Vai para os conteúdos

Passos N.80, Março 2007

DESTAQUE - 25 ANOS DA FRATERNIDADE DE CL

Viver a memória de Cristo em cada ambiente

por Roberto Fontolan

O cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado de Sua Santidade, aceitou com prazer falar a Passos sobre o 25° aniversário do reconhecimento pontifício da Fraternidade de Comunhão e Libertação. “A experiência que nasceu do carisma de Dom Giussani toca, antes de mais nada, porque testemunha como a fé desperta no homem uma paixão pela realidade”

Bento XVI desejou que ele estivesse ao seu lado no cargo mais delicado: o de Secretário de Estado da Santa Sé. E, na carta endereçada aos fiéis da diocese de Genova, onde anunciava que o Cardeal partiria para Roma, o Papa descreveu-o como um pastor “particularmente capaz de conjugar atenção pastoral e preparação doutrinal” e falou de “conhecimento e confiança recíprocos, amadurecidos nos anos de serviço comum junto à Congregação pela Doutrina da Fé, o que me levou a escolhê-lo para este alto e delicado dever a serviço da Igreja universal”. De fato, antes de ser nomeado Arcebispo de Genova, o então Bispo Bertone foi, durante sete anos, Secretário da Congregação dirigida pelo então Cardeal Ratzinger. Nascido em Romano Canavese, diocese de Ivrea (norte da Itália), quinto de oito filhos, padre salesiano, o Cardeal Bertone está, hoje, à frente do “ministério que – segundo a constituição apostólica Pastor Bonus – mais de perto auxilia o Sumo Pontífice no exercício da sua suprema missão”. Secretário de Estado há poucos meses, aceitou com prazer falar a Passos sobre o aniversário do reconhecimento da Fraternidade de Comunhão e Libertação. Certa vez, definiu Dom Giussani como “o Dom Bosco dos anos 2000”: o que, dito por um salesiano...

Quando foi reconhecida, há vinte e cinco anos, a Fraternidade era, ainda, uma realidade principalmente italiana. Desde então, a Fraternidade, que Dom Giussani definiu como “o fruto mais maduro da experiência de CL”, viveu um florescimento que reuniu milhares de pessoas em diversos países; além disso, as pessoas que aderiram a ela são jovens trabalhadores e aposentados, casados e consagrados, pessoas de todas as raças e classes sociais. Quais são as preocupações que o senhor percebe mais vivas, as solicitações sobre as quais chamar a atenção de uma realidade como a Fraternidade de CL no serviço à Igreja?
O desafio para a Fraternidade de CL, como para qualquer outra realidade eclesial que nasce da imprevisível gratuidade e criatividade do Espírito é, antes de mais nada, a de oferecer a riqueza e a vivacidade do próprio carisma a serviço da edificação da Igreja testemunhando, assim, por meio de fatos, a unidade profunda e originária que existe entre cada carisma e a instituição eclesial.
Para exprimir isso, não encontro palavras melhores do que as usadas pelo Santo Padre, Bento XVI, na última vigília de Pentecostes: “A multiformidade e a unidade são inseparáveis entre si”. Ambas são dom do Espírito, daquele Espírito – dizia o Papa – que “não elimina a fadiga de aprendermos um modo de nos comunicarmos reciprocamente mas, também, nos demonstra que a unidade alcança a sua força e a sua beleza”.
A Igreja é chamada a testemunhar, pela própria história humana, que esta unidade multiforme – já inscrita no desígnio da Criação e que o mundo procura “às apalpadelas” – somente se realiza em Cristo e na docilidade ao seu Espírito. O objetivo da Igreja é testemunhar no coração da história que a unidade multiforme entre os homens é, antes de mais nada, dom de Deus. Faço, então, minha, a exortação do Santo Padre: “Participem da edificação do único corpo... a fim de que a vida da pessoa, uma ordem mais justa na sociedade e a convivência pacífica entre as nações encontrem em Cristo a “pedra angular” sobre a qual construir a autêntica civilização, a civilização do amor!”.
Diante da Fraternidade de CL abrem-se os horizontes de cada ambiente e lugar onde o homem de hoje vive, trabalha, estuda, constrói, se alegra e sofre para que, ali, Cristo seja testemunhado, conhecido e amado. Não por acaso, de uma experiência como a de CL nasceram os Memores Domini, quer dizer, leigos que através da virgindade, pobreza e obediência, dedicam sua vida para viver a memória de Cristo em todo ambiente onde o homem vive e trabalha, no coração do mundo. Em suma, usando uma expressão que também era muito cara a Dom Giussani, eu diria: “Façam de Cristo o coração do mundo!”. Este é um trabalho duro e fascinante no qual vosso Movimento já está empenhado, em várias frentes e lugares: por isso, em nome da Igreja, sou grato a Deus e também a vocês.

Durante esses anos, o senhor esteve em contato com Comunhão e Libertação em diversas ocasiões e lugares. O que lhe marcou destes encontros e o que, a seu ver, torna interessante esta experiência no mundo de hoje?
A experiência que nasceu do carisma de Dom Giussani toca, antes de mais nada, porque testemunha como a fé desperta no homem uma paixão pela realidade, por tudo aquilo que existe, por tudo aquilo que o homem vive, pela realidade inteira. Acho que o Meeting de Rímini é uma bela documentação desta paixão pela realidade inteira que a fé, aonde é vivida em toda a sua profundidade, gera.
E isto me parece, também, uma importante contribuição que testemunha a racionalidade da fé. A fé exalta a razão, alarga os seus horizontes e a impele a sondar a realidade, levando-a cada vez mais em direção a horizontes inexplorados. Assim, a fé demonstra toda a sua capacidade de valorizar aquilo que é humano, aquilo que é humanamente verdadeiro. Por isso me é cara, como a Dom Giussani, aquela frase do reitor Vittorino: “Quando encontrei Cristo, descobri-me homem”. E eu acrescentaria: desde que encontrei Cristo tudo aquilo que é verdadeiramente humano tornou-se familiar a mim.
Exatamente por isso é possível dizer que a vossa experiência testemunha uma grande paixão pelo homem. Uma paixão pelo homem e por todas as suas necessidades, tanto as materiais como as mais profundas do coração. Algumas obras do vosso Movimento – que pude conhecer de perto – mostram uma comovente atenção pelo homem. Penso, por exemplo, em muitas das vossas famílias que se abrem, como dimensão normal de suas vidas, ao acolhimento em suas casas de muitos filhos, inclusive e especialmente de jovens que recebem para guarda ou para adoção. Penso, ainda, nos Bancos Alimentares, que atendem milhares de famílias que têm dificuldade em conseguir o pão cotidiano. Se não me engano, foi o próprio Dom Giussani que sugeriu esta obra. E ele mesmo não deixou de sondar a profundidade da fome do coração humano – penso, por exemplo, em O Senso Religioso – lembrando-nos que esta fome não é menor do que a do estômago.

A poucos dias do 25° aniversário do reconhecimento da Fraternidade acontece o segundo aniversário da morte de Dom Giussani. Num encontro em sua homenagem, há dois anos, em Roma, o senhor o definiu como “o Dom Bosco dos anos 2000”. Por quê?
Foi espontâneo defini-lo assim, antes de tudo porque, sendo eu um “filho” de Dom Bosco, reconheço algumas analogias entre Dom Giussani e o nosso fundador: primeiramente, na paixão pelos jovens e, depois, na intuição ou, por assim dizer, na genialidade educativa. Dom Bosco, indo de encontro aos jovens por meio das suas necessidades concretas de companhia, de paternidade, de diversão, de acompanhamento no estudo e no trabalho, lhes oferecia, com a catequese, um lugar educativo que mudava seu caminho, fazendo deles cristãos, autênticos amigos de Jesus. Do mesmo modo, me parece que Dom Giussani também, especialmente na escola, encontrou milhares de jovens, revelando a eles toda a riqueza de seus corações, compartilhando suas necessidades mais profundas como um precioso meio que conduz a Cristo e ensinando-lhes a viver a comunidade cristã de ambiente como lugar de um inexaurível amadurecimento de sua fé e de sua humanidade.
Ambos, porque verdadeiros pais na fé, geraram muitos filhos. Ambos, porque autênticos amigos de Cristo, introduziram na amizade com o Senhor o coração de muitos homens. Ambos tiveram o coração cheio de amor pela Igreja, um amor à Igreja assim como é, com toda a sua beleza, que brilha mesmo através de suas feridas.
Sempre me impressionou o fato de Dom Giussani apostar na liberdade do homem, considerando-a como uma possibilidade antes de vê-la como um problema a ser corrigido ou bloqueado sem que isso o impedisse de ter um olhar realista sobre a miséria e a fraqueza humanas. É exatamente este olhar positivo, cheio de esperança e de paternidade que tinha sobre tudo aquilo que pertence ao humano, que aproxima Dom Giussani de Dom Bosco. Por fim, diria que a característica humana também aproxima estes dois grandes homens, que impressionavam pela letícia de seus rostos, a letícia de quem sabe que pertence a Jesus. E é esta letícia que desejo, como experiência cotidiana, a todos aqueles que são “filhos” de Dom Giussani.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página