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Passos N.115, Maio 2010

TESTEMUNHOS - Moscou

O combustível da vida

por Fabrizio Rossi

Os responsáveis pelas comunidades do Movimento na Rússia, na Lituânia, na Bielorrússia, no Cazaquistão e na Ucrânia se encontram para aprofundar o trabalho de Escola de Comunidade. E para se ajudar a não censurar a ferida de sua humanidade. Porque, “sem essa pergunta, o carro não anda”

Desta vez, estavam em 63 pessoas, vindas de todos os cantos da Rússia além da Lituânia, Cazaquistão, Ucrânia e Bielorrússia. Chegaram para participar, nos dias 6 e 7 de março, da Diaconia dos Responsáveis de CL dos países da ex-União Soviética. Um final de semana juntos, hospedados em um dos institutos nascidos do carisma de São Giovanni Calabria, no campo cheio de neve a vinte quilômetros de Moscou.
Uma programação densa: sábado, duas assembleias com padre Stefano Alberto (padre Pino), que chegara de Milão alguns dias antes, e Dom Paolo Pezzi, que em Moscou, dirige a arquidiocese católica. Depois, o encontro com jovens do grupo de universitários de CL e à noite, um espetáculo baseado nos Contos Mínimos, de Aleksandr Solzenicyn, seguido de um debate com os atores. Domingo de manhã, a missa (ou a divina liturgia, porque entre os presentes também estavam vários ortodoxos, incluindo um sacerdote), seguida da palestra de padre Pino e dos avisos. E, depois, a volta para casa que, para muitos, significou inclusive uma noite no trem. Na abertura dos trabalhos o mesmo tema da Assembleia de Responsáveis da Itália, realizada em Riva del Guarda (no site de CL): “O que suscitou em nossa vida cotidiana o percurso da Escola de Comunidade?”. E, através das colocações, o que emergiu foi exatamente a sintonia com os amigos italianos: “É uma das coisas que mais me tocou: a milhares de quilômetros de distância, um passo comum”, diz padre Pino.
Toma como exemplo aquilo que Tajna contou na longa Assembleia (doze colocações) de sábado de manhã. Começou a dar aulas há um ano em uma escola na periferia de Moscou. Para entrar na escola, precisa subir todas as manhãs alguns degraus: “Não posso deixar de pensar nos degraus do Liceu Berchet que Dom Giussani subia. Agora, aqueles são os degraus que, no encontro com o Movimento, me levam a Cristo. Porque, se me apoiasse sobre minhas forças, apenas esperaria o final do meu horário. Mas, ao contrário, é diferente entrar na escola me apoiando em Cristo”. E aquele pedaço de realidade, pouco a pouco, muda: “Até alguns meses atrás, meus alunos eram vigiados pelos guardas. Agora competem para sentar nas primeiras carteiras e me enchem de perguntas”. Chegando a lhe perguntar, depois de uma aula, algo que lembrava a provocação de Dostoievski, desmontando-a: “Como pode um homem, dotado de razão, não chegar a Cristo?”. Então, conversamos sobre a fé. Não conseguem entender como seria possível não acreditar, diante de tantos sinais e testemunhos. E pensar que não sabiam nada de Cristo...”. “Bastou que eles se tornassem homens, para reconhecê-Lo”, responde padre Pino.

Dois mil anos queimados. Nossa humanidade, com todas as suas feridas, é o maior recurso que temos. Roman queria entender melhor: “Aos 26 anos, posso dizer que encontrei a resposta às minhas perguntas. No entanto, sempre sinto que falta algo...”. Essa nostalgia infinita é porque que não vivemos à altura do nosso coração? Temos sede por que erramos algo? Padre Pino desmonta a questão: “A nostalgia do infinito não nasce do meu comportamento. É o meu comportamento que nasce desta sede. E Cristo responde, mas não a elimina”. Dom Pezzi também reafirma isso, respondendo a Jurij, 42 anos, que se referiu às duas Escolas de Comunidade em Voronez, no sul da Rússia: “Achamos que precisamos ser mais eficientes. Isso é uma tentação, porque faz com que coloquemos entre parênteses aquilo que encontramos. A questão, porém, é deixar-se acompanhar por esta nostalgia, que nos lança em direção a Cristo”.
Diante d’Ele, o ponto não é a ética: “Pensem em Zaqueu ou na Samaritana”, disse padre Pino na palestra de domingo. “E aquilo que vimos nestes dias é a mesma coisa: homens e mulheres mudados, em caminho. É Cristo que acontece”. O mesmo encontro é possível hoje: “É queimada a distância de 2000 anos”, tinha dito dois dias antes, apresentando a edição russa de "Na Origem da Pretensão Cristã", para uma plateia de cerca de oitenta pessoas, na Biblioteca do Espírito, no coração de Moscou. Ao seu lado estava, Aleksandr Filomenko, filósofo e teólogo da Universidade Federal de Char’kov (Ucrânia). Que, como ortodoxo, reconheceu a importância das obras de Dom Giussani na Rússia: “Mostram que o cristianismo não é uma ideologia ou uma tradição cultural, mas o encontro com Deus. Uma experiência real que envolve a razão do homem”. E o próprio fato de que ele também participou do encontro (“sem perder nada, com os olhos escancarados como uma criança”, contam os amigos da comunidade) testemunha que o seu interesse é bem maior que um interesse acadêmico.

Posso ir com você? Homens e mulheres mudados. É possível perceber isso porque pessoas, que até o dia anterior se lamentavam, agora vivem as circunstâncias como ocasião para conhecer mais Cristo. Por exemplo, é o que acontece com Lena, estudante do terceiro ano de Letras em Novosibrisk. Na Assembleia contou que em setembro aconteceu “uma coisa” que a obrigou a ficar em casa com a irmã e a mãe. Durante alguns meses, não pode ir ao cinema ou passear com os amigos: “Mas, exatamente naquele período, na Escola de Comunidade, lemos que ‘as circunstâncias são fatores essenciais da nossa vocação’. Então, me perguntei o que isso tinha a ver com a minha situação”. Começando a observar, também ali, o que vivia na comunidade. Tanto que a mãe começou a lhe perguntar por que aqueles amigos eram assim tão importantes, a ponto de ela querer participar de um encontro. “E, quando soube que faríamos uma festa de aniversário, me pediu: “Posso ir com você? Eu cozinho!”. Em suma, se você vive uma novidade, as pessoas percebem. Andrius, que é psicólogo em Vilnius, contou o que ele e seus amigos ouviram de algumas pessoas que participaram de um encontro sobre a família, organizado por eles em dezembro: “Agora temos mais esperança”. Um juízo que surpreendeu, mas que entendeu melhor apenas um mês atrás: “Fiz uma palestra em uma reunião sobre mulheres divididas entre o trabalho e a família. Diante das objeções de uma feminista, expliquei que em uma família o ponto não é medir se é o homem ou a mulher que tem mais tarefas: “Família significa que o outro faz parte da concepção que tenho de mim”. Então, uma conselheira do Município de Vilnius disse: “Depois dessas palavras, sinto-me mais segura”. Assim, me perguntei: o que ela viu em mim? Mais do que fantasia: ali, senti fisicamente que aquele era Cristo”.
Por isso, ao invés de nos iludirmos de podermos nós mesmos resolver os problemas, resta apenas uma coisa a fazer: “Dar-se conta daquilo que o Mistério opera, sem mudar o método”, disse padre Pino. “Mas Cristo só pode entrar se não censuramos a ferida da nossa humanidade”. Às vezes basta pouco para reabri-la. Como uma pergunta lançada por uma mãe apreensiva. “Dois dias antes do encontro, minha mãe me perguntou: ‘Por que você vai?’”, conta Tanja, que estuda filologia em Moscou. “Ela não conseguia entender. Sou ortodoxa e desde menina sempre fui à igreja: o que ainda me faltava?”. Então precisei ir a fundo no motivo que me move: “Entendi que venho por causa do olhar de amor que só encontro aqui. Graças ao Movimento, agora começo a ver o nexo entre Cristo e a minha vida”. Com seus altos e baixos, alegrias e a nostalgia. “Mas, como essa tristeza pode ser positiva?”. “Se nasce de uma falta e contém um pedido”, responde padre Pino. “É o oposto do desespero de quem já entendeu tudo e não precisa de nada. A tristeza é sempre o desejo de algo que é indispensável para caminhar. Essa pergunta é o combustível da vida: sem ele, o carro não anda”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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