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Passos N.80, Março 2007

DESTAQUE - 25 ANOS DA FRATERNIDADE DE CL

A “Confraria Salva-vidas”

por Alberto Savorana

Um pequeno grupo de amigos continua a se encontrar depois da universidade pela insistência contagiante de Dom Giussani. È o início da primeira Confraria, de onde nasceria a Fraternidade de CL. Cesana, testemunha do seu surgimento, relembra aqueles encontros na rua Mosè Bianchi, em Milão

No final dos anos 70, Giancarlo Cesana tinha 30 anos. Jovem médico do trabalho e pai de família, viu-se envolvido com alguns amigos em uma aventura de resultado imprevisível, na época, e que, hoje, revela os aspectos de um percurso guiado em direção a algo novo, que nasceria dali poucos anos depois. Hoje, conta: “Vivia uma amizade com Dom Giussani que nasceu dentro da universidade e que, certamente, não poderia terminar com o final do curso. De fato, ela continuou por meio de um grupo que se encontrava quinzenalmente, na rua Mosè Bianchi, onde ficava a sede dos missionários do Pime que, na época, hospedavam CL”. Assim começa a nossa entrevista para o número de Passos dedicado aos 25 anos da Fraternidade.

Naqueles anos, Dom Giussani pensava na formação de “estruturas independentes do centro ou da organização do Movimento, mas total e absolutamente dependentes da responsabilidade digna de pessoas adultas, pessoas que se percebem unidas” (in: A Fraternidade de Comunhão e Libertação, 2002, p.47)*. Era o ano de 1979. “É uma ligação totalmente livre que acontece não enquanto proposta feita pela estrutura do Movimento, mas enquanto decisão de adultos que sentem o desejo de empenhar-se objetivamente, inclusive diante dos outros, como amigos, em um caminho de santidade pessoal” (p. 57). Era o ano de 1981.

Giancarlo, o que acontecia naquelas reuniões no Pime?
Dom Giussani começou a falar sobre “Confraria” com o grupo de amigos que cresceu com ele na universidade, querendo dizer com esse termo uma amizade cristã entre pessoas adultas que não esteja ligada nem à organização do Movimento, nem a quaisquer outras estruturas eclesiais como, por exemplo, de tipo paroquial. Não que a Confraria devesse nascer em oposição a algo, muito pelo contrário, pois em seguida, Dom Giussani afirmou que a obra da Fraternidade era o Movimento e obviamente encorajou, depois, a uma presença ativa e significativa em todos os lugares onde fosse solicitada ou onde fosse percebida alguma necessidade dentro da realidade eclesial. Mas a sua insistência era sobre a nossa liberdade, que deveria reconhecer que a amizade começada na universidade tinha um valor definitivo para toda a vida. Lembro-me que, uma vez, interpelou um de nós que vinha de Pesaro para os encontros da nossa nascente Fraternidade, para onde tinha voltado depois de terminar os estudos em Milão, dizendo: “Então, você vem aqui para nada!”. Queria dizer que Marco vinha somente para uma troca gratuita de amizade, sem ter, antes de mais nada, qualquer objetivo de natureza organizativa e operativa.

Em que ambiente humano aconteceu o convite de Dom Giussani?
Inicialmente, reagimos a esta proposta interrogativamente, sem compreender porque ele insistia tanto sobre a necessidade de nos reunirmos. Depois dos primeiros encontros tornou-se ainda mais insistente, tanto que, a um certo ponto, nos disse: “É melhor que estejam aqui porque, se não viessem, se perderiam todos, um a um”. Foi então que começamos a chamar aquele encontro periódico de “Confraria Salva-vidas”. Mas, Dom Giussani era contagiante e, por isso, mesmo sem entender completamente qual era a sua preocupação, nos víamos cada vez mais envolvidos em um protagonismo que ele pedia explicitamente. Assim, não só continuamos o nosso grupo, mas outros começaram a se formar. Eu fui convidado por Dom Giussani para o Encontro de Montecassino com o Abade Matronola para a fundação daquela que se chamou “Fraternidade de Comunhão e Libertação”. Era o ano de 1980.

Como, a partir daqueles encontros periódicos que vocês faziam em Milão, tomou forma a futura idéia da Fraternidade?
A imagem da Fraternidade desenvolveu-se no decorrer dos encontros. Primeiramente, Dom Giussani sublinhava o valor da amizade e da liberdade. Logo depois, sentimos a necessidade de ter um ponto de referência concreto: foi designado Luciano Riboldi, cuja função não seria a de um líder, mas a de um secretário que tivesse conhecimento, incitando a nossa liberdade. Ele tinha a tarefa de anotar e organizar os apontamentos de cada reunião, que seriam usados como introdução da reunião seguinte.
O segundo ponto colocado em foco foi a regra, que consistia, se me lembro bem, no recitar cotidiano do Angelus e na confissão quinzenal.
O terceiro – aquele que, durante algum tempo, mais nos intrigou –, foi a obra: cada grupo deveria ter uma obra específica em função do Movimento. Estávamos nos anos imediatamente após a famosa palestra de Dom Giussani em Riccione, na equipe de 1976 e, por isso, sentíamos o vento da “reforma” do Movimento e da sociedade, que, para nós, era a mesma coisa, porque a mudança era em relação a tudo. E, então, aconteceu um multiplicar-se de projetos, sobretudo de natureza política, cultural e social. Foi exatamente naqueles anos que aconteceu a difusão dos centros culturais e o ingresso, na política, de Antonio Simone e Antonio Intiglietta, eleitos de forma espetacular na região da Lombardia e no município de Milão. Logo em seguida, nasceu a Companhia das Obras (CdO).
No entanto, Dom Giussani, embora não objetasse absolutamente a este tipo de empenho e, ao contrário, o sentisse como uma conseqüência necessária e inevitável de uma experiência verdadeira do Movimento, sempre colocou o acento sobre a gratuidade e sobre o fato de que, embora não devêssemos ser indiferentes ao êxito da nossa ação, não podíamos, todavia, depender dele. E, então, tratou todo esse nosso fazer com uma ironia, sempre com a intenção de nos corrigir.

Quais são as palavras que mais lhe marcaram?
Através do caminho da Fraternidade compreendemos, sobretudo, o significado para a vida cristã das palavras que Dom Giussani introduziu na palestra de abertura da citada Equipe de 1976 que são: a presença como unidade e comunhão, com a ascese que esta comporta; o juízo como afeição; e a autoridade como fato.
Das poucas centenas de pessoas presentes, em 1982, nos primeiros Exercícios Espirituais da Fraternidade (veja as anotações em A familiaridade com Cristo; nde), hoje os inscritos são mais de 50 mil em todo o mundo. O que resta da “Confraria Salva-vidas”, o que aquela primeiríssima experiência lhe sugere pensando nas dimensões de hoje?
Nosso laço nunca foi quebrado, subsiste, embora as circunstâncias tenham nos levado a morar em lugares e com pessoas diferentes. O “Salva-vidas” “cabe” sempre: para mim, como um exemplo paradigmático e porque é o início. De fato, a meu ver, a exigência fundamental de todos estes milhares de grupos de Fraternidade que nasceram no mundo é a de ser experiência de um início, que dizer, de um acontecimento inicial. Em outras palavras, de não se reduzir ao costume, cheirando a mofo, que parece caracterizar certas confrarias católicas como se algumas regrinhas ou um pequeno empenho de tempo livre bastassem para salvar a vida. Embora, no fundo, precisamos reavaliar o sentido das regrinhas e dos pequenos empenhos, porque talvez não tenham efeito explosivo, mas, pelo menos, mantêm acesa na pessoa uma pequena chama da qual é possível começar, cedo ou tarde, o incêndio. Nesse sentido, sempre me tocou a essencialidade com a qual Dom Giussani falava da Fraternidade, propondo o pertencer a esta como gesto pessoal, não mediado pelos grupos, e sublinhando que para aderir a ela bastava a assinatura no pedido de inscrição. Além da inscrição, indicou como único gesto requerido a todos o Fundo Comum, na forma e no valor que cada um estabelecesse, mas que fosse fiel.

Para realizar todos os objetivos indicados, CL não era suficiente?
Uma coisa que sempre foi clara para mim – e que Dom Giussani sublinhou abundantemente – é que a vida da Fraternidade está em função do Movimento maior que ela exprime e é paixão pelo crescimento do mesmo. Naqueles que vivem a Fraternidade, não há nenhuma lógica elitista ou de aristocracia católica.

*A Fraternidade de Comunhão e Libertação, é o livro que conta a história da Fraternidade, editado pela San Paolo na Itália, ainda não disponível na tradução em português. A edição em italiano está disponível para compra no site www.itacalibri.it.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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