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Passos N.79, Fevereiro 2007

DESTAQUE - BENTO XVI NA TURQUIA

A primazia do encontro
O início da unidade e da paz

por Luigi Geninazzi

“Por fim, gostaria de agradecer a toda a população de Istambul e das demais cidades da Turquia pela cordial acolhida que me foi reservada em todos os lugares. Meu agradecimento é ainda mais expressivo e profundo porque sei que minha presença, nestes dias, tem provocado não poucos transtornos ao desenvolvimento da vida cotidiana do povo. Obrigado de coração, inclusive pela compreensão e pela paciência demonstrada.”
Essas palavras, pronunciadas ao final da viagem do Papa à Turquia, são o testemunho da humanidade da fé de Bento XVI, cuja presença venceu o medo e se mostrou mais forte do que os preconceitos. E abriu caminhos para o futuro.
No encontro com os muçulmanos, a positividade de uma abertura que só a certeza de Cristo tornou possível.
No encontro com os ortodoxos, a paixão pela unidade dos cristãos, própria de um coração católico.
No encontro com o “pequeno rebanho” da comunidade católica, a paternidade de um olhar que sustenta a esperança.


Foi uma viagem generosa e corajosa, que já entrou para a História, com a imagem de Bento XVI recolhido na Mesquita Azul, as mãos postas sobre o peito, os lábios sussurrando uma imperceptível prece. A visita do Papa à Turquia desmontou os estereótipos negativos e as críticas maldosas que foram levantadas à véspera da chegada papal a esse país islâmico, e repercutiram fortemente nos jornais dos nossos países. A operação-visita, que se apresentava como de altíssimo risco, não só no plano da segurança, concluiu-se marcada por um sucesso incrível. As manchetes e os comentários da imprensa turca foram tão positivos que provocaram até certos constrangimentos: “O Papa amigo”, “O Papa aliado”, “O Papa que reza como um muçulmano”. A simpatia e a admiração cresceram na medida em que Bento XVI ia cumprindo o programa da sua missão de quatro dias. Conquistou os corações dos turcos com a sua presença simples e humilde e com gestos altamente simbólicos. Desfraldou sorridente a bandeira com a meia-lua, depois da missa em Éfeso; soltou três pombos em direção ao céu, em Istambul; apareceu ao lado do Mufti, rezando voltado para Meca. E antes de partir desculpou-se pelos transtornos que provocou no trânsito das cidades por onde passou. Não era exatamente o que se esperava de um Papa que, nas semanas anteriores, fora pintado com tintas escuras como “o chefe neocruzado dos infiéis” e “o severo teólogo inimigo do Islã”.

A força avassaladora dos gestos
Assim, Istambul apagou Regensburg. A força avassaladora dos gestos desarmou acusações e mal-entendidos e projetou na imprensa a imagem de um Papa inédito. Mas os discursos pronunciados na Turquia mantêm continuidade com as idéias fortes e as palavras-chave do pontificado ratzingeriano. Desde as primeiras palavras em Ancara, diante do diretor de Assuntos Religiosos do governo turco, Alì Bardakoglu, Bento XVI repete os conceitos que já havia expresso em outras ocasiões, a propósito do mundo islâmico. Fala do diálogo “como necessidade vital” e recorda que a base do recíproco respeito entre cristãos e muçulmanos é “a atenção à verdade do caráter sagrado e da dignidade da pessoa humana”. Não corrige nada, só que desta vez a douta citação remete não mais a Manuel o Paleólogo e ao seu rude ataque ao Profeta, mas ao Papa Gregório VII, pleno de benevolência em relação a um príncipe muçulmano.
A esse propósito, é esclarecedora a mudança de tom que marcou o início do colóquio que se desenrolou entre o Papa e Bardakoglu. “Devemos eliminar os preconceitos sobre o Islã”, afirma de forma polêmica o funcionário de Ancara. Bento XVI rebate prontamente: “É preciso usar a religião de uma maneira diferente”. Em suma, a relação entre Islã e violência é, para o primeiro, um preconceito hostil; para o Papa, em vez disso, é uma trágica realidade que é preciso remover. Dirá depois que “cristãos e muçulmanos têm uma missão comum, oferecer uma resposta coerente à questão que emerge da sociedade hodierna quanto ao significado e ao objetivo da vida”. Desse modo, sugere uma pedagogia, não uma nova ideologia.

Ponte lançada entre Oriente e Ocidente
A questão do relacionamento com o Islã dominou a viagem à Turquia, um país que o Papa Ratzinger vê como uma ponte unindo Oriente e Ocidente, Islã e Cristianismo. “Eu amo os turcos” – disse ele, citando as palavras de Giovanni Roncalli (futuro João XXIII), que foi representante pontifício em Istambul nos anos 30 –. “Eu aprecio as qualidades naturais deste povo, que tem o seu lugar no caminho da civilização”. É uma trajetória que abriu caminho para a Europa, mas que, justo nos dias da visita papal, tornou-se particularmente acidentada e complicada, com Bruxelas decidindo suspender temporariamente as negociações para a adesão de Ancara à União Européia.
Assim, o premiê Erdogan – que foi acolher o ilustre visitante aos pés da escada do avião, depois de, dias antes, ter divulgado que não poderia ir recebê-lo – aproveita a ocasião para declarar que “o Papa vê com simpatia o ingresso da Turquia na União Européia”. Subentendendo: ao contrário do que ele havia dito quando Cardeal. Um exagero que foi redimensionado alguns dias depois, quando Bento XVI e o Patriarca ortodoxo Bartolomeu declararam juntos que, no caminho para a União Européia, devem ser levadas em consideração a liberdade religiosa e o direito das minorias, sem deixar no esquecimento as raízes cristãs do continente. Por exatas cinco vezes, no curso da viagem, o Santo Padre relembra o fundamental direito à liberdade religiosa.

O “pequeno rebanho” e a unidade dos cristãos
Na Turquia, os cristãos são minoria: 125 mil, dos quais 30 mil são católicos. Têm liberdade de culto, mas não de plena expressão religiosa; sofrem discriminações, intimidações e até violentas agressões (como aconteceu ao padre italiano André Santoro, assassinado em fevereiro deste ano em Trebisonda). O Papa lembrou dele no momento talvez mais comovente dessa visita, diante de centenas de fiéis em Éfeso, no lugar em que, em meio aos bosques, surge uma pequena casa de pedra onde, segundo a tradição, morou a Mãe de Jesus em seus últimos anos de vida.
A questão da liberdade religiosa é crucial não só para a Igreja católica, mas também e sobretudo para o patriarcado ortodoxo, que goza de um “primado de honra” sobre as Igrejas do Oriente, mas que durante os últimos 80 anos viu reduzir-se o número dos seus fiéis em solo turco de 180 mil para 3 mil. Era esse o objetivo principal da visita do Papa ao país da meia-lua: o encontro fraterno com Bartolomeu I para relançar o diálogo ecumênico entre as duas Igrejas. É uma caminhada iniciada há 40 anos, com o abraço entre Paulo VI e Atenágoras, e que prosseguiu com João Paulo II.
Na Declaração comum, subscrita por Bento XVI e por Bartolomeu, é reforçado o empenho pela “plena unidade” entre católicos e ortodoxos. Ao mesmo tempo, denunciam-se os graves perigos representados pelo “secularismo, niilismo e relativismo”, segundo uma formulação tipicamente ratzingeriana. Como a indicar que o inimigo comum dos cristãos se esconde nas pregas da sociedade ocidental, mais do que no mundo islâmico.

A minha presença hoje, aqui, está destinada a renovar o compromisso comum de continuar ao longo do caminho rumo ao estabelecimento – com a graça de Deus – da plena comunhão entre a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla. Posso assegurar-vos que a Igreja Católica está pronta a fazer todo o possível para superar os obstáculos e para buscar, juntamente com os nossos irmãos e irmãs ortodoxos, meios cada vez mais eficazes de colaboração pastoral, tendo em vista essa finalidade. As divisões existentes entre os cristãos representam um escândalo para o mundo e um obstáculo para a proclamação do Evangelho.

(Divina Liturgia de São João Crisóstomo na festa de Santo André. Igreja Patriarcal de São Jorge. Istambul, 30 de Novembro)



Como Pastores, refletimos antes de tudo, sobre a missão de anunciar o Evangelho no mundo de hoje. Essa missão: "Ide, pois, ensinai todas as nações" (Mt 28, 19), hoje é mais atual e necessária do que nunca, também em países tradicionalmente cristãos. Além disso, não podemos ignorar o crescimento da secularização, do relativismo e mesmo do niilismo, sobretudo no mundo ocidental. Tudo isto exige um renovado e vigoroso anúncio do Evangelho, adequado às culturas do nosso tempo. As nossas tradições representam para nós um patrimônio que deve ser continuamente compartilhado, proposto e atualizado. Por este motivo, devemos reforçar as colaborações e o nosso testemunho comum diante de todas as nações.

(Declaração conjunta do Papa Bento XVI e do Patriarca Bartolomeu I. Fanar, 30 de novembro)


“Ele, Cristo, é a nossa paz” (Ef 2, 14). Inspirado pelo Espírito Santo, Paulo afirma não só que Jesus Cristo nos trouxe a paz, mas que Ele mesmo é a nossa paz. E justifica tal afirmação, referindo-se ao mistério da Cruz: derramando “o seu sangue” – ele diz –, oferecendo em sacrifício a “sua carne”, Jesus destruiu a inimizade “em si mesmo” e criou “em si próprio, de dois, um só homem novo” (cf. Ef 2, 14-16). Graça é a força que transforma o homem e o mundo: paz é o fruto maduro de tal transformação. Cristo é a graça; Cristo é a paz.

(Santa Missa no santuário de “Meryem Ana Eví”. Éfeso, 29 de novembro)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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