No dia 13 de março foi apresentada a Exortação Apostólica pós-sinodal “Sacramentum caritatis”, de Bento XVI, que recolhe as conclusões do Sínodo dos Bispos celebrado em outubro de 2005 sobre a Eucaristia. Para entender melhor este importante documento propomos o texto publicado no jornal Folha de S. Paulo, domingo 18 de março de 2007
A Exortação Apostólica “Sacramentum Caritatis”, de Bento XVI, reúne e reelabora indicações de Bispos de todo o mundo que se reuniram em 2005 para refletir sobre a Eucaristia. O texto mostra como esse sacramento fundamental da fé católica tem incidência sobre todos os aspectos da vida.
“Sacramentum Caritatis”, sacramento da caridade, é a expressão com a qual Sâo Tomás de Aquino chama a Eucaristia, sinal vivo de Deus que não abandonou o mundo e continua presente com o seu amor. Trata-se do ponto crucial para a vida da Igreja e da humanidade. “Pretendo colocar esta exortação na linha da minha primeira Carta Encíclica, a “Deus Caritas Est”, disse o Papa.
O texto reafirma princípios e normas práticas presentes na Igreja desde o Concílio Vaticano II, e até antes. Como enfoque, porém, é de uma extraordinária novidade, buscando favorecer o fervor eucarístico e a realização de uma vida cristã marcada pelo amor gratuito. Na sociedade do mercado e do cálculo, a exortação do Papa indica o horizonte da gratuidade e do dom apaixonado ao destino do outro.
Por exemplo, uma relação conjugal exclusiva e permanente é um desejo presente no amor verdadeiro e, tal como o amor de Deus é irreversível, também o sacramento do matrimônio é indissolúvel.
Diante da dificuldade crescente que os casais enfrentam para viver seu relacionamento de forma estável, o documento reafirma a prática já existente de não conceder a comunhão aos divorciados casados de novo. Porém, enfatiza que esses divorciados são parte da Igreja, que os deve acompanhar com especial solicitude, como seus filhos. Como sempre, o Papa afirma claramente os princípios da Igreja, mas lembrando que pelo amor e pela acolhida a comunidade cristã expressa a presença de Deus em seu seio.
Também gerou polêmica a sugestão da adoção do latim nas missas. Isso foi sugerido para algumas partes fixas da liturgia e em eventos internacionais, em que a adoção de uma única língua facilitaria a compreensão de participantes de diferentes países, e não como supressão das línguas de cada país e volta ao latim na missa.
Outro ponto polêmico foi a valorização do gregoriano. Ora, a beleza desse estilo de canto litúrgico vem sendo redescoberta até mesmo pelo público não religioso. O Papa apenas reconhece sua beleza e força nas celebrações litúrgicas.
Os “pontos polêmicos” e falsamente apresentados por muitos como centrais no texto representam cerca de quatro ou cinco itens num documento com 97 itens!
Quais são os verdadeiros pontos centrais da “Sacramentum Caritatis”? Bento XVI muitas vezes salienta que a Igreja não deve se deixar perder, em seu anúncio, em aspectos parciais, mas reafirmar a grandeza e a beleza da mensagem cristã. Os aspectos morais e a vida das pessoas envolvidas não são secundários, mas um debate que se restrinja às regras pelas regras será infrutífero para todos. A grande questão do cristianismo é anunciar o amor de Deus presente entre nós e envolvido com o nosso destino. Tudo o mais é conseqüência e, como tal, deve ser compreendido.
Os sacramentos são, na vida cristã, as primeiras, as mais objetivas vias para experimentarmos a companhia e o amor de Deus. Entre eles, se sobressai o da Eucaristia, a transformação do pão e vinho, no altar, na carne e no sangue de Cristo. “Sacramentum Caritatis” explica esse misterioso e real fundamento da Igreja e anuncia novamente a todos que é possível encontrar Deus no cotidiano, em encontros aparentemente banais, mas cheios de sentido, testemunhos que nos tocam e que são alimentados pelos sacramentos.
A Eucaristia é o grande modelo de toda a vida cristã, tanto é que o termo comunhão é usado para referir-se ao sacramento na missa, à unidade entre os cristãos e à unidade entre o homem e Deus, através de Cristo.
Às pessoas do nosso tempo, famintas de vida plena, a Eucaristia oferece um dom extraordinário: “Insere dentro da criação o princípio duma mudança radical, como uma espécie de “fissão nuclear”, verificada no mais íntimo do ser; uma mudança destinada a suscitar um processo de transformação da realidade, cujo termo último é a transfiguração do mundo inteiro” (cf. nº 11).
Bento XVI permanece anunciando uma grande esperança para o nosso tempo, dominado pelo cálculo, mas sedento de algo totalmente diferente.
Na banalidade do cotidiano, entrou um elemento novo e contagiante: o amor pleno e gratuito de Deus. A Eucaristia é o sinal vivo e eficaz da sua presença.
*Dom Filippo Santoro é Bispo de Petrópolis (RJ) e faz parte da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
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