirituais dos irmãos. Encorajo-vos a prosseguir a "medida alta" da vida cristã, que encontra na caridade o vínculo da perfeição e que se deve traduzir também num estilo de vida moral inspirado no Evangelho, inevitavelmente contra a corrente em relação aos critérios do mundo, mas que deve ser sempre testemunhado com um estilo humilde, respeitoso e cordial.
Queridos irmãos e irmãs, foi para mim um dom, realmente um dom, partilhar convosco estes momentos junto do túmulo de Santo Agostinho: a vossa presença deu à minha peregrinação um sentido eclesial mais concreto. Regressamos daqui levando no coração a alegria de ser discípulos do Amor. Acompanhe-nos sempre a Virgem Maria, a cuja proteção materna confio cada um de vós e os vossos queridos, enquanto vos concedo com grande afeto a Bênção Apostólica.
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