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Passos N.115, Maio 2010

APROFUNDAMENTOS

“A aventura da educação”

por Julián Carrón

Introdução ao encontro com o cardeal Angelo Bagnasco.
Milão, Palasharp, 18 de março de 2010

“O tema principal para nós, em todos os nossos discursos, é a educação: como nos educar, em que consiste e como se desenvolve a educação, uma educação que seja verdadeira, ou seja, correspondente ao humano” (Giussani, L. Educar é um risco. Trad. Neófita Oliveira e Francesco Tremolada. Bauru, SP: Edusc, 2004, p. 13).
Nenhuma outra frase de Dom Luigi Giussani explica de modo tão claro e definitivo quanto esta como o carisma que lhe foi doado encontra, na educação, sua dimensão mais decisiva. Sua preocupação constante – que por graça de Deus tornou-se também a nossa – foi a de “educar o coração do homem da forma como Deus o criou” , ou seja, a de recordar e apoiar sua abertura incansável à realidade, impelida pelos desejos inatos e pelas exigências inextirpáveis que constituem o tecido desse coração, antes de qualquer condicionamento cultural e social.
No atual momento histórico, uma vez mais, o desafio mais decisivo que nos preme é justamente o da educação. Há dois anos, o santo padre Bento XVI lembrou essa urgência a todos os cristãos e homens de boa vontade: “Educar nunca foi fácil, e hoje parece tornar-se sempre mais difícil. Sabem-no bem os pais, os professores, os sacerdotes e todos os que desempenham responsabilidades educativas diretas. Fala-se por isso de uma grande ‘emergência educativa’, confirmada pelos insucessos com os quais com muita frequência se confrontam os nossos esforços para formar pessoas sólidas, capazes de colaborar com os outros e dar um sentido à própria vida. [...] Precisamente daqui nasce a dificuldade talvez mais profunda para uma verdadeira obra educativa: na raiz da crise da educação está de fato uma crise de confiança na vida” (Bento XVI. Carta do papa Bento XVI à diocese e à cidade de Roma sobre a tarefa urgente da formação das novas gerações, 21 de janeiro de 2008).
Vem desaparecendo, portanto – está bem à vista de todos -, a solidez do humano. Em certo sentido, nós temos vivido da renda de uma tradição. Agora que o cristianismo, a tradição, é cada vez menos incidente, e prevalece algo completamente diferente, nós nos vemos ante uma paralisia, uma incapacidade de interesse por qualquer coisa (como bem sabem os professores que entram em suas salas de aula todos os dias).
Com seu dote profético, Dom Giussani, já em 1987, identificava esta deriva, que hoje constatamos por toda parte: “É como se todos os jovens de hoje [e em nossos dias, podemos dizer, também muitos adultos] tivessem sido atingidos pelas radiações de Chernobyl [por uma enorme explosão nuclear]: o organismo, estruturalmente, é igual ao que era antes, mas dinamicamente já não é o mesmo. Houve uma espécie de sujeição fisiológica imposta pela mentalidade dominante” (Cf. Giussani, L. A pessoa contra o poder. Comunhão e Libertação, nº 5, julho-agosto de 1987, pp. 4-5). Essa mentalidade provoca uma estranheza diante de nós mesmos, que nos torna abstratos na relação com a nossa própria pessoa e afetivamente esvaziados. A consequência é aquele “misterioso torpor” a que se referia Pietro Citati há muitos anos. Tudo isso expõe a profundidade da crise. Não é em primeiro lugar uma crise de natureza moral, mas uma verdadeira crise do humano.
A que recorrer, então, para começar de novo? Não podemos recorrer à tradição, que é completamente desconhecida para muitos ou, naqueles em que ainda restam alguns vestígios dela, está gravemente fragmentada. O único ponto de apoio que temos é aquele que nenhum poder pode destruir e que se mantém sob todos os escombros possíveis: a “experiência elementar” do homem, seu coração, que contém as exigências constitutivas de verdade, beleza, justiça...(Giussani, L. O senso religioso. Brasília: Universa, 2009, p. 24).
É aqui que o cristianismo pode, mais uma vez, mostrar sua verdade e dar uma contribuição decisiva, onde todos os outros têm fracassado. Essa contribuição só será possível se a atual circunstância histórica – tão difícil – for enfrentada como uma grande aventura, como uma oportunidade para uma nova autoconsciência da natureza do próprio cristianismo. De fato, uma fé reduzida a ética ou a espiritualismo (e a isso a modernidade reduziu o cristianismo) não é capaz de responder ao desafio. A história tem dado ampla documentação disso. Só um cristianismo que se apresenta em conformidade com sua verdadeira natureza, ou seja, a de “fato histórico” que se demonstra numa humanidade diferente, pode ser capaz de dar uma contribuição real nesta situação problemática.
Se é assim, “onde é que a pessoa pode voltar a se encontrar?”, perguntava-se Dom Giussani. “A resposta que estou para dar não se limita à situação em que nos encontramos [...]; é uma regra, uma lei universal estabelecida desde quando o homem existe: a pessoa reencontra a si mesma num encontro vivo, ou seja, numa presença com que se depara e que desencadeia uma atração, [...] que provoca para o fato de que o nosso coração, com aquilo de que é constituído, com as exigências que o constituem, existe.” O que nos move é uma presença, uma presença que produz uma perturbação carregada de razoabilidade, um levante do nosso coração. Essa presença leva a voltar a encontrar a originalidade da própria vida, ou seja, “uma correspondência à vida segundo a totalidade de suas dimensões. Enfim, a pessoa se reencontra quando, nela, abre espaço uma presença – esta é a primeira evidência – que corresponde à natureza da vida; e assim o homem já não vive na solidão” .
Dois são os fatores de um renascimento da experiência educativa. Em primeiro lugar, a consciência do método. A única coisa capaz de despertar o eu de seu torpor não é uma organização ou uma advertência ética mais violenta, mas o fato de se deparar com uma diversidade humana. Para que isso possa acontecer, são necessários – este é o segundo fator indispensável – adultos que encarnem em sua vida uma “resposta plausível” (como a definia, em Gênova, Sua Eminência o cardeal Angelo Bagnasco, na homilia da missa pelo quinto aniversário da morte de Dom Giussani), uma resposta que possa ser oferecida aos outros. Trata-se de uma extraordinária possibilidade de verificação: participando da aventura da educação, ou seja, procurando introduzir outros homens na totalidade do real, fica claro, sem nenhuma possibilidade de abstração, se nós, em primeiro lugar, participamos ou não da aventura do conhecimento. Dom Giussani sempre nos disse que a forma da educação é a “comunicação de si mesmo” , ou seja, da nossa própria maneira de nos relacionar com a realidade; por isso, só podemos educar se nós mesmos, em primeiro lugar, aceitamos o desafio da realidade, inclusive os temores, as dificuldades, as objeções. É isso, justamente, que mostrará a todos o alcance da fé como resposta às exigências de um homem razoável de nosso tempo. E é isso que tornará para cada um de nós entusiasmante e cheia de esperança a aventura da educação.
Pelo encontro desta noite, portanto, gostaríamos de corresponder à preocupação educativa da Igreja italiana, repetida mais uma vez recentemente nas palavras de nosso arcebispo, Dionigi Tettamanzi (durante a missa pelo quinto aniversário da morte de Dom Giussani): “O juízo cristão sobre a realidade, a formação da consciência segundo a fé cristã, se apresenta como fundamento e força do empenho educativo que representa, sem dúvida nenhuma, como sempre repete o Santo Padre, uma das atuais prioridades pastorais da Igreja. Os bispos italianos pretendem aceitar esse desafio e o apresentam como decisivo para a próxima década pastoral. Creio que o ensinamento, a vida e as obras de Dom Giussani tenham a esse respeito ainda muito a oferecer a nossas comunidades” (Tettamanzi, D. “Un’eredità spirituale e pastorale da vivere”, Homilia da missa do 5º aniversário da morte de Luigi Giussani. Milão, 22 de fevereiro de 2010) .
Arrancar o homem do torpor, chamá-lo ao ser: esse é o nível elementar e decisivo da educação. E isso só é realmente possível, como resultado, se aceitamos e se torna nosso o olhar com que Cristo olha para a realidade: “Deus se doa, dá a si mesmo ao homem. E Deus, o que é? A fonte do ser. Deus dá ao homem o ser: dá ao homem a existência; concede ao homem ser mais, o crescimento; concede ao homem ser completamente ele mesmo, crescer até a sua realização, isto é, doa ao homem a felicidade” (Giussani, L. É possível viver assim? 2ª ed. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2008, p. 272).

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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