“Aturar a vida é igual a morrer”, escreve uma jovem ao seu professor. É como se gritasse: “Quero ser feliz”. Mas é possível viver assim, como homens, aos dezesseis anos? Fomos ver o que acontece no mundo dos estudantes, e descobrimos dezenas de histórias, fatos, olhares. Uma teia de relacionamentos que fala de jovens que começaram a levar a vida a sério
“Aturar a vida: é como se já estivesse morta, e morrer é a última coisa que eu quero”, escreve Aida ao seu professor. “As pessoas que estão próximas dizem que não tenho nada de que me lamentar porque tenho tudo aquilo de que preciso... Quanta baboseira! De vez em quando penso que estou maluca, que é um problema apenas meu e que é fruto dos meus complexos”. Paulo também tem muitas perguntas. Tem vontade de falar com alguém sobre a sua vida e sobre como se sente. Mas com aqueles amigos, aquela companhia de balada, não era possível. Talvez fosse melhor não inventar tantos problemas. Depois, conhece “duas pessoas esplêndidas”. Paolo volta aos amigos: “Eu vi, tem uma outra maneira de viver”. Resposta? “Chega dessas bobeiras, filósofo!”. Porém, uma estrada se abriu. Como para Marianna que, depois de anos, reencontra uma amiga e quando pergunta “como vai?”, ela responde: “Estou feliz por viver”. A menina conta sobre os amigos que encontrou, e como sua vida mudou. Marianna se cala. E depois, de repente, diz: “Quero ficar com você e com seus amigos. Quero isso que você está dizendo, para a minha vida”.
“Não somos loucos”. Deparamo-nos com dezenas de histórias como essas durante o ano de trabalho para “absorver” o mundo dos jovens colegiais. Cartas e depoimentos de fatos que, da “banalidade” de uma hora de estudo à dramaticidade da morte de um amigo ou de uma pessoa querida, têm um denominador comum: é possível viver como homens aquilo que acontece. Como homens. Levando a si mesmos a sério, mesmo aos dezesseis anos.
“Você não está louca, Aida. Não somos loucos”, diz Franco Nembrini, professor e responsável pelos colegiais, no palco do teatro Dal Verme, de Milão. Dois mil colegiais enchem a plateia em um domingo de manhã, dia 7 de março. É o primeiro compromisso de uma série de encontros sobre o livro É possível viver assim?, de Dom Giussani. “O seu desejo, o nosso desejo é aquilo que sustenta toda a vida”, diz Nembrini. “O problema é encontrar algo ou alguém que carregue em si uma diversidade humana excepcional, que lhe corresponda”. Dois mil rostos grudados no palco, em silêncio, escutando alguém que fala sobre si e, ao mesmo tempo, parece falar por eles: “Eu já tive a idade de vocês. E, a certo ponto, percebi que tudo aquilo que fazia e que me agradava não se sustentava. Sentia e via as coisas ‘morrerem’. Algo as devorava e levava tudo embora”, continua o professor. Depois o encontro, que aconteceu em três dias de um retiro do Movimento, no início da década de 1970: “Não entendi tudo, mas na quinta-feira seguinte voltei para encontrar o grupo dos colegiais da minha cidade. Era um pressentimento de que ali havia aquilo de que eu precisava: ‘Façam-me vê-lo’, disse”.
Para Tatiana, estudante de Milão, aconteceu a mesma coisa. A escola, os amigos, o namorado. E aquela professora estranha que, na aula, fala de felicidade, de desejo, de coração, de Deus. Questões que podem ser respondidas, talvez. Mas seu namorado morre em um acidente. E ela escreve, pouco tempo depois, àquela professora que não a deixou um instante: “A morte é para mim, agora, a concretude de uma Presença. Não tenho medo de sofrer mais, porque sei que quando o coração se quebrar e os olhos se entristecerem pelas muitas lágrimas, não estarei sozinha. E essa é uma certeza que me conforta cada dia mais. Estou em Suas mãos. Obrigada pelo que faz todos os dias, entrando pela porta de nossa pequena classe: nos amar. E sim, eu sei, a senhora vai dizer que devo agradecer a Deus. Eu faço isso, continuamente”. Tatiana, agora, pediu para ser batizada.
Quando aquilo que acontece tem dentro tudo isso, não se pode mais reduzir: “Temos fome de realidade, sofreremos de indigestão”, dizia Nembrini no encontro de Milão. E é ávida de realidade aquela amizade que começou a unir alguns jovens de cidades diferentes, de escolas diferentes. Na Itália, são quilômetros percorridos de trem ou de carro, normalmente acompanhados por professores tão fascinados quanto eles, para ir encontrar o outro apenas porque “tem o mesmo desejo que o nosso”. Assim, de Abbiategrasso e de Milão, aos sábados à noite, vão a Cassano d’Adda, a Bergamo... Muitas vezes junto com jovens de Crema. E pode-se sair da Romagna para jantar uma noite em Bardonecchia nas férias de verão da comunidade de um amigo, só para vê-lo e cantarem juntos. Ou, pode-se ir encontrar os novos amigos de Carrara, onde há poucos anos nasceu uma comunidade praticamente do nada. Quilômetros de amizades que sustentam a vida.
Os amigos de Mariachiara. Em Forli, por exemplo, um tempo atrás organizaram uma festa, como ocasião de reunir todos os amigos. “O que eu desejo desta noite?”, pensou Mariachiara. Depois, ela se lembrou de uma frase lida na Escola de Comunidade: “Precisamos de pessoas que encarnem em suas vidas uma possibilidade real de viver hoje a vida como homens...”. “Desejo que quem vier à festa veja que a minha vida mudou”. Envia os e-mails e faz os telefonemas para toda a Itália, convidando os amigos que conheceu há poucas semanas, no Meeting. E também convida os colegas de classe e sua professora. “Então, a festa era eu com meus amigos”. Vindos de Milão, Udine, Palermo... Ou de Siracusa, como Agnese, que depois de um início de ano vivido “como espectadora” descreve a noite em Forli como “uma descarga elétrica que me devolveu a respiração. Agora, todas as manhãs, quando entro na escola, quando estudo, tenho claro que tudo é realmente uma ocasião para mim...”.
Mariachiara falava do Meeting de Rímini. Na última edição, os jovens ocuparam um espaço que ficava entre dois pavilhões da feira. Chamaram-na “Praça Majakovskij”. Um ponto de referência para os colegiais de toda a Itália e também para os visitantes de outros países. E um local de encontro entre eles e com os muitos convidados do Meeting que eram parados e “massacrados” com perguntas pelos jovens. Entre eles: Cleuza e Marcos Zerbini, padre Aldo Trento e John Waters. E aqui nasceu também a amizade entre Gianni, professor de História e Filosofia de um colégio de Abbiategrasso e um dos responsáveis dos colegiais, e Maddalena, de Modena. O motivo? A mostra que estava sendo apresentada sobre as Reduções sul-americanas e as batalhas ligadas aos conquistadores espanhóis: “Mas não é como eu estudei na sala de aula. Quem está dizendo a verdade? Como faço para saber quem está mentindo?”, pergunta Maddalena. Gianni a desafia: “Estude, trabalhe sobre isso. Depois, nos encontramos e você me conta o que descobriu”. Três semanas depois, em Modena, encontram-se em cem: “Ela levou a sério aquele desafio”, conta o professor, “fez um trabalho impressionante. Mas a coisa impressionante é que no final abriu-se um debate intenso sobre o que significava gostar mais da vida e apaixonar-se por aquilo que acontece na escola”.
Lutas entre os bancos. Apaixonar-se. Tanto, que se torna difícil se calar diante de frases ou fatos que destoam em relação ao que se experimenta nesta amizade. Então, lá está Stefano às voltas com uma página do livro de geografia que, nos dias da sentença da Corte Europeia da lei sobre o Crucifixo onde está escrito que na Europa, em relação aos Estados Unidos, se está “mais atento à identidade de cada povo e às diversas tradições”. No intervalo, conversam com a professora: “Aquilo que está acontecendo grita o contrário”, e começa a discussão. “Fui muito insultado”, dirá depois o jovem, contente por não ter ficado apenas olhando. Isso também acontece com Mario. A mesma luta: a eliminação do Crucifixo das escolas italianas. “Confrontei-me com o professor de italiano (ateu e anticlerical). E, embora tenha me “engolido dialeticamente” fui até o fundo da questão, documentando-me e pedindo um parecer aos professores de direito e de religião. É um juízo novo. E vale para tudo. Para o estudo de Manzoni de Noemi, que no entusiasmo do “encontro” com o escritor milanês (“um homem como eu, com os meus desejos”) se vê desejando viver a mesma paixão nas matérias mais chatas: “Porque, se a coisa terminasse com Manzoni, essa correspondência seria uma enganação”. E isso vale para o relacionamento com os colegas. Como o de Marco e sua nova amiga Cecilia, adversária política no Conselho dos Estudantes de Pesaro. Porque, para ele, não era suficiente carimbá-la com a marca de inimiga a ser evitada. “Era como eliminar um pedaço daquilo que eu tinha encontrado”. Como se dissesse: “Não, para ela não é verdade”. “Então, rezei pedindo para poder reconhecê-Lo também no relacionamento com ela”. E quando Marco e o amigo-colega Luca, são os únicos que apoiam a uma iniciativa sua e decidem ajudá-la, Cecilia não entende: “O que isso interessa a vocês?”. “Você me interessa”, responde Marco, deixando-a ainda mais confusa.
Há também Chiara, de Roma, que fala sobre Raniero, um colega seu. Um chato de primeira categoria, mas cheio de perguntas, que sempre a desafiou e a seus colegas de CL em relação a tudo: “Isso nos obriga a estarmos despertos, a não deixarmos passar nada. Seja para responder a ele, seja porque nos chama a não sermos passivos, mas a arriscar um juízo, a dar razão de tudo. “Por que você, Ricardo e Adriano são tão amigos?”, me perguntou um tempo atrás. E agora, estamos nos tornando amigos. Porque o que interessa é viver, tudo”.
Histórias, episódios e rostos que vêm de toda parte. De Hassina, de Milão, muçulmana que encontrou CL na Associação Portofranco, a Maria Teresa da província de Matera, única colegial da sua cidade que precisa se “anexar” à Escola de Comunidade dos adultos, de Vittorio de Aqualagna, em Marche, às voltas com um colega mais que curioso pela sua leitura do livreto dos Exercícios dos universitários na sala de aula, a Marco de Bergamo, que diz, sobre a grande amizade com dois colegas da escola: “Isso salvou a minha vida”, e é tão verdadeiro que todos na escola ficam fascinados pela mudança deles, pelo fato de estarem juntos...
“Eles são o acontecimento”. Parece que relemos, perfeitamente declinadas, as palavras de Dom Giussani quando, em 1964, explicava, em um breve texto, o que era o grupo dos colegiais, quando falava na necessidade de que Cristo possa ser encontrado nas salas de aula “como princípio capaz de iluminar as consciências e os problemas”, como algo que leve quem o encontra a “agir e afirmar a si mesmo, como algo que não seja tão estranho a ponto de não ser capaz de falar a respeito ou tão esquecido a ponto de causar vergonha”. E continuava, “cabe aos próprios estudantes tornar o cristianismo presente e eficaz em seu ambiente”. Mas, será que isso não significa que a presença de Cristo na escola depende de seu testemunho comunitário?”.
“Eles são o acontecimento”, dizia Gianni Mereghetti, o professor de Abbiategrasse de quem falamos acima. “É uma perspectiva que revolucionou minha maneira de estar na sala de aula”. Hoje, Gianni está passando por uma longa reabilitação depois de um aneurisma cerebral. Leiam a carta (p. 2) de um aluno seu, Jaio, colegial do último ano, onde fala também da grande amizade com Giovanni e Giulia, para entender que caminho pode fazer alguém que é olhado assim, como Acontecimento. Alguém que olha um jovem dessa maneira torna-se seu pai. Mas Gianni é apenas um exemplo. Poderíamos falar de Valentina, professora de italiano em um colégio estadual de Milão. A maneira como em cada aula, todas as manhãs, faz a chamada. Valentina não apenas chama os alunos pelo nome. Faz perguntas, quer saber como eles estão, os provoca. “Naquele momento, somos chamados a nos olhar verdadeiramente no rosto”, conta uma aluna, Giulia: “Podemos deixar vir à tona todas as perguntas sobre a nossa existência, todas as nossas experiências, os nossos diálogos: somos chamados a falar sobre nós”. E Valentina sentiu-se livre para convidar todos para fazer caritativa no sábado à tarde, para visitar os idosos. De 25, 23 aceitaram a proposta.
É a mesma paixão que tem
Matteo, que dá aulas em um colégio particular de Bergamo, para quem cada colocação que nasce dos jovens na aula, seja de História ou Filosofia, torna-se ocasião de trabalho e de estudo, e às vezes de encontro com alguém que pode ajudar em um aprofundamento. Centenas de nomes, de toda a Itália, pessoas que ensinam, que estão na sala de aula dessa maneira: Alberto, Cinetta, Laura, Raffaella... Padre Giorgio Pontiggia também era assim, ele que foi responsável dos colegiais durante tantos anos, realidade à qual dedicou mais da metade de sua vida. Até sua morte, em outubro último. E de padre Giorgio, de quem muitos destes professores são “filhos”.
Quem responde ao vazio? “Aturar a vida é como morrer, e esta é a última coisa que quero”, escrevia aquela jovem a Nembrini. Na Associação Portofranco um rapaz e uma colega estão estudando juntos. Conversam. “Em todas as coisas que eu faço não sou realmente feliz”, diz a menina: “É como se sentisse um vazio dentro de mim fazendo com que não me sinta totalmente satisfeita... Não tenho vontade de fazer nada”. Seu vizinho a olha e ironiza: “Por que não se suicida?”. Sofia está ali, sentada diante dos dois. Veio para fazer caritativa, mas não há ninguém a ajudar, então estuda suas coisas. Está de cabeça baixa sobre o livro, mas aquelas palavras ouvidas são duras: “Desculpe se interrompo vocês, mas não pude deixar de escutar. Eu também, muitas vezes, me sinto insatisfeita, porém encontrei um grupo de amigos que me ajuda a não ignorar o vazio que normalmente sinto dentro. Com eles, não me envergonho desse meu limite. Gostaria de apresentá-los a vocês”. A reação? Maravilhamento e interesse. Os três conversam: quem é você, o que você estuda... Depois, as despedidas: “Então, nos vemos de novo? Anotem meu telefone”. “Sim, nos veremos em breve”.
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Assim vem à tona o coração deles
Da comoção ao trabalho educativo. É assim que mudam também os professores
Nestas páginas, vocês leram sobre uma dinâmica nova do mundo dos colegiais. Jovens que, contra qualquer análise da mentalidade dominante, pedem apenas para serem tratados como homens. Mas como vivem essa novidade aqueles que estão “do outro lado da cátedra”, os professores? Perguntamos isso a Franco Nembrini, professor de Bergamo e responsável pelo grupo dos colegias na Itália. “Os adolescentes de hoje vivem uma condição de confusão e solidão jamais vista. Estão desiludidos com tudo, porque experimentam tudo e nada os satisfaz. Como se tivessem alcançado “a parede do tédio” da qual fala Milosz em Miguel Mañara. O paradoxo é que tudo isso faz vir à tona o coração deles. Como tantos Zaqueus e tantas Madalenas, para quem basta um olhar novo e interessante sobre eles para se agarrarem, tenazes. O problema vem depois”.
Qual é este problema?
Permanecerem agarrados. É aqui que se insere nossa tarefa educativa. Impeli-los à origem daquele fascínio entrevisto e correspondente ao seu coração. O êxito é um milagre, não está em nossas mãos. Há a liberdade. E a obra de Deus.
E a vocês, adultos, o que aconteceu?
Nasceu uma amizade. Descobrimo-nos comovidos por aquilo que acontecia diante dos nossos olhos. E começamos a nos comover por nós mesmos e a nos colocar diante daquilo que somos. É aqui que se documenta o olhar misericordioso de Deus. Podemos vê-lo porque existe um lugar onde há pessoas que não têm aversão ou medo daquilo que você é. Ali há o Mistério. Diante de uma Presença, a pessoa se deixa educar. E exatamente por isso, por sua vez, pode educar. Assim, a questão não é mais “como fazer para levar o grupo dos colegiais aos jovens”, mas colocá-los diante daquilo que acontece. É exatamente dessa maneira que as comunidades dos colegiais estão nascendo ou, em certos casos, renascendo.
Uma bela aventura...
Não, uma maravilha.
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