BRASIL / SÃO PAULO
Uma amizade cristã entre pessoas adultas
por Marina Massimi
Em 1985, a provocação de Giussani a um grupo de recém formados em São Paulo e o pedido dos padres para iniciar a experiência da fraternidade. Uma história que se estende por todo o país
O início da Fraternidade no Brasil deu-se no mês de julho de 1985, quando, por ocasião da vinda de Dom Giussani a São Paulo, alguns jovens adultos daquela cidade tiveram uma conversa com ele. Naquela ocasião, Giussani definiu a Fraternidade como uma ajuda decisiva ao aprofundamento da natureza do fenômeno cristão, em consonância com a finalidade do próprio Movimento: obrigar-nos a ir ao fundo do acontecimento cristão. Ele frisou que a consciência da natureza do cristianismo pode parecer abstrata, mas, pelo contrário, é decisiva para a vida da pessoa.
À pergunta sobre como seria possível esse aprofundamento ele respondeu que a iluminação acerca do fundamento da questão do cristianismo é uma graça, uma graça que acontece dentro da experiência do Movimento. Com efeito, não se trata de ditar fórmulas para resolver os problemas, mas de estar dentro da experiência do fato cristão, pois é nessa imanência que brotam as conclusões e uma moralidade nova. Mas o início não é a moralidade, e sim uma nova mentalidade. Assim o moralismo é superado diante do acontecer de algo novo. Por isso, talvez, a proposta do Movimento pode parecer árdua para alguns, pois não se propõe a resolver as pequenas questões, mas pretende penetrar no profundo do ser.
Nesse sentido, continuava Dom Giussani, a Fraternidade não é algo a mais a ser feito, não acrescenta nada, mas define um compromisso, torna estável a decisão por Cristo, na Igreja, por meio do Movimento. Além do mais, oferece uma ajuda ao caminho de conversão pessoal pela da proposta de alguns instrumentos, tais como o retiro mensal, as cartas, o diretório (ou seja, o pequeno texto em que é comentada a regra da Fraternidade).
Quando perguntaram sobre a origem da Fraternidade, Giussani respondeu que foi uma certa concepção da vida adulta na fé: os adultos não são pessoas a enquadrar, sendo eles mesmos responsáveis pelo próprio caminho ascético, assim como são responsáveis pela sua família e pelo seu trabalho. Por isso, a Fraternidade não possui uma estrutura disciplinar, mas apenas um Centro; quem pertence à Fraternidade escolhe, livremente, um grupo de Fraternidade, conforme um critério preciso, ou seja, escolhe aqueles que o ajudam mais em seu caminho de fé.
A vida do grupo de Fraternidade
Como seria a vida de um grupo de Fraternidade? Giussani respondeu que o grupo de Fraternidade é livre para se dar uma regra própria, respeitando, porém, alguns pontos comuns a todos: fixar uma oração comum, viver uma obediência real às diretrizes do Centro, colaborar numa obra construtiva da Igreja e do Movimento, estabelecer uma cota mínima mensal a ser entregue ao Fundo Comum.
Finalizando a conversa, Giussani reiterou que a questão fundamental da Fraternidade não são as regras e a estrutura, mas o fato de que a pessoa compreenda o caminho da fé como parte de sua responsabilidade de adulto diante da vida e por esse motivo, una-se a outras pessoas que a ajudam.
Do ponto de vista eclesial e público, a Fraternidade é um modo de valorizar o Movimento dentro da Igreja, pois confirma o empenho da pessoa no Movimento tornando-a, assim, capaz de construir a Igreja. Com efeito, por intermédio da Fraternidade, o adulto aprende a levar a sério o fato de que a experiência do Movimento é a forma da fé para si. Assim, o pertencer à Fraternidade coincide com tomar posição dentro da Igreja, uma vez que o conteúdo da Fraternidade é o que se vive dentro da experiência do Movimento. O Movimento, dizia Giussani, é como o filho de vocês: uma pessoa pode pensar e rezar por ele; outra pode trabalhar ativamente para seu crescimento.
A partir daquele encontro, ocorrido no dia 6 de julho de 1985, o pequeno grupo de jovens adultos presentes na casa de Benê e Ivone decidiu aceitar o desafio lançado e começou a seguir a proposta da Fraternidade. Hoje, no Brasil, são mais de quinhentos inscritos na Fraternidade, espalhados por todo o país.
A Fraternidade dos padres
Contemporaneamente ao primeiro grupo de Fraternidade no Brasil, nascia o grupo de Fraternidade dos padres, no mesmo ano de 1985, quando Dom Filippo Santoro, padre Virgilio Resi e padre Massimo Cenci perguntaram a Dom Giussani se poderiam começar esta experiência como ajuda à própria vocação e como possibilidade de viver plenamente a experiência do carisma. A eles Dom Giussani respondeu que é exatamente assim que nasce um grupo de Fraternidade, sem a preocupação de constituir uma estrutura ou por uma obrigação externa, mas totalmente a partir da liberdade da pessoa. A esta proposta logo aderiram Dom João Carlos Petrini, padre Vando Valentini e Dom Giuliano. Depois, essa experiência se estendeu aos outros padres do Movimento no Brasil e a muitos padres da América Latina. Agora eles são um grupo de aproximadamente 50 pessoas. Para Dom Filippo: “Isso ajudou a viver a unidade e a missão do movimento não só no Brasil, mas em toda a América Latina”.
BRASIL / SALVADOR
Caminhando juntos na educação dos filhos
por Juliana P. Perez
A partir da necessidade de educar os filhos, a experiência de um grupo de famílias de Salvador
Quem já teve oportunidade de visitar Salvador e encontrar os amigos de Comunhão e Libertação na missa de domingo à noite sabe que uma das coisas que impressiona é a grande quantidade de crianças, de várias idades, que se sentam nos primeiros bancos da igreja: naturalmente, elas se movimentam, às vezes procuram os pais, às vezes trocam de lugar, mas assistem à missa silenciosas e tranqüilas, como se estivessem vendo um desenho de que gostam muito. Quem não as nota logo sem dúvida percebe a alegre movimentação daquele banco na hora de colocar uma pequena oferta no cestinho à frente do altar...
A experiência se explica quando se conhecem os pais de alguns deles que, por estarem na mesma Fraternidade, criaram um curso de catequese para os próprios filhos: “O nosso grupo de Fraternidade surgiu com a amizade com a família Michelini”, conta Arlete, “mais ou menos em 93. Eles nos mostraram que a Fraternidade era uma coisa grande. Eu, Gilberto e outros amigos que estávamos próximos deles pedimos para entrar. Éramos jovens e não tínhamos filhos... O tempo passou, as responsabilidades cresceram e as necessidades aumentaram. Vieram os filhos, muitos filhos, e nós não sabíamos onde deixá-los para ir às reuniões, o que começou a tornar impraticáveis as conversas. Então surgiu a idéia de fazer alguma coisa específica para eles... hoje esta idéia cresceu e já estamos no quinto ano com eles, fazemos o ‘percurso’ proposto pelo Movimento de acordo com a faixa etária de cada um – há crianças de 02 a 08 anos!... A gente começou com o percurso normal – O senso religioso, Por que a Igreja etc. Por exemplo, com livro O senso religioso, trabalhamos assim: para despertar o senso da beleza, íamos ver o pôr-do-sol em algum lugar bonito, íamos ao parque, depois conversávamos sobre as perguntas fundamentais. No ano seguinte, começamos com o Antigo Testamento e chegamos a Cristo – para falar da Igreja, fizemos visitas guiadas a catedrais, igrejas bonitas... No terceiro ano, criamos a Via Sacra das crianças – andamos um pedaço de uma praça no Campo Grande (bairro de Salvador), fazemos quatro estações curtas, com músicas, e eles mesmos lêem as passagens. No ano passado, partindo dos mistérios luminosos, falamos das obras, também falamos de Maria; este ano também vamos fazer uma peregrinação mariana, de trem, para seguir o caminho que o Dinho já mostrou a outros amigos; talvez também consigamos que eles ouçam alguns testemunhos... Agora estamos pensando em fazer um grupinho como o Graal, na Itália, porque os que têm mais de nove anos não querem sair no grupo das ‘crianças’... Afinal, hoje já são quase 50 crianças... Ainda temos muito que caminhar, mas tenho certeza de que estamos na estrada certa.”
SANTIAGO / CHILE
Compartilhar a vida com o grupo das quintas-feiras
por Paola Bergamini
A história de dois amigos que teve início num apartamento em Milão, numa noite de 1982, quando começaram a conversar sobre o Movimento. E que se tornou, dez anos depois, um grupo de Fraternidade em Santiago
No ano de 2000, Pablo, à época diretor da empresa Telecom, ao voltar de uma viagem de trabalho teve uma idéia: encontrar-se com alguns amigos da comunidade uma vez por semana, para falar da própria vida, dos problemas no trabalho, e também de tudo o que a realidade suscita, a fim de não ficarem engaiolados nos detalhes da própria vida pessoal. Fazia um ano que ele fora transferido, junto com a família, da Itália para o Chile. No país sul-americano, estava ligado – não só por laços familiares, mas também por grande amizade – a Bolivar. Haviam se conhecido em 1982, em Milão, onde Bolivar tinha feito contato com a experiência do Movimento. “Eu era estudante universitário – conta Pablo – e uma noite eu estava no apartamento, e passamos a noite toda conversando. Não só sobre o Chile, mas também sobre o encontro com o Movimento, que para ambos havia representando uma virada em nossa vida. Na seqüência dos anos, essa amizade superou a distância de muitos quilômetros e não só se manteve, como até se fortaleceu. E depois houve a minha transferência justamente para o Chile”.
Pablo fala com Bolivar sobre a idéia que teve, e assim nasce o “grupo das quintas-feiras”. Encontram-se na hora do almoço; no início eram quatro, depois oito, depois..., varia muito, pois sempre alguém traz um colega, um amigo. É um espaço onde se pode julgar concretamente as coisas que acontecem no dia a dia, e também onde podemos nos ajudar mutuamente. Em torno dessa mesa nasce a Companhia das Obras (CdO). “Acontecia – conta ele – o que um dia me foi dito por Vittadini: ‘A CdO não é uma entidade imprescindível, porque se a pessoa trabalha com alegria, essa já é uma obra. A gente se reúne por uma necessidade, para poder encontrar Cristo no trabalho’. Era isso que estava acontecendo conosco”. E a amizade vai se tornando cada dia mais estreita. Assim, em 2003, Bolivar faz a proposta: “Pablo, vamos fazer uma Fraternidade”. “Eu, no início, fiquei um pouco hesitante, mas decidi obedecer a este amigo, confiei nele”.
Familiaridade impensável
A concretude daqueles encontros não diminuiu. As famílias reúnem-se uma vez por mês, cada vez na casa de um, e depois do almoço lêem juntos um texto ou levantam algum assunto, que pode ser um fato ou uma situação que esteja nos preocupando. “Nasceu uma familiaridade impensável entre pessoas muito diferentes entre si. Há o empresário e o desempregado, o advogado e o operário. Tornou-se um lugar onde há um aspecto afetivo muito forte. Onde está claro que, com todas as limitações de cada um, aquilo que encontramos é a coisa mais bela que pode acontecer. Não só isso, tem também um caráter definido, e é a possibilidade de sermos felizes”. Todos os aspectos da vida são compartilhados. Desde a crise matrimonial até como desenvolver a empresa, passando pela busca de trabalho para quem ficou desempregado. Benjamim, que é empresário, conta: “Vivi a falência de uma empresa familiar. Passei da riqueza para a pobreza. Eu estava desesperado. Casado, com quatro filhos, tive que recomeçar do zero. Nessa situação dramática, descobri que a companhia desses amigos era o lugar mais definitivo para poder recomeçar”.
“Eu sempre fui – escreve Patty – uma pessoa fundamentalmente só. No início, vendo meu marido aderir a essa amizade, me senti ainda mais sozinha. Eu tinha ciúme desses amigos. A certa altura, porém, decidi acompanhar esse ‘interesse’ do meu marido. Foi a descoberta de uma vida nova!” Mas também há a atenção a pequenos detalhes. “Quando minha mulher Francesca – conclui Pablo – precisou voltar com as crianças para a Itália, não passou um dia sem que algum desses amigos deixasse de me convidar para o jantar, para eu não ficar só”.
MILÃO / ITÁLIA
Sem álibi
por Carlo Dignola
Um lugar que sustenta a esperança e oferece apoio nas horas difíceis. Lembrando que Cristo não é diferente de uma realidade humana, como a vida do Movimento
Davide Prosperi é um grande amigo de “Binocolo”. Terminada a universidade, a Fraternidade não era a sua principal preocupação: “Digo a verdade: os Exercícios dos universitários de 1994 representaram, para mim, uma virada. Eu havia conhecido Giussani e havia começado uma amizade com Cesana, com padre Pino. Eles me pediram para dar uma mão a ‘Binocolo’, que acompanhava o Movimento na Europa; depois foi-lhe entregue uma outra missão e me propuseram assumir o lugar dele. Eu mantinha ligação quase que diária com as pessoas que conduziam o Movimento, sinceramente não sentia a urgência de um ‘grupo’. Eu resistia, dizia aos amigos: ‘Façam vocês’”.
Mas Daria Frigerio, de Brianza, insistia. Um dia, finalmente, Davide lhe disse: “Tá bom, comece você que eu vou”.
No início eram cinco ou seis: “Depois, alguém partiu para a Rússia, um outro também nos deixou para seguir o próprio caminho”. Mas outros chegaram, inclusive mais jovens. Agora, apesar dos esforços para segurar um pouco, a Fraternidade tem umas 50 pessoas, com idades variadas (Daria Frigerio, por exemplo, estava se formando na faculdade no dia em que Michele Cantoni fazia o vestibular) e geometria instável: às vezes se encontram todos juntos; outras, por grupos menores. Também convidam pessoas que não são de CL: “Se alguém quer entender melhor o que é o Movimento, claro que não vou lhe dar, simplesmente, algumas folhas para ler em casa...”, diz Davide.
Chiara Marinzi, pesquisadora de Química na Universidade de Bicocca, Milão, explica que “aquela amizade não me ajuda a organizar toda a bagunça, como gostaria minha índole insana, mas para me questionar, para me ligar a quem está perto de mim”. E isso “em geral acontece de modo muito simples, conversando sobre as coisas normais da vida, em toda a sua aparente banalidade”.
Silvia Ronchi, que está participando há pouco tempo da Fraternidade, confessa que para ela é difícil superar “o embaraço e o pudor” de colocar certas questões perante todos, mas que, no fundo, sabe “que ali há pessoas que, se me vissem tentar pôr fim à vida, não ficariam sentadas assistindo a tudo. Pode parecer banal, mas esse interesse, essa não-indiferença, foi o que me impressionou no começo, e que me mantém ligada a eles. É isso que torna aquele ambiente diferente do resto”, onde, em nome da “liberdade”, a gente na verdade é ignorado.
Uma amizade que dá esperança
Daria diz que a coisa que mais a impressiona, inclusive nas situações difíceis que muitos viveram ou estão vivendo, é que a Fraternidade “não resolve os problemas, mas é uma amizade que sustenta a esperança”; ajuda as pessoas a viverem as situações da vida, apoiando-se mutuamente. Como quando Silvia Pedralli, de Rogoredo, grávida, precisou ser internada no hospital por causa de uma hemorragia, que lhe trouxe o medo de perder o filho: “Naquelas horas horríveis, antes de cair no desespero” começou a mandar e-mails, mesmo da sua cama no hospital, e recebeu como resposta palavras que eram como que “água boa de se beber, que me dava esperança, que me colocava de novo na estrada certa, que me dizia para onde eu devia olhar”.
“Nós – diz Davide – nem costumamos colocar muito explicitamente o tema da relação com Cristo”, mas todos estão certos de que a ligação com a Fraternidade é exatamente isso: “Porque a pessoa entende que Cristo não é uma coisa diferente de uma realidade humana onde se pode ver a força da mudança da pessoa. Antes do Natal, apareceu para o almoço uma pessoa da minha Fraternidade que trabalha como vendedor numa firma. Estava com este problema: precisava concluir a venda de um produto a um cliente, quando descobriu que o seu concorrente era membro de CL. Naquela mesma noite decidiu chamá-lo para conversar e procurar entender o quanto esse negócio era importante para ele (o concorrente). Fiquei surpreso com a coragem dele de se colocar o problema, pegar o telefone e chamá-lo para uma conversa. É uma coisa que supera a lógica do lucro. É claro que alguém só faz isso por causa de um conceito que é mais forte do que qualquer outra lógica”.
Mas a Fraternidade não é um “movimento” dentro de CL: “Nós queríamos viver até o fim a realidade do Movimento. Nunca passou pela nossa cabeça que o grupo de Fraternidade fosse uma realidade à parte. Mas um certo risco sempre existe: alguém, a certa altura, pode criar em sua mente uma ligação ideal com o Movimento, e deixar a vida correr por si mesma. Outro pode se sentir ‘legal’ porque tem o seu grupo de Fraternidade, uma esposa, dois-três-quatro filhos, vai à missa todos os domingos... A pessoa tem os seus pontos firmes, entende que certas coisas são certas e outras, erradas. Temos muitos instrumentos, a Escola de Comunidade, os textos de Giussani e agora também de Carrón, as leituras do mês... No entanto, tudo poderia se transformar num álibi para não se aceitar o desafio que Cristo nos lança neste momento da nossa vida. E esse desafio existe mesmo, sempre. A gente percebe que não está tudo ‘legal’, e dentro da gente nasce o questionamento. Começamos a pedir”.
E o fato surpreendente é que, ao descobrir Cristo como objeto do próprio desejo, nós descobrimos muito mais do que a amizade. “Nós nos reunimos por causa de uma amizade que já vivíamos, mas começamos a compreender direito essa amizade quando entendemos que ela se espalhava mundo afora”. Hoje, Davide percorre toda a Europa, e os seus amigos têm no coração certas situações de pessoas que ele vai encontrando pelos outros países. Ao mesmo tempo, procuram ajudar sua família quando ele está ausente, sobretudo nos finais de semana. “É uma coisa que sempre me comoveu: participando dessa amizade, não nos falta nada. Há sempre alguém que ajuda, seja por meio da companhia, seja materialmente.”
MADRI / ESPANHA
As coisas da vida despertam o coração
por Rafael Gerez
Da experiência com o Movimento na universidade, à vida adulta. O risco da banalidade e do "aburguesamento". A história de uma mudança por 12 amigos espanhóis
Somos uma dúzia de pessoas: jovens casais entre 30 e 40 anos, com filhos pequenos e situação econômica estável que já conhecem o Movimento há anos, tendo, todos, vivido a experiência dos universitários (CLU). A vida, ultimamente, nos tem feito passar por diversas circunstâncias: o sucesso e o reconhecimento profissional de alguns em contraste com a perda de trabalho de outros; a alegria da paternidade em oposição à dor da morte de alguns filhos recém-nascidos; a estabilidade conjugal e, ao mesmo tempo, situações familiares complicadas. Durante todos esses anos de vida que compartilhamos, não foram poucas as tentações que encontramos e, entre elas, aquelas nas quais freqüentemente caímos, as mais determinantes, estão, por exemplo, a banalização da nossa amizade e o “aburguesamento”, expressão que Carras (um dos responsáveis internacionais de CL; nde) gostava de usar nos primeiros anos do Movimento na Espanha.
A primeira – que nasce quando pensamos que "já sabemos tudo o que nos convém" – torna estéril o relacionamento entre nós e transforma a Fraternidade em um grupo de amigos que convivem sem arriscar quase nada entre si e que mascaram a insatisfação do coração com as "coisas da vida" (o trabalho, os filhos, a casa). Assim, a vida da Fraternidade transcorre entre reflexões incessantes e vazias sobre o método mais adequado para organizar as reuniões ou sobre o modo com o qual devemos nos tratar, em termos sentimentais. A segunda, é caracterizada pela tendência, com o passar do tempo, em sufocar os desejos do coração e impedir, mesmo estabelecendo um equilíbrio entre todos os aspectos da vida, que nela irrompa o acontecimento. A isso, associa-se, freqüentemente, um modo de viver o Movimento "à la carte", escolhendo segundo a própria medida.
A mudança
No último ano, três fatos transformaram profundamente a nossa Fraternidade ou, melhor dizendo, algumas pessoas da Fraternidade. O primeiro, foi a vida pessoal de alguns de nós e a maneira com a qual a trataram. Assim, paradoxalmente, a realidade, por mais que parecesse controlada e dominada, abriu-se como uma passagem nas fendas do nosso coração, inclusive passando por fatos dramáticos, obrigando-nos a colocar em jogo a nossa razão. O exemplo mais significativo desta provocação da realidade foi a doença de uma das crianças de um casal da Fraternidade. Este fato não só levou seus pais a redimensionarem profundamente suas vidas – sacrificando, no caso da mãe, uma carreira promissora –, mas significou, também, para todos nós, a redescoberta da dimensão do pedido.
O segundo, foi a presença de um jovem padre na Fraternidade que facilitou, por meio da sua companhia, um dos aspectos mais importantes da experiência do Movimento que normalmente corre o risco de diluir-se conforme crescemos: o seguir. Ele nos ajudou a enfrentarmos a vida a partir de uma nova perspectiva, chegando a mudar decisões que já pareciam definitivas. Foi o caso de uma de nós que tinha rompido o relacionamento com seu pai há 16 anos. Ela testemunha: "O primeiro passo foi o de colocar essa dificuldade para um amigo – o jovem padre – que me perguntou: ‘Mas, você não deseja perdoar seu pai? Não gostaria de voltar a vê-lo?’. Eu respondi: ‘Isso é impossível’. Ele me corrigiu: ‘Não estou querendo saber se é possível ou não. Estou perguntando se você quer’. Eu respondi que sim. E ele me disse: ‘Peçamos com insistência esse milagre...’. Assim, (algum tempo depois), decidi telefonar para meu pai e voltei a vê-lo. Quando se diz sim a Cristo, por meio deste grito, o cêntuplo se torna evidente. No meu caso, comecei a experimentá-lo".
O terceiro fato foi a adesão às indicações do Movimento: o envolvimento no "Encuentro Madrid", a participação nas férias de verão depois de muitos anos sem estar presente, a volta do nosso empenho no gesto de caritativa, etc... E, especialmente, a seriedade na preparação e na participação da Escola de Comunidade, que está se tornando um critério de juízo a partir do qual enfrentamos juntos a realidade, além de ser o ponto de referência objetivo do nosso relacionamento.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón