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Passos N.113, Março 2010

DESTAQUE - DOM GIUSSANI | O QUINTO ANIVERSÁRIO

“Deu o ‘lá’ à minha vida”

por Paola Bergamini

Quando o ouviu falar pela primeira vez, Edoarda era uma noviça cheia de questionamentos. Daquele dia nasceu uma amizade que nunca mais se perdeu. E que “deu um nome” a tudo aquilo que ela vivia. Vivendo-o juntos

Milão, início da década de 1970. Irmã Edoarda, da ordem Maria Bambina e inspetora do departamento de cirurgia infantil do Hospital Mangiagalli, dirige-se com passos decididos para a aula magna. Vai acontecer um encontro sobre educação: o relator é um “certo” Dom Luigi Giussani. Este encontro faz parte de um ciclo de palestras sobre ética que o padre profere para a turma de enfermagem. Giussani fala do homem, diz que a primeira de todas as construções, a fundamental, é a do humano. Lança-se contra a repetição mecânica e fala de uma educação ativa dirigida a cada pessoa em particular que nasce do relacionamento entre educador e educando. Suas palavras são fortes, mas têm um tom afetivo que toca o coração de irmã Edoarda. Quer conhecê-lo. Precisa conhecê-lo. É uma jovem noviça e está em um momento particularmente difícil de sua vida. Um dia, espera-o fora da sala onde iria dar uma aula. “Padre, preciso falar com o senhor.” “Agora não posso.” “Vou esperar aqui até que o senhor tenha um tempo.” “Não tenho muito tempo.” “Bem, então ‘perca’ um pouco dele. Dê-me um instante.” “Você é teimosa! Vem.” Uma hora de conversa. O início de um relacionamento pessoal que durou trinta anos, encontrando-se ou falando por telefone, às vezes apenas uma ou duas vezes por ano, até a morte de Dom Giussani.
Hoje, irmã Edoarda Cassi, 72 anos, faz seu trabalho de assistência pastoral a doentes e seus familiares no Hospital Niguarda, de Milão. Quando nos encontramos, a primeira coisa que me disse foi: “Aquele homem deu o ‘lá’ à minha vida. Antes de ver-me como freira, olhou-me como pessoa. O relacionamento sempre foi forte, dialético, não deixava passar nada. E eu não era condescendente se não entendia. Fazia parte da minha vida”. Para e olha-me fixamente: “Não sei se você me entende”. Um pouco, entendo. Voltemos ao primeiro encontro? Seu rosto se ilumina. Tem o olhar de uma criança. Aos 72 anos, com véu e túnica branca é possível ser muito bonita. Escrevi alguns trechos daquela primeira conversa pela imediatez de fé que ela me comunicou: Dom Giussani: “O que você está fazendo no mundo?”. Irmã Edoarda: “Eu me vi aqui!”. “Você é realmente difícil!” “Padre, a cruz, a dor que eu vejo todos os dias, que significado...” “É preciso dar-lhes um nome.” “Então, ajude-me a dá-lo. Eu não sou capaz.” “Aceite com benevolência e construa sua existência não sobre o resultado imediato, mas sobre aquilo a que você é chamada. Você não ama o Homem que deseja encontrar você: Cristo. Ele quer você ali, onde há dor e tristeza. Ser consagrada não significa ser privilegiada. O cálice que eu uso para celebrar a Eucaristia não tem valor algum a não ser pelo uso que eu faço dele, mas o uso me é dado por Cristo. Para você, é a mesma coisa.” “Padre, eu não entendi tudo. Se precisar, posso telefonar?” “Pode.”
Do Hospital Mangiagalli, irmã Edoarda foi transferida para Valtellina para trabalhar nas obras sócio-pastorais onde foi solicitada a presença de uma religiosa. Depois, trabalhou junto à Caritas de Bérgamo, e em Brescia, mudando de cidade para onde precisavam dela. Por fim, há seis anos, voltou para Milão no Hospital de Niguarda. E, durante esse tempo, sempre houve os telefonemas e os encontros com Dom Giussani.
Na pequena sala em que nos reunimos, perguntei por que confiou nele. “Era uma pessoa digna de confiança. Primeiro, porque era um homem de Deus, sem retórica. E eu disse tudo. Tinha o dom da intuição divina. Não perguntava nada por curiosidade, mas apenas porque gostava de você, queria o seu bem. Um dia, eu lhe disse: ‘Tente desejar menos o meu bem!’. Ele respondeu: ‘Deixe que eu decida. Você, procure seguir em frente. Precisa descobrir o que o Senhor quer de você’. Ia além das emoções, dos sentimentos, das reações. E sempre me repetia: ‘A Pessoa que existe em você busca a sua confiança’. Tinha um relacionamento extraordinário com Deus. Mas, o extraordinário era que apontava para o homem enquanto tal.” Sempre que precisava, ela lhe telefonava. Como quando, uma vez, no hospital, estava atendendo um rapaz em estado terminal por causa de um acidente de carro. O pai estava ao volante e a mãe, ao lado dele. Saíram ilesos. O jovem não queria mais vê-los. Irmã Edoarda tentou de todas as maneiras fazê-lo reconciliar-se com os pais. Nada adiantava. Um dia, telefonou para Dom Giussani e explicou a situação. Ele disse: “Você não confia em Deus. Você está me falando de você. Por isso, o jovem não consegue fazer o que você pede”. E ela: “Eu o passo a você. Está aqui ao meu lado”. “Passe-me! Aceita seus pais!” O jovem morreu um mês depois e, nos últimos dias, pediu a presença dos pais. Naquela noite, irmã Edoarda telefonou para Dom Giussani: “O senhor foi poderoso! Deu-me o ‘lá’ mais uma vez. Aquele rapaz era outro”. E, do outro lado do aparelho, Dom Giussani disse: “Mais uma vez você estava se fiando no que é imediato. Você deve se interessar por aquele rapaz. Então, se quiser, reze por ele três terços, de joelhos”. “É muito.” “Continua agindo como pagã.”

“Mas, para que serve?”. Sorri enquanto me conta o episódio, mas o que impressiona é a energia com a qual fala. Nenhuma palavra daqueles encontros foi perdida, todas viraram carne na sua vida. E é um rio transbordante: “Percebia que aquelas conversas mudavam a minha vida. Estava serena, confiante em mim mesma...”. Fica calada um instante. “Quando sinto vontade de criticar, se não é algo positivo, digo a mim mesma: ‘Mas, para que serve?’. Dom Giussani me ensinou isso: ‘É preciso criticar, não somos tolos, mas criticar como pessoa inteligente’. Fez nascer em mim a vontade de viver para Deus e, desse modo, trabalhar para Ele.” Muitas vezes, isso, para irmã Edoarda, não foi fácil. Sempre foi alérgica a estruturas e formalismos. “Aprendi a aceitar. Não, usei o verbo errado. Aceitar tem algo de passivo. Aprendi a compartilhar, mas compartilhar com Ele, não com o mal ou com o limite.”

“Como uma graça”. Um dia, Dom Giussani telefonou para dizer que estava doente e acrescentou: “Confia em quem você é, esteja certa por Quem você vive”. Ela respondeu: “Não entendo. Vou visitá-lo e o senhor me explica”. Agora, os olhos refletem aquele último encontro. Giussani disse: “Sempre fui duro porque sabia que o Senhor queria muito de você. Cristo está com você. Você tem um relacionamento profundo, cristão, com as pessoas”. “Você me ensinou.” “A culpa não é nem sua nem minha. A existência de Deus entrou em você.” Depois, falou da dor e da cruz: “Compartilhar a cruz é a maneira mais radical para entender que ser cristãos – e, sobretudo, consagrados – não é uma questão de registro civil, é uma questão de decisão, um gesto da fé que decide fazer o caminho com Jesus, da maneira de Jesus. Mas se a cruz nos coloca essa exigência – é importante que eu o diga –, o faz como uma graça, uma graça que torna possível e perdoa. O Senhor, primeiro disse: ‘Eu estou contigo’, depois: ‘Vem e segue-me’. É a fidelidade de Cristo a você”. Irmã Edoarda lê essas últimas frases em uma folha. “Ontem à noite escrevi essas linhas para não esquecer nada. Tinha medo de não ser clara. Posso dizer que aquele foi um encontro celestial. Agora chega. Preciso ir.” Está tudo claro! Na pequena alameda, enquanto me acompanha até a saída, conta: “Uma vez, estava em Bormio, cuidando de um doente de leucemia. E tinha muita dificuldade. Telefonei para Dom Giussani e disse: ‘Não consigo. Pode vir ver esse rapaz?’. No dia seguinte, ele chegou. Ficou com o rapaz durante duas horas. Ele era assim”. Despedimo-nos. Vejo-a ir embora com passos rápidos e decididos, como naquele dia nos corredores da Mangiagalli.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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