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Passos N.89, Dezembro 2007

IGREJA - Antonio Rossini / Beatificação

Perseguido em vida, hoje é beato

por Carlo Dignola

Ele foi durante anos um personagem polêmico. Agora, o sacerdote-filósofo, que era admirado pelo papa Pio IX, chegou às honras dos altares. Qual é o motivo? Fé exemplar e paixão pela razão


Ele não era do agrado dos católicos tradicionalistas porque dialogava – polemicamente mas sem censura – com a modernidade (Kant, Locke, Hegel). Não agradava aos socialistas porque era um convicto defensor da propriedade privada, que considerava estreitamente ligada à liberdade da pessoa. Não agradava às cátedras universitárias e teológicas católicas porque queria superar a filosofia tomista.

Antonio Rosmini desagradava muita gente, dentro e fora da Igreja do séc. XIX. Embora dois Papas (Pio VIII e Gregório XVI) o tivessem em grande apreço, e Pio IX (hoje beato) quisesse fazê-lo Cardeal e até nomeá-lo Secretário de Estado, foi barrado pela artilharia intelectual dos jesuítas, pelas forças políticas pró-Áustria (tentaram, inclusive, envenená-lo), e depois que morreu foi condenado por suas famosas “40 teses” e banido, durante um século e meio, da cultura católica.

Laicistas e membros da cúria romana, armados de “sutilíssimas mentiras”, aliaram-se para colocá-lo de escanteio. “Adorar. Calar. Sorrir”, recomendou ele no leito de morte ao seu grande amigo, o poeta Alessandro Manzoni. Como bom católico, Rosmini calou, obediente. Hoje a Igreja não só retirou a condenação que pesava sobre suas idéias, mas até mesmo proclama-o beato.

A seguir, entrevista com Evandro Botto, professor de Filosofia na Universidade Católica de Milão, que estudou profundamente Rosmini, dedicando-lhe dois livros (Ética social e filosofia da política em Rosmini e Modernidade em questão) e numerosos outros escritos, entre os quais o ensaio introdutório à edição italiana de Das cinco chagas da Santa Igreja.


Rosmini foi reabilitado e, agora, beatificado. O que isso significa?
Em primeiro lugar, reconhece o que até mesmo seus adversários sempre admitiram, ou seja, a exemplaridade da fé de Rosmini e até da sua humanidade. No que se refere propriamente ao filósofo Rosmini, consideram-se hoje totalmente superadas as circunstâncias históricas e as razões de oportunidade que levaram à sua condenação, no final do séc. XIX; reconhece-se no pensamento de Rosmini – como disse João Paulo II, citando-o explicitamente na Encíclica Fides et ratio – “exemplos significativos de um caminho de pesquisa filosófica que extrai consideráveis vantagens do confronto com os dados da fé”.


O Papa Wojtyla estava convencido de que havia chegado a hora de tentar novos caminhos para reaproximar fé e razão. Qual é, na sua opinião, a contribuição essencial de Rosmini a esse respeito?
Os pensadores iluministas e seus seguidores – como Feuerbach ou o próprio Marx – consideravam impossível qualquer relação entre racionalidade e fé, confinando esta última na esfera da superstição, do irracional. Kant definiu o Iluminismo como “a saída do homem do estado de minoridade” em que a religião e as autoridades o haviam segregado, por um tempo por demais longo. Para certa linha do pensamento moderno, o acesso da humanidade à idade adulta levaria, afinal, à superação da “alienação” religiosa. Nesse cenário, Rosmini se propõe “raciocinar com o século, não adulá-lo”, ou seja, confrontar-se com a modernidade sem necessariamente se render à idéia redutiva da razão, defendida por muitos dos modernos.


De que maneira procurou fazê-lo?
Mostrando que na base da polêmica dirigida contra a religião – e especialmente contra a fé católica – havia uma espécie de automutilação da razão. De fato, os modernos, ao reduzir a razão à racionalidade empírica ou “geométrica”, científico-técnica, esvaziaram a filosofia de sua constitutiva dimensão metafísica.


Rosmini quis restituir ao pensamento uma perspectiva mais ampla.
Estava convencido de que apenas uma reforma da Filosofia, ou seja, a recuperação da “forma original” de pensar, entendida como busca da razão última da realidade, pudesse resgatar a razão da deformação imposta a ela pelo subjetivismo.

Estava convencido de que só restituindo à razão toda a sua amplitude – e à fé toda a sua racionalidade – poderiam ser regeneradas tanto a vida civil quanto a vida eclesial. Ambas são objeto da sua lúcida e apaixonada solicitude: pense-se em textos como Filosofia da política ou Constituição segundo a justiça social, de um lado, e Das cinco chagas da Santa Igreja, do outro. Para essa enorme obra de renovação – tanto religiosa quanto política – a própria modernidade pode oferecer sua contribuição: segundo Rosmini, que também a julga muito severamente, a modernidade não pode ser reduzida a um monte de erros; é necessário, por exemplo, reconhecer-lhe o mérito de ter favorecido o advento e o desenvolvimento de novas ciências.


Mas critica também uma certa organização das ciências.
O que os modernos não souberam evitar – diz Rosmini – foi a dispersão, a fragmentação dos conhecimentos. O exemplo maior é a antropologia, o saber sobre o homem. Estava convencido de que a missão de uma filosofia e de uma teologia renovadas era o de refundar a unidade do sujeito. Se os modernos acabaram por “despedaçar” o homem, por fragmentá-lo, também enfatizaram bastante que qualquer saber tinha que se dobrar à exigência de “partir do homem”. E Rosmini mesmo achava que não podia escapar desse desafio, isto é, aceitar que a partida deveria ser jogada, em primeiro lugar, no terreno do eu, do sujeito humano, que o pensamento moderno considera imprescindível.


Uma inversão de método, para uma determinada linha do pensamento cristão.
Sim. Como escreve Rosmini em Renovação da filosofia na Itália: “A Escola teológica partiu da meditação sobre Deus; eu parti simplesmente da meditação sobre o homem, e acabei chegando às mesmas conclusões”. Partir do homem não significa, para Rosmini, ver Deus como inimigo, como às vezes se acreditou, a partir do Iluminismo.

 


A vida

Antonio Rosmini Serbati nasceu em Rovereto (Trento) dia 24 de março de 1797, segundo filho de um nobre cidadão do Sacro Império Romano. Contra a opinião dos pais, formou-se sacerdote e fundou, em 1828, uma congregação religiosa que denominou Instituto da Caridade. Pio IX o estimava muito. Chamou-o para próximo de si nos meses difíceis da República romana. Estava ao lado dele quando a multidão invadiu o Palácio Quirinale; e quando o Papa teve que fugir para Gaeta, levou-o consigo. O Papa já havia decidido nomeá-lo Secretário de Estado, mas foi obrigado a mudar de idéia por motivos políticos. Em 1849 foram colocadas no Índice dos livros proibidos duas de suas obras: Das cinco chagas da Santa Igreja e A constituição segundo a justiça social. A análise de todos os seus escritos concluiu, porém, em 1854, que não havia razão para condená-lo. Doente do fígado, Rosmini morreu em Stresa dia 1º de julho desse mesmo ano, aos 58 anos de idade. Em 1887, sob Leão XIII, o Santo Ofício publicou o decreto Post obitum, no qual eram condenadas quarenta proposições tiradas das suas obras póstumas. Dia 30 de junho de 2001, a Congregação para a Doutrina da Fé reabilitou-o. (C.D.)

 

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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