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Passos N.114, Abril 2010

RUBRICAS

Cartas

Só Cristo vence a morte
Caríssimo padre Carrón, minha mulher Elena morreu, de repente, no último dia 24 de outubro, com 35 anos e um filho de 8. Começo dizendo que encontrei o Movimento há 25 anos. O encontro com aqueles jovens mudou para sempre minha maneira de enfrentar e viver o cotidiano, favorecendo uma tendência “totalizante”. Em 1993, eu me formei. Depois, desde 1996, ano em que conheci Elena, até sua morte, passei 15 anos envolvido com minha carreira e totalmente dedicado à família. Não participei mais da vida do Movimento, não fui mais à missa, não participei de gesto de nenhum tipo. Apenas uma recorrente e sistemática necessidade de poder voltar a viver aquela experiência de abandono que tinha me dado tanta liberdade anos antes. A impossibilidade de tornar atual aquela companhia me fez “maldizer” tê-la encontrado. Na realidade, foi preciso que Elena morresse para que eu percebesse uma série de evidências que nunca mais me deixarão viver como antes. É incrível a aparente violência com a qual o Mistério age. No dia em que Elena morreu, percebi tragicamente que ela era a razão pela qual eu vivia. Olhava com entusiasmo as vitrines para poder voltar para casa e compartilhar o que tinha visto, o que tinha acontecido no trabalho, o dinheiro, a casa na praia, o barco, tudo existia, antes de mais nada, porque existia Elena. No momento em que ela se foi, dei-me conta de que vivia, antes de tudo, por ela (e, portanto, depois, por meu filho). E por ser assim, surgiu a exigência de uma “razão racional” que me permitisse seguir em frente. Na homilia do funeral, padre Emilio disse: “Não há palavras que possam responder a acontecimentos como estes, mas há uma posição com a qual podemos estar diante deles. Para ajudá-los a entender: é como se um pai, que acabou de voltar para casa, caminhasse em direção ao próprio filho que está ali esperando-o e lhe desse um tapa no rosto, forte, fazendo o filho chorar. O filho, em lágrimas, o que faria? Sairia correndo? Ou talvez, mais provavelmente, se atiraria em um abraço desesperado ao pai, perguntando: ‘Por quê? Por que isso?’. Então, eu agora estou assim, dolorido, atordoado me perguntando por que, mas dentro de um abraço”. Voltei-me para olhar o caixão de minha mulher e, depois, para todos os presentes. Naquele instante, surgiu uma serenidade no meu coração a ponto de me sentir contente. Naquele momento, nasceu a grande consciência de que a vida de Elena estava se realizando e eu estava ali, ao seu lado, acompanhando-a no dia de sua realização. Este era o significado do matrimônio. E não era importante entender o porquê, mais importante era aceitar que, no Mistério do incompreensível, este era um fato que podia acontecer, como aconteceu. Da razão à fé, disse Dom Giussani. Comecei a entender: na subtração da pessoa que mais amei em toda a vida, a afirmação de algo de incompreensível, gritante, incômodo, mas presente. Como a morte. Entender a passagem para a fé, não teria acontecido se não por meio de um novo passo de consciência: aceitar que a morte de Elena pertencia ao Mistério da vida não anularia a dramaticidade que eu julgava insustentável. Depois, a presença constante, discreta, contínua de rostos amigos, velhos e novos tornou isso possível. A capacidade de testemunhar um amor que transcende a própria pessoa tornou evidente a presença de um corpo amigo que não nos deixa sozinhos. A partir disso, nasceu uma consciência, quase banal: se é verdade que sempre ouvi dizer que “Cristo vence a morte” e isso sempre foi abstrato e totalmente formal, agora, para mim, é uma experiência viva. Cristo, a companhia de Cristo, no Mistério da Sua presença, por meio do seu corpo, das pessoas, dos amigos, vence a morte. Cristo torna-se a presença de um corpo que se aproxima, me toca, janta comigo no sábado à noite, vai ao cinema com meu filho, me acompanha ao cemitério, canta comigo, fala e me permite viver a morte de minha mulher como o maior gesto de amor que ela jamais poderia exprimir se estivesse viva. Nada mais poderá ser como antes. Agora eu sei. Por isso, estou certo de que preciso testemunhar aquilo que me aconteceu. Não pelo acontecido, mas por aquilo que o que aconteceu carrega consigo. Estou conhecendo muitas pessoas, que me perguntam como é possível tudo isso. Uma alegria muito evidente, com uma dor inevitável dentro. E a resposta não pode deixar de ser o anúncio: a presença de Jesus Cristo, por meio do Seu corpo místico, isto é, a Igreja, isto é, a companhia do Movimento, isto é, a companhia das pessoas com as quais compartilhamos o cotidiano. Isso é Cristo, hoje, para nós, para mim.
Maurizio, Monza Brianza – Itália

Nova York, o chão e a cultura que renasce
“Se há um lugar que não desejo visitar, é Nova York.” Eu pensava assim antes de encontrar Comunhão e Libertação. Vindo de uma cidadezinha com uma única parada na rua principal, a Grande Metrópole me aterrorizava. E, então, como era possível, participando do New York Encounter, sentir-me em minha casa e – o que mais importa – sentir-me amada? Parece ridículo escrever, mas era como se, em certo sentido, a cidade fosse “minha”. Como isso é possível? Contemplando a vista de Manhattan, sabia que o meu povo estava ali. O New York Encounter não foi simplesmente um encontro do qual participei, foi uma experiência vivida do olhar de Cristo. Quando encontrei monsenhor Albacete pela primeira vez, perguntei-lhe o que os crentes podiam fazer para construir a cultura católica. Sua surpreendente resposta foi algo como: “Não é algo que você possa fazer; a cultura católica deve nascer”. Na época, eu não tinha a mínima ideia do que isso queria dizer, mas agora faço exatamente parte desta iniciativa que nasceu, não como um projeto, mas por meio de um povo que experimenta o Seu olhar que se derrama sobre tudo, da literatura à música, à política, ao cinema. Cada coisa pode ser enfrentada e julgada. Assistindo a A Paixão de Joana D’Arc, lembrei-me de quando tentei assistir a este filme mudo por conta própria, há alguns anos: depois de quinze minutos, desliguei o DVD; era muito difícil. Agora, no New York Encounter, assisti e ouvi extasiada o filme inteiro, acompanhado por uma orquestra e um coro. E, assim, entendi que o melhor da arte é também um “trabalho” do qual é preciso participar. Agora, de volta a Crosby, os arranha-céus e a pompa da metrópole não existem mais. Limpo o chão da minha cozinha e voltei para a rotina cotidiana, mas meu coração está sereno. Cidade pequena ou metrópole. Não é isso o que importa, porque o mesmo evento que vi em Nova Iorque, aquela mesma vida está acontecendo exatamente aqui onde moro: está nascendo a cultura católica.
Marcie, Crosby – EUA

Apaixonados por Cristo, portanto, pelo trabalho
Estou no último ano do curso de odontologia em uma universidade no Rio de Janeiro. Nesse período não fazemos monografia, temos apenas uma pontuação para cumprir em atendimentos a pacientes, e somos avaliados por essa produção. Temos um mínimo de pontos para cumprir em cada disciplina, como 250 pontos em dentística (estética), 300 pontos em prótese, etc. Essa forma de avaliação leva em consideração apenas o aluno, mas não o paciente, que é tratado como uma “máquina de produção”. Pessoas que precisam de prótese, por exemplo, não são atendidas, pois alunos que já cumpriram produção nessa área dispensam aquele paciente para atender outros e cumprir a meta necessária. Quem nos procura são pessoas carentes, que muitas vezes moram longe e não têm dinheiro nem para a passagem de ônibus. Isso me deixava muito inquieto. Nesse período conheci uma paciente que se tornou uma amiga. É uma pessoa que tem alguns problemas mentais e toma remédios, mas é uma mulher viva. Nosso primeiro contato foi já brigando, pois ela está sendo atendida nesse sistema há três anos e sempre que terminam “a produção” que precisam a dispensam, mas ela tem outros tratamentos que precisam ser feitos e o caso dela nunca chega ao fim. Quando a conheci, ela estava já irritada com os professores e alunos da universidade (com razão) e, sempre desconfiada, me perguntava se eu iria terminar mesmo o atendimento com ela ou a iria abandonar como os outros fizeram. Eu dizia que iria até o fim. Num determinado momento, meu professor me diz que ela teria que ser dispensada, pois o caso dela era muito complexo. Fiquei muito irritado, pois não era justo que essa moça voltasse para casa sem muitos dos dentes, e cheia de problema na boca. Pedi para conversar com os diretores da universidade. Tivemos uma discussão forte. Falaram que a vida de trabalho era mais do que ficar atendendo os outros por pena. Mas isso não me deixava tranquilo. Em um determinado momento da discussão eu disse: “Estou disposto a sacrificar a minha produção (pois como o caso dela era muito extenso eu poderia não cumprir a pontuação e ser reprovado) para que essa moça possa ter o atendimento aqui. Não nasci para cuidar dos outros por pena, mas não posso deixá-la ir embora, pois ela já está aqui há três anos e ninguém fez nada! Essa moça precisa voltar a mastigar carne direito”. Nesse momento os diretores presentes começaram a se dar conta de que algo estava errado e aceitaram atender essa moça, e um diretor que quase não ia à clínica (pois cuidava mais da parte burocrática) passou a atendê-la algumas vezes comigo e viu que não era apenas ela que estava sendo transformada em uma “máquina de produção”. Nessas discussões nasceram alguns relacionamentos bonitos, como com este diretor, e com a paciente, que me disse: “Sei que tomo remédio de gente maluca, sou tratada por médico de gente maluca, mas não sou burra e você foi o único que no meio dessa selva de pontos olhou para mim!”. Algumas semana depois, ela levou a sua família na universidade para que eu os conhecesse. Essa discussão também acabou gerando alguns incômodos e uma professora passou a me perseguir e tentar me reprovar, mas graças a Deus, como por milagre, eu consegui cumprir a produção toda. A vontade que eu tinha não era a de mudar nada, mas sim a de me relacionar com a realidade. Quero ser útil no trabalho, quero ser útil na universidade, tenho um desejo de bem muito grande, de fazer as coisas direito, mas só tive coragem para fazer isso, e enfrentar tudo (poderia não falar nada e ficar tranquilo), pois tive esse olhar de alguns amigos que foram e são rostos de um olhar de ternura tão grande para mim que me mudou completamente. E foi esse olhar que alcançou aquela paciente na minha universidade: o olhar de Cristo. Saio desses quatro anos de universidade com a certeza de que eu não nasci para ser dentista, nasci para mais, nasci para me doar a um Outro, para que as pessoas que me encontrem se sintam amadas como eu fui, e para isso posso ser qualquer coisa: porteiro, executivo, estar numa cama vegetando como a Eluana estava, ou ser como os pacientes do padre Aldo que estão à beira da morte. O que interessa para a vida é o testemunho de Cristo. Hoje, sou mais apaixonado pela odontologia, pois sou apaixonado por Cristo. Em janeiro desse ano, recebi um e-mail da minha representante de turma dizendo que o diretor vai mudar a forma de pontuação da universidade, que existe há muitos anos, e tinha escrito a seguinte frase: “A partir de agora não é a necessidade de vocês se formarem, mas sim a dos pacientes que sentam na cadeira de vocês”. Cristo faz mesmo nova todas as coisas.
Carta assinada

Desafiados pela Beleza
Em abril do ano passado, fui aos Exercícios dos universitários (CLU), em São Pedro – SP. Até então, eu não sabia nada sobre CL e só fui, na verdade, pela minha amizade com a Camila. Graças a Deus eu fui, pois foi incrível! Hoje, reconheço que tudo o que me aconteceu ocorreu a partir dessa amizade com ela. Depois que comecei a participar do Movimento, pude perceber mais esse desejo de Cristo que eu já tinha e não conseguia entender o que era. A Escola de Comunidade se tornou essencial para mim, e sempre tentava fazer o possível para viver essas coisas de verdade, viver com a intensidade que eu já queria e não percebia. E é claro que me apaixonei por tudo isso. Faço estágio desde junho do ano passado, e ali encontrei uma pessoa com quem eu me dava muito bem e conversava muito livremente: minha chefe. Com ela, eu falava sobre minha vida, faculdade, e, com o tempo, sobre Deus. Aos pouquinhos, comecei a falar sobre o Movimento, e ela sempre me perguntava mais coisas e se admirava como jovens, ainda hoje, conseguem viver com essa mentalidade. Eu sempre andava com o livro É possível viver assim?, pois, quando tinha tempo, sempre dava uma lidinha. Um desses dias, ela me perguntou que livro era, mostrei a parte que eu estava lendo e coisas que marquei. Logo depois, ela abriu a carteira, pegou o dinheiro e me pediu para que eu comprasse um para ela. Eu o entreguei na segunda-feira e na semana seguinte ela reuniu outros colegas e pediu para eu contar para eles sobre o Movimento. Ao terminar, ela sugeriu que fizéssemos Escola de Comunidade no nosso setor. Cada uma das pessoas que estava lá deu uma desculpa e ela acabou desistindo da ideia. Depois, fui à sua sala e disse que poderíamos fazer só nós duas. Ela questionou se poderia mesmo e se poderia ser feita no local do trabalho. Eu expliquei que sim, que já fazíamos quando a gente sentava e conversava sobre nossa realidade, quando falávamos sobre o livro, quando discutíamos o Evangelho. Eu fiquei fascinada com aquele desejo que ela demonstrou e disse que queria conversar com outras pessoas para saber um pouco mais, porque estou há pouco tempo no Movimento. Conversei com a Luciana e com o Leandro, do Rio, e eles me fizeram ver mais ainda como aquele fato era incrível. Não consegui falar com quem eu queria para perguntar mais sobre como seria tudo isso, mas um dia, lendo a Passos, li uma matéria que gostei muito e levei para minha chefe e resolvemos conversar sobre isso na semana seguinte. Tem sido uma amizade muito bonita para mim, e esse desejo dela de crescer espiritualmente – como ela costuma dizer – me chama muito a atenção e me faz querer ser igual. Começamos a rezar o Angelus todos os dias (por sugestão do Duda de São Paulo), a fazer Escola de Comunidade, e com ela, adquiri o hábito de ler o Evangelho todos os dias. Tem me ajudado muito, pois é uma amizade que a cada dia me faz olhar mais para Cristo de uma forma mais bonita e percebo o mesmo pelo lado dela. Quando o Carrón esteve em São Paulo, agora em março, tivemos o privilégio de ter um encontro dos universitários e jovens trabalhadores com ele e nesse encontro perguntaram como podemos fazer para ajudar nossos amigos no caminho. Carrón disse que o que podemos fazer de melhor para ajudá-los é continuar o nosso próprio caminho, viver intensamente a nossa vida, que ao contarmos nossas experiências, eles perceberão a Beleza que estamos vivendo e possivelmente terão o desejo de que aconteça a mesma coisa com eles. A questão é desafiar por meio da Beleza que estamos vivendo. Carrón disse também que o sim de Dom Giussani chegou a nós, mesmo sem o conhecermos e sem ele nos conhecer. Ele simplesmente disse sim! Não pensou na gente, mas o sim dele coincidiu com o nosso bem. Não sabemos como o nosso sim pode chegar aos nossos amigos, assim como Dom Giussani não sabia como o dele chegaria a nós. Esses amigos nos foram dados, e eles serão cuidados pelo mesmo que nos deu, não precisamos nos preocupar. Para mim, depois de ouvir isso, não dá para não querer contar a meus amigos o que acontece de bonito na vida.
Marília, Brasília – DF

“Assim, atrás das grades, nós também estávamos próximos ao Santo”
Caros amigos, estamos na prisão há mais de quinze anos, onde vivemos experiências dramáticas, que no entanto nunca nos levaram a pensar concretamente em querer acabar com tudo. Depois, quando já parecia que nada pudesse mudar as coisas, vieram experiências e encontros que iluminaram nosso longo e difícil percurso, porque ainda há um longo caminho a percorrer uma vez que somos condenados à prisão perpétua. Mas, quando o próprio conhecimento começa a se ampliar, um conhecimento que vai além do limite da razão comum, sentimos uma mão forte que nos sustenta, que nos guia... a fé em Jesus Cristo. Com essa força se adquire esperança, liberdade, obediência, e até a pobreza ganha um valor imenso. Nestes dias, acontece em Pádua algo excepcional: a exposição dos despojos do nosso Santo: Antônio. Como gostaríamos de estar lá! Estar perto dele para que ele sinta todo o nosso afeto e devoção! Alguns dos nossos companheiros tiveram a oportunidade de ir. Somos sinceros em dizer que, sem maldade, invejamos essa possibilidade que, a nós, por causa do tipo de nossa pena, não foi permitida. E, então, ávidos por saber como foi, pedimos que nos contassem sobre a emoção e a beleza única daquele encontro, o clima que se respirava e a bênção que receberam por uma tal oportunidade. Porém, de alguma maneira, nós também estávamos na Basílica com Antônio, porque, pelas orações, nossa alma estava lá, e temos certeza de que ele nos ouviu, como também sentiu a nossa presença. Nós sentimos muito a sua, aqui, entre esses muros de concreto armado, com grades nas janelas, que aprisionam nosso corpo, mas não nossa fé e nossa alma. Portanto, isso também é obediência: o dizer sempre “sim” a Jesus, aceitando inclusive este sofrimento e entregando-nos, por meio de nossas orações, à vontade do Senhor.
Marino e Alberto, Pádua – Itália

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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