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Passos N.115, Maio 2010

BENTO XVI

Deus conhece o nosso coração. Lancemo-nos em seus braços

ANGELUS
14 de março de 2010


Caros irmãos, neste quarto domingo de Quaresma é proclamado o Evangelho do pai e dos dois filhos, mais conhecido como a parábola do “filho pródigo” (Lc 15, 11-32). Esta página de São Lucas constitui um vértice da espiritualidade e da literatura de todos os tempos. De fato, o que seria a nossa cultura, a arte, e mais em geral a nossa civilização sem esta revelação de um Deus Pai cheio de misericórdia? Ela nunca cessa de nos comover, e todas as vezes que a ouvimos ou lemos é capaz de nos sugerir sempre novos significados. Sobretudo, este texto evangélico tem o poder de nos falar de Deus, de nos fazer conhecer o seu rosto, melhor ainda, o seu coração. Depois de Jesus nos ter narrado acerca do Pai misericordioso, as coisas já não são como antes, agora conhecemos Deus: Ele é nosso Pai, que por amor nos criou livres e dotados de consciência, que sofre se nos perdemos e faz festa se voltamos. Por isso, a relação com Ele constrói-se através de uma história, analogamente a quanto acontece a cada filho com os próprios pais: no início depende deles; depois reivindica a própria autonomia; e por fim – se há um desenvolvimento positivo – chega a um relacionamento maduro, baseado no reconhecimento e no amor autêntico.

Podemos ler nestas etapas também momentos do caminho do homem na relação com Deus. Pode haver uma fase que é como a infância: uma religião movida pela necessidade, pela dependência. À medida que o homem cresce e se emancipa, quer libertar-se desta submissão e tornar-se livre, adulto, capaz de se regular sozinho e de fazer as próprias escolhas de modo autônomo, pensando até que pode viver sem Deus. Precisamente esta fase é delicada, pode levar ao ateísmo, mas também isto, com frequência, esconde a exigência de descobrir o verdadeiro rosto de Deus. Felizmente, Deus nunca falta à sua fidelidade e, mesmo se nós nos afastamos e nos perdemos, continua a seguir-nos com o seu amor, perdoando os nossos erros e falando interiormente à nossa consciência para nos chamar a si. Na parábola, os dois filhos comportam-se de modo oposto: o menor vai embora de casa e se afunda sempre mais enquanto o maior permanece em casa, mas também ele tem um relacionamento imaturo com o Pai; de fato, quando o irmão volta, o maior não é feliz como o pai, ao contrário irrita-se e não quer entrar em casa. Os dois filhos representam dois modos imaturos de se relacionar com Deus: a rebelião e a hipocrisia. Estas duas formas superam-se através da experiência da misericórdia. Só experimentando o perdão, só reconhecendo-nos amados por um amor gratuito, maior do que a nossa miséria, mas também maior do que a nossa justiça, entramos finalmente num relacionamento deveras filial e livre com Deus.
Queridos amigos, meditemos esta parábola. Espelhemo-nos nos dois filhos, e sobretudo contemplemos o coração do Pai. Lancemo-nos em seus braços e deixemo-nos regenerar pelo seu amor misericordioso. Ajude-nos nisto a Virgem Maria, Mater misericordiae.


ANGELUS
21 de março de 2010


Caros irmãos, chegamos ao Quinto Domingo da Quaresma, no qual a liturgia nos propõe, este ano, o episódio evangélico de Jesus que salva uma mulher adúltera da condenação à morte (Jo 8, 1-11). Enquanto está ensinando no Templo, os escribas e os fariseus conduzem a Jesus uma mulher surpreendida em adultério, para a qual a lei mosaica previa a lapidação. Aqueles homens pedem a Jesus que julguem a pecadora com a finalidade de “o pôr à prova” e de o levar a dar um passo falso. A cena é cheia de dramaticidade: das palavras de Jesus depende a vida daquela pessoa, mas também a sua própria vida. De fato, os acusadores hipócritas fingem confiar-lhe o julgamento, enquanto na realidade é precisamente Ele quem querem acusar e julgar. Ao contrário, Jesus está “cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14): Ele sabe o que está no coração de cada homem, deseja condenar o pecado, mas salvar o pecador, e desmascarar a hipocrisia. O evangelista São João dá realce a um pormenor: enquanto os acusadores o interrogam com insistência, Jesus inclina-se e põe-se a escrever com o dedo no chão. Observa Santo Agostinho que aquele gesto mostra Cristo como o legislador divino: de fato, Deus escreveu a lei com o seu dedo nas tábuas de pedra (cf. Comentário ao Evangelho de João, 33, 5). Portanto Jesus é o Legislador, é a Justiça em pessoa. E qual é a sua sentença? “Quem de vós estiver sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra”. Estas palavras estão cheias da força desarmante da verdade, que abate o muro da hipocrisia e abre as consciências a uma justiça maior, a do amor, no qual consiste o pleno cumprimento de cada preceito (cf. Rm 13, 8-10). Foi a justiça que salvou também Saulo de Tarso, transformando-o em São Paulo (cf. Fl 3, 8-14).

Quando os acusadores “foram saindo um por um, a começar pelos mais velhos”, Jesus, absolvendo a mulher do seu pecado, introduziu-a numa vida nova, orientada para o bem: “Nem Eu te condeno; vai e doravante não tornes a pecar”. É a mesma graça que fará dizer ao Apóstolo: “Uma coisa faço: esquecendo-me do que fica para trás e avançando para o que está adiante, prossigo em direção à meta, para obter o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fl 3, 14). Deus deseja para nós apenas o bem e a vida; Ele provê a saúde da nossa alma por meio dos seus ministros, libertando-nos do mal com o Sacramento da Reconciliação, para que ninguém se perca, mas todos tenham a ocasião de se converter. Neste Ano sacerdotal, desejo exortar os Pastores a imitar o santo Cura d’Ars no ministério do Perdão sacramental, para que os fiéis redescubram o seu significado e a beleza, e sejam curados pelo amor misericordioso de Deus, o qual “chega até a esquecer voluntariamente o pecado, para nos perdoar” (Carta de proclamação do Ano sacerdotal).
Queridos amigos, aprendamos do Senhor Jesus a não julgar e a não condenar o próximo. Aprendamos a ser intransigentes com o pecado – a partir do nosso! – e indulgentes com as pessoas. Ajude-nos nisto a santa Mãe de Deus que, preservada de qualquer culpa, é mediadora de graça para cada pecador arrependido.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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