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Passos N.83, Junho 2007

EXPERIÊNCIA - Roma / Universitários

Duas universitárias e o Presidente da Câmara Italiana

por Riccardo Piol

O átrio da Universidade Sapienza ficou lotado durante a mostra sobre o trabalho da Avsi nas favelas brasileiras. Tudo foi organizado por duas estudantes universitárias, que mobilizaram muitos amigos. E até o Presidente da Câmara


“Só um instante... Gostaria de dizer-lhes que está tudo muito bonito”. Ele se aproximou do grupinho de estudantes que estavam acompanhando a enésima visita orientada. Não queria interromper. Mas fazia questão de cumprimentar aquela sua aluna que estava explicando a mostra, porque sabia que, no fim das contas, era “culpa” de Maria o fato de o átrio da Faculdade de Letras ter deixado de ser um mero lugar de passagem. “Culpa” dela, da sua amiga Marta e dos outros jovens de CL da Universidade Sapienza, de Roma. Eles haviam organizado a exposição de duas dezenas de painéis que ilustravam a pobreza no Brasil e – dizia o título da mostra – “O renascimento das favelas. Um caso de valor mundial”.

A obstinação com que aquele grupinho de estudantes, capitaneados pelas duas jovens, perseguiu o objetivo, agora ficara evidente aos professores e funcionários. Aos poucos, todos iam descobrindo o porquê dessa tenacidade. Bastava ouvir o que os guias diziam, olhar e ler aqueles painéis.


Dias intensos
Foram cinco dias intensos, de 19 a 23 de março, das nova da manhã às seis da tarde, cheios de estudantes, professores e até de algumas classes de escolas do Ensino Médio. E dizer que na origem de tudo havia uma série de coincidências, que começaram três anos antes.

Em 2004, Maria se encantara com a mostra sobre o trabalho da Associação de Voluntários para o Serviço Internacional (Avsi) nas favelas de Salvador (Bahia), exposta no Meeting. Esteve em Rímini levada por um amigo. Daí sua opção de estudar Cooperação e Desenvolvimento; depois esteve por um breve período com a Avsi na Romênia; em seguida, o encontro com o Movimento e com a comunidade do CLU da universidade Sapienza, onde conheceu Marta, que estuda Filosofia. Falou com ela sobre a idéia de trazer a mostra para a universidade, e, aí, ambas embarcam na extenuante tarefa de cumprir os procedimentos necessários para realizá-la. “Desde que apresentamos o projeto da mostra como um trabalho escolar até receber a aprovação, passou-se um ano – conta Marta –, mas uma vez obtida a autorização e o financiamento, tínhamos de achar um lugar adequado para a exposição”. Alguém propôs a reitoria; outros, salas e corredores. Mas só após o enésimo “ataque” de Maria, é que se achou a solução. O professor lhe dizia: “Esta sala está bem localizada”. Mas ela insiste: “Precisaríamos de algo maior”. E o professor, entre extenuado e distraído, deixa escapar: “Mas o que você está querendo, o átrio?”. Alguns dias depois, enquanto Marta discute a sua tese de fim do triênio, a universidade publica a autorização para o uso do átrio para a mostra.


O oitavo painel
O pai de um dos rapazes do CLU, ao visitar a mostra, lembrou-se dos seus tempos de estudante, nos idos de 1970, quando os manifestos de CL eram boicotados, e comentou: “Nos meus tempos de estudante, esses painéis não teriam resistido nem um segundo”. Trinta anos depois, mesmo antes de se terminar a montagem, a mostra já contava com alguns visitantes. “Enquanto os painéis ainda estavam no chão, já havia gente tentando lê-los – conta Mariagiulia, que também estava envolvida na iniciativa – e a primeira visita orientada começou quando ainda faltavam alguns retoques”.

Os guias eram estudantes de Letras e Filosofia, mas não só: “Propusemos pessoalmente a todos os nossos amigos que nos ajudassem durante os dias da mostra – diz Maria – mas nem todos concordaram. Nós queríamos que os guias, os distribuidores de folhetos fizessem com que cada visitante se sentisse acolhido, e não ficasse perdido entre as coisas”.

Na noite anterior à abertura, alguns dos guias se perguntavam se o oitavo painel, com uma frase de João Paulo II e, logo abaixo, uma de Dom Giussani, não poderiam irritar algumas pessoas; dizer que “Jesus Cristo é o ser que devolve ao homem continuamente o poder de escolher bem, isto é, de ser livre”, significava que o sucesso obtido pelo projeto da Avsi tinha uma origem bem precisa. “Certa manhã, vi um moço que fazia anotações diante do oitavo painel”, conta uma das guias. “Eu disse a ele que havia um catálogo com todos os textos, mas ele me respondeu que só lhe interessavam aquelas duas frases”.


Fausto Bertinotti
Antes do início da mostra, ninguém imaginava o interesse que ela despertaria, que a faculdade nos pediria que garantíssemos guias também durante a noite, quando a universidade ficaria aberta ao público para festejar os 50 anos da União Européia. Ninguém podia imaginar o espanto e o reconhecimento de jovens e adultos, que viam uma coisa muito bonita, feita pelos alunos e, ainda por cima, com entrada gratuita. Quando chegou o dia do encontro conclusivo da iniciativa, a realidade superou definitivamente a imaginação. Na sala magna da faculdade, eram esperados o reitor da Sapienza, os diretores das faculdades de Letras e de Ciências Humanas, o professor de Cooperação e Desenvolvimento, Alberto Piatti e Fabrizio Pellicelli, da Avsi, mas, sobretudo, Cleuza Zerbini, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo, e o deputado Fausto Bertinotti, Presidente da Câmara Italiana.

Para os estudantes ligados às organizações de esquerda, era demais: o pacifista se tornara, segundo eles, um guerrilheiro, e ainda por cima participa do encontro promovido por CL! [Referiam-se à história política de Bertinotti; nde] Um grupinho, onde havia mais cartazes do que pessoas, resolveu esperá-lo na parte externa, e o receberam com vaias e insultos. Jornais e TV fizeram questão de noticiar o protesto, exagerando sua importância.

A verdadeira notícia, porém, era outra. Diante de uma platéia de mais de duzentas pessoas, Cleuza contou a sua história, o seu compromisso com os sem-terra, a descoberta de que Cristo é a verdadeira resposta para as necessidades de milhares de favelados, e que por isso trabalha por eles.

Bertinotti ouviu o que ela disse, ouviu também Piatti e Pellicelli, o relato deles sobre a obra da Avsi, que ele, alguns meses antes, havia visitado durante uma viagem oficial ao Brasil. Depois, tomou a palavra: “A lição dessa experiência é que a pobreza e a emergência social podem ser combatidas”, “o fazer com quem vive na necessidade nasce do amor às pessoas, e esse amor possibilita que se descubram recursos que, de outra forma, ficariam perdidos”.

Muitos elogios foram feitos à atuação da Avsi e aos jovens que promoveram a mostra. Depois, a declaração, de maneira privada, da sua sincera gratidão por lhe mostrarem que ainda há gente que está no meio do povo, que é capaz de ajudá-lo e de trabalhar com o povo, gratuitamente.

 


A Avsi no Brasil

A mostra “O renascimento das favelas. Um caso de valor mundial”, realizada para o Meeting de Rímini de 2004 documenta que é possível combater a pobreza urbana e melhorar a qualidade de vida da população. Nesta exposição estão exemplos do método – fazer com a população – experimentado pela Avsi, ONG que atua há mais de vinte anos no Brasil. Esta forma de trabalho, desenvolvida no país desde 1993, permitiu que até hoje 135 mil pessoas que viviam em palafitas construíssem sua casa, escolas, oficinas e centros de assistência à saúde.

 

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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