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Passos N.113, Março 2010

RUBRICAS

Cartas

strong>Fatos que nos mudam pouco a pouco
Desde outubro tive que me ausentar do trabalho de professor por doença (inexplicáveis tremores e falhas de memória). Não nego que esses dias foram densos de emoção: vocês tinham que me ver conversando com os alunos enquanto arrumava as minhas coisas na mala! No entanto, não me lembro de nenhuma emoção especial, algo que tenha ficado em meu espírito. O que ficou gravado foi a convicção de que Jesus de Nazaré é a vida da minha vida. Como cheguei a esse ponto? Recordando as centenas de milhares de vezes em que eu disse: “És Tu!”. E a cada vez não era simplesmente uma lembrança de eventos do passado, mas de acontecimentos que continuam em mim, que foram me transformando aos poucos. É como observar meu filho crescer e, um dia, me surpreendo ao ver que aquela calça jeans não cabe mais nele! Do mesmo modo, um dia, fico surpresa ao perceber que cresci. Jesus me é mais familiar, e agora eu O reconheço mais prontamente. Um colega me disse, outro dia: “Pelo menos você tem fé, o que a ajuda a superar essa situação”. Eu respondi: “Não tenho nenhuma intenção de superá-la, quero vivê-la. Não é uma tragédia; a minha felicidade não depende das circunstâncias, mas da Presença de Cristo”. Foi-me dada uma grande graça, e por isso não me sinto minimamente tentada a me apegar à raiva, à dor ou ao medo, deixando de lado a fé e a esperança. Sou grata por todo o amor e as preces, da parte da minha família, dos amigos e dos que me cercam; graças a eles, o Seu rosto tem ficado mais claro para mim. A caminhada é plena de alegria, porque a minha necessidade de vida, de significado e de amor emerge dolorosamente quando minhas mãos tremem demais ao tentar pegar alguma coisa, ou quando minha mente fica muito confusa ao seguir um raciocínio. Outro dia, quando o tremor me impedia até mesmo de levar à boca uma colher de sopa, levantei os olhos e ali estava Mel, que parecia não fazer nada, nem mesmo se espantava com minha insuficiência, apenas me olhava com muito amor, amor que era uma resposta à minha intrigante fraqueza.
Bea, Clearwater (EUA)

Aprendendo dia a dia
Tenho 15 anos e conheci o movimento Comunhão e Libertação há dois anos por um amigo meu, o Jonas. Eu nunca tinha ouvido falar desse Movimento, então, curiosa, resolvi ir às férias dos colegiais em Conceição de Ibitipoca (MG). Nunca na minha vida tinha visto ou vivido uma experiência tão maravilhosa quanto aquela. Eu estava ali com os meus amigos e pessoas que eu nunca tinha visto antes, mas que, naquele momento, se tornaram tão especiais para mim. Eu estava distante da minha família, num lugar onde só tinha mato, mas foi ali que eu comecei a dar valor a tudo o que eu tinha. Foi um encontro que mexeu totalmente com a minha vida, aliás, com o meu destino. Hoje, tenho dois anos de Movimento e não sei o que seria da minha vida agora sem esses amigos, e tem uma pessoa que colocou todos eles no meu caminho e que guia essa amizade verdadeira: é Cristo. Ele nos mostra que, apesar das brigas e de ficar distantes entre nós, Ele sempre vai estar conosco e jamais vai nos abandonar. Apesar dessa caminhada eu percebo que não conheço quase nada, e nesse ano novo que chegou, estou começando a ver o Movimento com outros olhos e isso me faz ficar mais encantada com tudo isso que vivo a cada dia.
Nathalya, Rio de Janeiro – RJ

A um centímetro do nosso rosto
Fiquei muito impressionada com a provocação do folheto das Tendas da Avsi: “Quem é Jesus para você?”. No início, me pareceu uma frase de propaganda. No entanto, bastou um minuto, dar uma olhada no folheto, para que tudo se transformasse: foi uma provocação à minha vida. É como se alguém se visse diante da mesma pergunta que João e André fizeram quando se encontraram com Jesus: “O que buscais?”. Eles não sabiam quem Ele era, mas aquele olhar correspondia, melhor do que qualquer outra coisa, ao que buscavam. Jesus faz a mesma pergunta a nós: o que estou buscando na vida? O que desejo? E essa pergunta é, hoje em dia, mais urgente do que nunca, como se não houvesse mais tempo a perder, como se não pudéssemos mais eliminar o desejo que nos constitui. É uma loucura: como na vida, o Senhor não nos poupa... chega a tirar devagarzinho tudo aquilo sobre o qual se apoiava a minha esperança – marido, filhos, amigos... Senti-me completamente vazia, com o coração em chamas, revoltada, sem entender. E quando chegamos ao limite, quando a pergunta sobre o sentido é enorme, nos vemos face a face com esse Tu, que nos ama ao ponto de não nos poupar a dor, para que possamos chegar a amá-Lo. Esse Tu que sempre me pediu que eu dissesse “sim” e que eu censurava. Esse Tu que não se cansa de me esperar, de se ocultar atrás das circunstâncias que nós não escolheríamos, mas tudo isso apenas para ficar a um centímetro do nosso rosto e dizer-nos: “Eu te amo, te amo tanto ao ponto de não te poupar nada”. E nesse centímetro de distância está todo o Seu amor à nossa liberdade, ao nosso eu, ao fato que cabe a nós decidir e reconhecer. O que nos permite ficar suspensos sobre um cheio? “O objeto descoberto pela fé”, isto é, esse Homem que João e André ouviam falar e a quem eles seguiam dia após dia, porque correspondia ao que o coração deles desejava. Depois disso, eles não mais o deixaram. Essa caminhada até Ele é o que me interessa na vida. Por Ele vivemos livres e seguros, porque nos apoiamos em Alguém que nos tomou pela mão e não nos larga nunca.
Carta assinada

Nenhuma evidência é obvia
Caro Carrón, há um mês, eu e meu marido perdemos um bebê, nosso quarto filho, no quinto mês de gravidez. A chegada do bebê não tinha sido acolhida, por mim, como eu gostaria, mas foi vivido num momento de grande cansaço físico e em meio a preocupações de ordem econômica. Na minha opinião, esse não era o momento, e nunca, como então, eu me senti tão pouco amada por meu marido; no delírio da situação, eu o acusava de realmente não se preocupar comigo. De qualquer modo, a realidade se impõe e eu procurei me “organizar” e “administrar” toda a situação presente e futura, planejando todos os mínimos detalhes para acertar as contas. Até que, um mês atrás, foi-nos dito que o bebê morrera. Mas como? – pensei – justo agora que tínhamos escalado a montanha da organização, enfrentando o mundo inteiro para receber bem o quarto filho! Justo agora que estávamos prontos para usufruir o lado bom da situação? “Senhor, o que queres de mim?” – pensei e rezei – “o que significa tudo isso?” Ainda incrédula e desorientada, eu e meu marido fomos ao hospital, onde nos explicaram que seria preciso provocar o parto. De noite, dei à luz o pequeno Matteo. Um anjo na pele da obstetra, no silêncio daquela noite, conversou calmamente comigo e, com graça, preparou o bebê para o sepultamento. Meu marido esperava do lado de fora do quarto e quando saí, na maca, para os últimos exames, ele me acariciou com a ternura do Mistério, retratado em seu rosto. “Que tola que eu sou” – pensei em meio às lágrimas –, “Deus não queria que eu administrasse, organizasse, planejasse; queria somente o meu sim, mesmo sem eu colher o resultado, por um mês que fosse, um dia, um minuto! E é o mesmo quando cuido dos filhos, limpo a casa, converso com os avós, vou ao trabalho”. Enquanto aguardava os últimos exames, sentia muita dor, mas também alegria, como qualquer mãe. E até mais, justamente porque é gratuito. Dei à luz três filhos, e nunca havia intuído tudo isso. Saí do hospital e, embora com dor, sentia a necessidade urgente de dizer aos meus amigos mais queridos: “Não tenham medo”. Telefonaram para me consolar, e era eu que terminava por consolá-los. Amigos, colegas e familiares se questionavam sobre o significado do acontecido, preocupando-se com a minha reação física e psicológica e concluindo timidamente: “Melhor assim”. Mas, para mim, isso era pouco. Porque não era esse o ponto. A lembrança daquela noite não é, para mim, um momento de dor, mas misteriosamente um momento de ternura, porque tudo foi um meio para Algo mais. Então, acabo encorajando aqueles que estão ao meu lado a “não temer”, a enfrentar o Mistério que age; os amigos me olham comovidos, enquanto com uma atenção especial e mais humana vou me ocupando com os afazeres do dia a dia. Experimentei que viver com a “certeza” mencionada na Escola de Comunidade não significa não ter projetos ou não ter que se ocupar com as circunstâncias, mas viver as mesmas com alegria e liberdade, pois conscientes de que a realidade é um meio e o sinal de um Outro. Basta estarmos mais presentes, mais educados para ver isso. E essa evidência não é óbvia.
Cinzia e Giuseppe

A deputada, Caravaggio e “aquele olhar”
Caríssimos amigos, depois da folga natalina, a retomada do trabalho. Responder aos muitos votos de boas festas recebidos. Este ano, decidi agradecer enviando um texto, em anexo ao e-mail, que era um artigo de Carrón publicado pelo Corriere della Sera antes do Natal. A resposta de uma deputada me impressionou: “Obrigado pelo texto anexado! Li-o com prazer. Esse olhar, eu vou procurá-lo, de vez em quando, na pintura de Caravaggio em San Luigi dei Francesi. Ali, captamos imediatamente essa nostalgia que bem conhecemos... Até logo e bom ano”. De fato, a Presença de Jesus volta a acontecer de forma inesperada e, sobretudo, conferindo ao real uma profundidade que o torna entusiasmante.
Sandro, Rímini (Itália)

O risco e a surpresa
Entre tantos encontros e desencontros ocorridos nas férias em Foz do Iguaçu, algumas situações que experimentei foram provocadoras e bastaram para que estivesse ali com a minha família. Tudo aconteceu no tempo d’Ele e permitiu que eu estivesse atenta aos Seus sinais. Há anos vivo a experiência do Movimento e foram muitos os insistentes convites ao meu marido – que se diz cético a tudo – para que participasse de alguns gestos e inúmeras foram as respostas negativas. Mas, desta vez, ele aceitou participar das férias, na condição de que realmente fossem férias, sem missas, sem textos, sem assembleias... Respondi que, mesmo com todos estes momentos, ele era livre para participar ou não e, assim aconteceu, embora tenha participado de alguns momentos. Mas, estando por ali, a situação me incomodava, sentia-me dividida, queria estar com o grupo, mas também não queria deixá-lo sozinho. Pedia: “Senhor me mostre o que fazer, pois o fato de ele estar aqui é um grande sinal”. Assim, decidi que deveria estar mais com ele do que com o grupo, pois ele ficaria menos constrangido. Após o nosso retorno, já em casa e com a rotina diária, ouvi meu marido falando aos amigos, com muita alegria e entusiasmo, sobre o passeio às Cataratas, os jogos, a competição com os Argentinos e a vitória do Brasil, a festa de carnaval... A cada instante fui me dando conta do quanto Ele é maravilhoso e providencia tudo em nossas vidas, e também por me mostrar que independente de quaisquer circunstâncias, o convite sempre deve acontecer, e que, para viver a nossa experiência, não preciso abrir mão de estar com a minha família, como devo ter feito tantas e tantas vezes. Obrigada, Senhor.
Carta assinada

Doação de si para a realização do eu
No ano passado, decidi aceitar a coordenação geral da Coleta de Alimentos em Ribeirão Preto. O que me motivou foi a minha consciência pessoal do fato de pertencer ao Pai. Eu buscava essencialmente viver esta relação do meu eu com o desejo grande de Infinito. Sei que a minha vida não me pertence. O meu futuro não me pertence. Só Deus sabe responder a tudo isso. Eu me sentia grata a Deus por tantas graças que vêm acontecendo na minha vida e decidi me doar e compartilhar alguns dons recebidos. No período de trabalho da Coleta, aprendi que quanto mais nos doamos, mais nos tornamos humanos, olhamos mais para nós e crescemos. Nesses anos de Movimento, aprendi a confiar nas indicações dos responsáveis que são propostos e por isso trocava ideia com os responsáveis em São Paulo, buscando sempre compreender as razões das minhas tarefas. Busquei promover a unidade, o diálogo e a troca de experiências entre os voluntários. Foi importante ter claro que a nossa companhia é guiada, para não corrermos o risco de fazer as coisas da nossa cabeça, como pude vivenciar em nossas reuniões com os voluntários em que algumas vezes precisei ser mais dura e inflexível. A defesa da minha tese de Doutorado ocorreu na semana da Coleta. Confesso que naqueles dias não me sentia disponível para o gesto, pois precisava me preparar e me concentrar para a discussão da tese. Li o texto de Dom Giussani sobre a caritativa e ele dizia para manter a ordem, empenhar o tempo livre, mas não atrapalhar o trabalho e o estudo. Assim, consegui colocar limites para mim e dividi as tarefas com o nosso grupo. Na véspera da Coleta, fui conversar com o gerente do supermercado, levar banners e cartazes. Quando cheguei em casa meus pais haviam feito um delicioso jantar. Minha mãe havia limpado a minha casa e lavado minhas roupas. Foi muito gostoso sentir essa sensação de ser cuidada e amada gratuitamente. No dia 7 de novembro, Dia da Coleta de Alimentos, em cada turno de voluntários eu procurava olhar nos olhos deles e “agradecer com alegria” a presença deles ali. Procurava fazer o serviço burocrático, mas com atenção a eles, buscando identificar o que mais desejavam fazer ali. Comoveu-me o trabalho de um voluntário sem a mão que mostrou habilidade melhor do que os outros em montar e fechar as caixas. Aos voluntários comunicativos eu pedia para ficar na entrada do supermercado distribuindo os panfletos. Eu solicitava dois em cada lugar, para também estarem em companhia e se motivarem. Uma outra voluntária me marcou, pois mesmo com sua deficiência na perna ficou em pé na entrada da loja. Entusiasmou-me vê-la lá apresentando seu belo sorriso e sua explicação do panfleto para todos os clientes que passavam. Desempenhou com alegria sua tarefa sem reclamar de nada. Tive outros encontros significativos com os voluntários e procurei olhar para cada um na sua singularidade. Vivenciei um encontro único com cada voluntário. No momento de meu cansaço, busquei olhar para os rostos amigos, como o da Estela, que aderiu ao trabalho. Sua presença ali foi de ajuda e de força para continuar de pé até o final. Tivemos a parceria de um grande grupo de adolescentes voluntários do Colégio Viktor Frankl junto com a professora Mara. Eles fizeram bonitas experiências e relataram que alguns clientes foram a suas casas buscar algum produto para doar. Eles tiveram interesse em conhecer onde ficava o Banco de Alimentos. Depois, a professora Mara os convidou para um jantar em sua casa para conversar sobre a experiência. Bonito que daí nasceu o entusiasmo da diretora da escola, que abraçou o gesto e colocou no planejamento das atividades de 2010 que os alunos participem do Dia da Coleta. Saímos do supermercado às 21h, após fechar a logística. Naquele momento, o gerente estava ao meu lado interessado em saber o total arrecadado. Ele esperou a contagem e iniciou espontaneamente a compartilhar sua vida. Ali senti uma humanidade nova, uma grande gratidão pelo trabalho realizado por cada um de nossa equipe de voluntários nos três supermercados, aos que me ajudaram na preparação, a ir atrás de patrocinadores, na divulgação da Coleta e principalmente àqueles que me ajudaram a doar sua pessoa e o seu tempo no dia 7 de novembro. Todos desejamos ser amados e respeitados como pessoa humana. Segundo Dom Giussani, uma cultura só pode nascer de um gosto de viver. Eu senti que vivi intensamente aquele dia da Coleta até o fim, sem olhar para meu cansaço e limite humano. Como a bela frase de Leopardi: “Tudo é pouco, pequeno demais para a capacidade da alma!”, diante do trabalho e do sucesso da Coleta, temos sede de Infinito! “Por isso é preciso celebrar Cristo, festejar Cristo”.
Joelma, Ribeirão Preto – SP

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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