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Passos N.114, Abril 2010

CULTURA - SEGREDOS MATEMÁTICOS

Descoberto o código da Criação

por Martino Cervo

As últimas descobertas confirmam: a mesma proporcionalidade que inspirou as pirâmides dá beleza às flores, regula a geometria dos átomos, corre inclusive em nosso sangue... Mas o que é que se descobre ao explorar o mistério da “seção áurea” e dos números ocultos na harmonia da realidade? É o desafio que se propôs uma mostra que será apresentada no próximo Meeting de Rímini. Que falará da relação entre a razão e o infinito

“Basta-me observar com admiração a estrutura do mundo, na medida em que ela se deixa captar pelos nossos inadequados sentidos”, dizia Albert Einstein. “Ciência e fé não podem andar juntas, porque a fé pressupõe crer cegamente em algo revelado no passado”, disse Umberto Veronesi. Entre os dois extremos há um abismo ilimitado e um tormento para cada um de nós: o conhecimento do mundo e o que ele significa para o meu eu e para a vida.
A acessibilidade à estrutura da matéria – do átomo aos sistemas astronômicos – é um mistério laico que sempre colocou o homem frente a uma estranha mistura de coisas certas e, ao mesmo tempo, incompreensíveis. A grande ilusão cientificista do Positivismo, que pensava em determinar todo o conhecimento humano (inclusive as ciências sociais), sofreu um duro golpe com o Princípio de indeterminação de Heisenberg: não se pode estabelecer simultaneamente a velocidade e a posição de uma partícula. Portanto, um grande paradoxo: o método que devia esclarecer tudo para sempre escancarou um universo sem solidez compreensível, da luz às partículas, dos números às estrelas.
Os números. Justamente os números são um mistério inflamável em que as frias fórmulas sabem transformar-se não só em enigmas para definir o Q.I. (quociente de inteligência), mas em trajetórias de conhecimento e de provocação à razão. Voltamos a falar de números depois de uma recente descoberta que recolocou nas páginas dos jornais a proporção áurea: a relação perfeita da harmonia, que já fora identificada pelos gregos, que a utilizavam tanto na representação da figura humana quanto na arquitetura. A descoberta é que esse número corre inclusive em nosso sangue: 150 mil pessoas, colocadas sob o microscópio durante anos, por uma universidade austríaca, revelaram que a saúde melhor, medida em termos de expectativa de vida, é um dom para homens e mulheres que têm, entre a pressão arterial máxima e a mínima, a citada proporção. Que é uma relação igual a 1,618..., pois se trata de um número irracional (a metade da soma de 1+v5, isto é, uma das duas soluções possíveis para a equação x2 - x - 1 = 0).
A seção áurea, codificada no âmbito grego, é uma obra-prima matemática que oculta o mistério da reprodutibilidade perene. Exemplo clássico: unindo as diagonais de um pentágono regular obtemos tanto um pentágono menor e virado para dentro da figura, como um triângulo (chamado, justamente, de áureo) que tem como vértices os dois vértices “baixos” do pentágono e aquele mais alto; esse triângulo tem uma proporção de 1,618 entre os dois lados, isso porque a relação entre o lado longo e o lado curto é igual àquela entre a soma dos dois lados longos.

O METRO DO MUNDO. O segredo da harmonia oculta dá resultados em geometria, música, arquitetura, química, zoologia (as conchas crescem segundo essa proporção) e até na botânica: as pétalas e a disposição de muitas plantas são reguladas por essa sucessão, que também é a de Fibonacci, em que cada número é a soma dos dois anteriores: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, e assim por diante. Na medida em que a série avança, a relação entre um número e o anterior se aproxima com maior exatidão do velho 1,618, um verdadeiro metro do mundo, captado pelo olho antes que pelo raciocínio, antes de tudo estético e depois matemático.
É completando esse procedimento (natureza-fórmula-representação) que os gregos esculpiam o Partenon e as estátuas, ou que Leonardo da Vinci inscreveu o seu homem vitruviano em círculos e quadrados. No entanto, o homem capta e reproduz uma relação existente, mesmo antes da sua codificação. O número oito, que completa de modo estável o grupo de elétrons que orbita em torno do núcleo de cada átomo, é o que garante a certos elementos químicos (os gases nobres) não reagirem com outros elementos. É assim, independentemente do fato de os cientistas o terem descoberto só depois de fazerem dele usos aplicativos.
Ainda mais recentemente, a seção áurea despontou no infinitamente pequeno: no final de janeiro, a revista Science noticiou uma pesquisa que encontrou o número “mágico” nos sistemas quânticos em escala atômica. Em resumo: um particular sistema de átomos responde, quando “perturbado”, como se fosse uma corda de violino, gerando o equivalente a “notas” cujas vibrações estão em relação aproximada com o 1,618.
O tormento volta cada vez mais forte: por que isso acontece? Por que a natureza “escolhe” modelos matemáticos? A única resposta é uma série de perguntas que envolvem a função e o próprio sentido da especulação matemática e científica. Seria uma chave para descobrirmos o arcano do mundo e revelá-lo aos eleitos, como uma longa tradição esotérica tentou fazer no curso dos séculos, atribuindo significados místicos, políticos, religiosos aos números ou a certas figuras geométricas (o pentágono, a estrela de cinco pontas...)? Ou é um sinal, quase que um convite à penetração da energia cognoscitiva do homem seguindo uma trajetória ditada pelo próprio objeto?

NÃO BASTA REPETIR. É nessa segunda direção que vai a mostra que está sendo preparada nestes meses e que será exposta no próximo Meeting de Rímini (de 22 a 28 de agosto de 2010). O título definitivo ainda está em gestação; trabalham nele vários cérebros, entre os quais o professor Marco Bramanti, do Politécnico de Milão; Francesco Prestipino, diretor e professor de matemática; Giovanni Naldi, professor da Universidade Estatal de Milão; Claudio Giorgi, professor titular de matemática em Bréscia; Carlo Sozzi, físico da Universidade Bicocca de Milão; e, pelo Centro Euresis o astrofísico Marco Bersanelli e o professor de física aplicada Tommaso Bellini, entre outros
Raffaella Manara, professora de matemática, uma das curadoras da mostra, conta alguma coisa: “A ideia inicial é organizar uma trajetória que ofereça a possibilidade de uma introdução na experiência de quem se ocupa da matemática. O tema do Meeting 2010 (“A natureza que nos leva a desejar coisas grandes é o coração”) foi um convite extraordinariamente claro. Queremos mostrar que o conhecimento da matemática é uma dessas ‘coisas grandes’. A matemática não é apenas um truque ou uma magia, sensação produzida por algumas de suas maravilhas: esta dura até que se compreenda o seu porquê, e esse é justamente o trabalho do matemático. Mas para entender é preciso método, não basta repetir mecanicamente. Trata-se de uma trajetória de descoberta, de verdade e de beleza. É mais fácil sair à procura de aspectos quase mágicos, cabalísticos: a história fala dessas tentativas, experimentadas durante toda a Idade Média e, sobretudo, durante o Renascimento”.

DAS FRAÇÕES ÀS ESTRELAS. Na realidade, o Meeting tem a intenção de espalhar laicidade, inclusive no terreno da matemática. “A descoberta de proporções ou repetições matemáticas nas estruturas naturais ou humanas é uma experiência extraordinária de beleza e de verdade, mas é preciso usar sempre e plenamente a razão. Dou um exemplo. O mundo medieval atribuía altos níveis de significado aos números: o 8 era o símbolo da passagem do finito para o infinito, e muitos batistérios eram, por isso, octogonais. Mas isso não tem nada a ver com o conceito de número. Atribuir ao 8 um determinado significado não depende do número 8. No entanto, para entender as catedrais é preciso também entender esse significado. Ao mesmo tempo, é maravilhoso e muito belo descobrir essa harmonia na natureza, nas plantas, ou nas frações, mas a coisa não tem nada de místico. É um pequeno sinal; quem faz matemática admira sobretudo a potencialidade do pensamento. Mas, de novo, essas potencialidades não têm nada de místico.”
A mostra será, pois, uma exaltação da maravilha do pensamento, tal como ele se revela na matemática: “Também aí é um pensamento gerado pela experiência. Uma longa, trabalhosa e fascinante passagem do ver ao pensar. Citemos o grande matemático italiano Ennio De Giorgi, Einstein, e padre Florensky, que é um dos símbolos mais extraordinários da unidade da pesquisa humana”. Também é uma tentativa de humanizar uma disciplina erradamente percebida como insossa ou, pelo menos, abstrata. “Um dos grandes problemas de quem trabalha com a matemática é a comunicação, pois a linguagem simbólica é menos conhecida de muita gente, embora presente na vida de todos. Mostrar, inclusive visivelmente, como a razão humana é estruturalmente predisposta para o infinito é o desafio que nos colocamos, com a coragem que vem da nossa experiência e da nossa paixão. A admiração inicial é apenas o ponto de partida do verdadeiro conhecimento, é o pontapé inicial para todo o trabalho do coração humano: o que se compreende intuitivamente é submetido a um processo que o reforça e o torna muito mais seguro, e aí a matemática realiza uma aspiração de todo ser humano, mesmo se prescindindo do conteúdo ao qual se aplica.”

AMPLIAR A RAZÃO. O dualismo de Veronesi não se sustenta, porque o problema do homem não é aderir a soluções teológicas, mas conhecer o sentido das coisas segundo o ímpeto que o move. Disse o Papa Bento XVI, em 2006: “É preciso ampliar os espaços da nossa racionalidade, reabri-la às grandes questões da verdade e do bem, conjugar entre si teologia, filosofia e as ciências, no pleno respeito aos próprios métodos e à recíproca autonomia, mas também na consciência da intrínseca unidade que as mantém juntas”. Nessa grande obra, a matemática, com a sua beleza não imediatamente acessível, mas por isso mesmo mais profunda e plena, é a vanguarda da razão.

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Da neve a Debussy

O “número de ouro”. Com ele, o artista se remete à Criação. Se grandes e antigas arquiteturas, obras pictóricas e composições musicais nasceram da harmonia de um número com infinitos algarismos depois da vírgula (1,6180....), é porque “dentro” da realidade circundante essa harmonia já existia. Decifrada por esse número.
Chama-se f (fi). Como a inicial do escultor e arquiteto grego Fídia, que lhe deu o nome. É o número que representa a seção áurea: a relação entre duas grandezas, diferentes entre si, onde a maior é meio proporcional entre a menor e a sua soma. É a relação que faz com que uma parte esteja em proporção harmônica com o todo.
É encontrada na composição de um girassol visto no microscópio, na geometria das borboletas, nos cristais de gelo dos flocos de neve. No corpo humano. Se for um corpo proporcional, repete da cabeça aos pés essa relação (a distância do cotovelo à mão, por exemplo, multiplicada por 1,618 dá o comprimento do braço).
Pode ser vista nos animais: nos chifres em espiral de um carneiro, numa estrela do mar com cinco pontas. Nos minerais, na química. Na botânica: na disposição das folhas numa haste, na disposição das pétalas de uma margarida, numa pinha. Todas “figuras” que apresentam esquemas que podem ser remetidos à seção áurea e aos números da sucessão de Fibonacci. Uma sequência de números inteiros naturais, estreitamente ligada à “divina proporção”, na qual cada cifra é a soma das duas anteriores. E a relação entre dois termos sucessivos se aproxima muito rapidamente daquele “áureo”. Há, pois, uma dimensão harmônica, presente na natureza viva bem como na criação artística. Aquela que surpreendemos na relação entre a base e a altura da pirâmide egípcia de Quéops. No retângulo “áureo”, várias vezes repetido na arquitrave do Partenon de Atenas. Ou numa espiral logarítmica, como aquela que cria a escada em caracol da abadia beneditina de Melk. Até à música. Claude Debussy é um dos compositores que mais ficaram fascinados com as proporções da seção áurea. O exemplo mais rigoroso é a obra para orquestra La Mer, baseada no “número de ouro”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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