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Passos N.114, Abril 2010

DESTAQUE - Assembleia AMÉRICA LATINA

Unindo as fronteiras

por Isabella Alberto

Uma explosão de vida. De histórias e perguntas. Chegaram a São Paulo mais de duzentas pessoas, do Brasil e América Latina. E, no entanto, cada um estava ali por si mesmo. Algumas palavras sobre os três dias de confronto, que são furo de uma revolução em ato: uma amizade que se expande a cada dia pelo Continente. Porque faz descobrir (ou redescobrir) “um fato sem precedentes”

A estrada de São Paulo a Vargem Grande Paulista, a 47 km da capital, está em obras e o caminho para quem chegava do aeroporto ou das rodovias foi dificultado. Naquela sexta-feira o sol também estava forte e queimava a pele durante o trajeto. Mas nada disso pôde diminuir o desejo que moveu 280 pessoas de dezessete países de toda a América Latina, do México ao Uruguai, a se reunirem por três dias com Julián Carrón. Diante de todos, ele os saudou assim: “O método de Deus é uma graça. Portanto, ficamos curiosos para saber como serão estes dias”.
Ao chegar à casa de Mariápolis, local do encontro, a acolhida era calorosa. Trinta jovens universitários, dos quais cinco argentinos e os demais brasileiros de todos os cantos do país, se desdobraram em todos os serviços de ordem e secretaria para permitir a realização da Assembleia de Responsáveis da América Latina (ARAL), ocorrida de 5 a 7 de março. O tema? Está ressaltado na faixa gigante ao fundo do palco: “O que deveria vibrar em nossos olhos todos os dias”. E é o que se viu naqueles dias. Em uma parola, uma amizade.
Logo no início do encontro, Carrón centralizou a questão: “A primeira coisa a vencer é o formalismo. Devemos estar presentes com toda a intensidade do nosso ‘eu’. O eu é si mesmo quando é consciente da própria necessidade, do grito que vibra em cada fibra do seu ser. E por isso sentimos a urgência de alguém que nos possa ajudar. Este é um momento de trabalho para nos ajudarmos. Para que possamos voltar com uma novidade que nos permita retomar o que deixamos.”
Na primeira noite, três amigos foram convidados a contar suas experiências, enfatizando as novidades que veem nestes anos de mudanças na América Latina. Cleuza Ramos Zerbini, de São Paulo, foi a primeira. Ela é presidente da Associação dos Trabalhadores Sem Terra (ATST): “Essa amizade tem nos ajudado a viver a vocação dentro da Associação. Quero aprender com padre Aldo o mesmo olhar que ele tem com os doentes, para que eu o tenha também com o pessoal da associação. Todos os amigos que tenho hoje na América Latina me ajudam a viver os dramas da Associação”. Padre Aldo Trento, do Paraguai, que se dedica a diversas obras em Assunção, como o hospital para doentes terminais, vive um maravilhamento constante: “Precisou que se passassem 19 anos para que eu entendesse que é o ‘eu’ que me move. Sou cristão e por isso posso ser seu irmão. Buscando a minha salvação, buscando dizer Tu a Cristo, no seguimento a Carrón, nasceu uma unidade latino-americana. Eu sou testemunha de um homem que pode nascer novamente”. Para concluir, falou Rosetta Brambila, de Belo Horizonte. Ela chegou ao Brasil há mais de trinta anos e coordena as obras educativas Padre Giussani. Tendo atravessado tantas situações dramáticas, afirmou comovida: “Carrón foi como um terremoto que faz tudo começar do início, de uma realidade palpável. Eu estou aprendendo como se fosse uma nova escola. Todo dia estou diante do meu limite, mas também diante da alegria da misericórdia de Cristo vendo um horizonte: é a possibilidade de permanecer sempre jovem”. Julián de la Morena, mediador na mesa, sintetizou: “Este encontro nos ajuda a ver o impacto das palavras de Carrón nos dias de hoje. O que encontramos é maior do que qualquer fragilidade”.

UM OLHAR SOBRE TUDO. O sábado começou com chuva forte. Durante o café, um pouco de conversa. A maior parte fala espanhol, mas nos entendemos bem. Alguns se conheceram nas férias de Foz do Iguaçu, e aos poucos os rostos se tornam familiares. Stefania, do Equador, conta sobre seu trabalho em creches para as amigas de Brasília. O trabalho é semelhante, é uma ocasião para aprender coisas novas. Os mineiros falam animadamente sobre o acampamento de carnaval ao reencontrar alguns amigos que estiveram presentes neste ano. Padre Leonardo, da Venezuela, explica a situação política de seu país a alguns amigos de São Paulo.
Às 9h45 todos se reuniram para a assembleia de perguntas com Carrón. A maior parte dos amigos do Chile que haviam sido convidados não pôde participar ao vivo devido ao forte terremoto que abalou o país poucos dias antes, mas, graças ao trabalho dos técnicos, foi possível que eles assistissem à assembleia de sábado por transmissão de internet. Após as Laudes e alguns cantos, são resumidas em poucas palavras o conteúdo das 110 colocações recebidas. Os temas recorrentes foram a referência a olhar sem medo a própria humanidade; a grande comoção positiva nos encontros com Cleuza e Marcos Zerbini em diversos países; a experiência das férias de Foz do Iguaçu; a dificuldade de julgar; como viver no próprio ambiente testemunhando o encontro feito. As perguntas são deixadas em aberto. Padre Carrón quer ouvir quem pode ajudar a respondê-las. As pessoas se agitam para falar. Brasil, Argentina, Venezuela... As contribuições chegam de todos os lados. Carrón é enfático: “Nós repetimos um discurso, mas não fazemos experiência. Para mim, funcionou quando eu aceitei a aprender algo que achei que já soubesse. Este é o desafio da Igreja. Um velho pode ser mudado? Vale a pena se o núcleo do meu ‘eu’ não pode ser renovado, modificado? Por isso, digo que a fé tem data de vencimento. Se isso não for possível, voltamos para casa. Se não fizermos o percurso no final o ceticismo vence”. Diante de uma dificuldade colocada por Carolina, Carrón lhe ajuda a mudar o foco do olhar: “Quando veio Jesus, Ele não ficou bravo com os tempos, mas instituiu o cristianismo. Você precisa se modificar. Isso é o que vemos, cristãos bravos com os outros porque não são como eles gostariam. Ao invés disso, é preciso dar testemunho. Dom Giussani sempre falou isso: dar testemunho em qualquer lugar, no trabalho, na escola etc.”. Suas palavras são doces. Abraça quem as ouve. Em jogo, está sempre o eu. E ele desafia a todos: “Nós temos razões para falar com um colega de trabalho? Ou então estamos em um ambiente que, para não incomodar a ninguém, ficamos quietos”. Muitas mãos foram levantadas, mas o tempo não foi suficiente para todos se colocarem. A assembleia prosseguiria à tarde.
Pausa para o almoço. No restaurante, os jovens usam touca e avental para ajudar a servir a comida. O local não é muito grande e alguns precisam aguardar o segundo turno. É hora, então, de passar pela banquinha de livros com publicações em português, espanhol e italiano. Ela se tornou um ponto de encontro. Muitas pessoas passaram por lá, paravam para conversar, se conhecer. Às vezes, diante de uma publicação ou CD, começavam a falar de suas vidas. Pepe, o jovem argentino responsável pelas vendas, fez muitas amizades por ali. Junto com Camila e Daniela, quebravam a cabeça para fazer as contas em três moedas: Real, Dólar americano e Euro.

A VERIFICAÇÃO DA FÉ. Retomaram-se os trabalhos. Desta vez foram propostos grupos divididos por temáticas. Cada um foi convidado a se inserir livremente onde seria mais ajudado: Companhia das Obras e Política; Obras Sociais; Obras Educativas; Mostra latino-americana sobre a independência. Compartilhando o que vivem em seus países, percebemos que, muitas vezes, as dificuldades são as mesmas, e a proposta de um novo olhar sobre o trabalho, pode ser vivida em qualquer lugar e em qualquer situação. Paralelamente a esses grupos, Carrón encontra-se com os jovens universitários. Alguns já estavam ali trabalhando como voluntários. Muitos outros chegaram do Rio, Brasília, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo, especialmente para este momento. Os jovens puderam expressar livremente para ele suas perguntas mais prementes – trabalho, estudo, namoro, família... – e Carrón, sem respostas prontas, os ajudou a percorrer o caminho.
No final da tarde, todos voltaram ao salão. Marcela é a primeira a se colocar e tem um intenso diálogo com Carrón: “A pergunta surge da vida. As perguntas surgem do impacto com a realidade. Quem sou eu diante da dor? Olhe para sua vida e veja como surge essa dor. Não é que precisamos nos separar de nossa vida e de maneira abstrata formular uma pergunta”. Em seguida, diante da descrição de Aníbal sobre alguns fatos ocorridos na Argentina, Carrón provocou a todos novamente: “Estamos vendo a destruição do humano hoje. O que fica precisa ser usado para recomeçar. Até que ponto a incidência do carisma corresponde ao problema real da vida? Nós não podemos permanecer no antes. Precisamos ir ao mais profundo de nossa humanidade. Como é possível viver o cotidiano na situação de destruição do humano sem um trabalho?”. Para concluir, diante de uma questão sobre o seguir, ele não deixou dúvidas: “Se o que serve para mim não serve para vocês, vocês têm que seguir outras coisas. Para mim, interessa verificar Cristo. Não tenho interesse em defender o que faço. Cada um de vocês pode julgar o que está vendo”.
No sábado à noite, mais dois testemunhos: Pedro Samaniego, do Paraguai, que dirige uma casa-abrigo para menores infratores. Ali os jovens são recuperados e não querem mais ir embora: “O verdadeiro protagonista disso tudo é Cristo. Eu sou o primeiro necessitado”. Em seguida, Camilo Santa Bárbara, de Aracaju, contou sua trajetória, como, a partir de uma humanidade ferida, doente e com medo da morte, buscou a Cristo. E, ao encontrar o carisma de Dom Giussani, encontrou uma vida nova: “A minha vida ganhou um gosto e uma intensidade que me deixam livre. Isso me confirmou que somente Cristo me satisfaz”.
No final de cada noite, um bar com música ao vivo funcionava até tarde. Era mais uma ocasião de encontro e convivência. A intensidade daqueles dias se refletia também ali. O desejo de estar perto, de conversar, de tocar era tanto, que era difícil sucumbir ao sono e deixar os amigos.

UMA PROPOSTA PARA TODOS. Domingo de manhã. Centenas de malas foram deixadas na recepção. Todos acordaram cedo, pois os primeiros voos sairiam às 12h e foi pedida a colaboração de todos. O canto I wonder (eu me maravilho) ajudou a perceber do que se tratava. Carrón começou comentando a música: “De onde surgiu um canto assim? De um eu comovido até a medula por este gesto absolutamente imprevisto e sem precedentes, por Deus que vem ao mundo morrer por um pobrezinho como eu e você”. E em seguida ele colocou diante de todos a frase de Dostoiévski: “Pode um homem culto de nossos dias crer, crer realmente na divindade do filho de Deus, Jesus Cristo?”. A resposta foi pedida a cada um, e não podia ser um fato do passado. “Só podemos responder a essa pergunta se, verdadeiramente, aconteceu para mim hoje. É possível, hoje, acreditar em Jesus? É razoável, é coerente? Essa é a grande batalha, porque se o cristianismo não for capaz de penetrar no mais profundo do nosso ser, fica de fora.” É preciso um trabalho. É preciso identificar-se com Dom Giussani, um dos poucos que levou a sério essa pergunta e gerou um povo. “Cristo se revela diante de nós para nos ajudar a responder, mas precisamos estar com a humanidade desperta para reconhecer.” Ninguém é poupado. “Pode hoje o cristianismo, nestas condições históricas, modificar um povo? Estamos dispostos a participar desta batalha? Se nos deixamos ser moldados pelo carisma isso é possível. Eu não tenho outra coisa mais interessante para doar minha vida do que a essa. Responder à pergunta só é possível se eu empenho minha razão, não só meu sentimento.” Cristo abraçou a Zaqueu e a Madalena na sua humanidade sangrenta. Basta deixar-se abraçar. O caminho já foi traçado por Dom Giussani. Agora, resta a cada um de nós, se formos leais com nossa própria humanidade, percorrer a mesma estrada, acolhendo a amizade que nos é proposta.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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