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Passos N.78, Dezembro 2006

SOCIEDADE - SÃO PAULO | 1ª COLETA DE ALIMENTOS

Resposta ao
desejo de bem

por Mariana Sant’Anna

A 1ª Coleta de Alimentos promovida em São Paulo foi um gesto acessível a todos – crianças, jovens e adultos –, que teve como marca a alegria. Muito mais do que um gesto de voluntariado, ajudou a revelar a verdadeira natureza da caridade: o dom de si comovido ao outro

Arriscar-se, sair de si mesmo, surpreender-se e por fim experimentar uma alegria intensa e uma satisfação verdadeira. Essa foi a experiência vivida pelas pessoas que participaram do 1o dia de Coleta Alimentar, realizado em São Paulo, no dia 7 de outubro, numa parceria entre Companhia das Obras (CdO) e a Fundação Banco de Alimentos da cidade, ONG que recolhe sobras de alimentos utilizáveis e distribui a entidades carentes. A ação envolveu 800 voluntários e 14 mil pessoas que doaram 12 mil toneladas de alimentos, beneficiando 60 entidades assistenciais. Apesar de grandes, esses números não conseguem traduzir a beleza de um gesto marcado pela dimensão da verdadeira caridade, “um dom de si comovido ao outro”.
A idéia da realização da Coleta em São Paulo surgiu a partir da amizade com Marco Lucchini, Diretor Executivo da Fundação Banco de Alimentos na Itália, e pelo fascínio com a experiência da Jornada Nacional de Coleta Alimentar, que há 7 anos acontece naquele país. Tanto na Itália quanto no Brasil e nos outros países onde é realizado, esse gesto traz na sua origem o desejo de compartilhar as necessidades e responder ao desejo de bem presente no coração de cada pessoa. Os voluntários convidam as pessoas que estão nos supermercados a adquirirem alguns gêneros alimentícios para doar a quem precisa. Um gesto simples de quem oferece livremente o seu tempo e se arrisca a fazer a proposta, e um gesto simples de quem adere ao convite. Como resultado, uma onda de verdade que comove, gera encontros e aprofunda relacionamentos.

Uma experiência que corresponde
Alguns dias após o gesto, os voluntários da Coleta Alimentar se encontraram para dividir as experiências vividas e dar um juízo sobre o impacto daquele acontecimento sobre cada um deles. “O mais bonito foi a forma como as pessoas se relacionaram”, contou Claudia, que trabalhou na Coleta em Cidade Dutra, na Zona Sul. O relacionamento a que ela se refere não era apenas entre os voluntários, mas também entre esses e os clientes dos supermercados convidados a fazer a doação.
Yara, que participou da Coleta no Parque da Mooca, Zona Leste, contou que alguns voluntários passaram mais tempo colaborando do que estava previsto na escala. “Os jovens eram os mais envolvidos. Eles se entregavam, faziam o trabalho realmente de coração”. Selma, que estava no Tatuapé, também teve experiência de muita colaboração dos jovens. “Eles não queriam ir embora. O relacionamento estava tão bom entre nós que muitas pessoas ficaram quase o dia todo, mesmo que o tempo previsto fosse de três horas de trabalho para cada um”, diz. E, no Tatuapé, a amizade entre os voluntários contagiou os clientes: dois deles fizeram compras, doaram, foram para casa e voltaram para se juntar no trabalho de arrecadação. Na loja do Itaim Paulista, Zona Leste, Toninho passou por uma experiência parecida: um casal de clientes voltou para se juntar aos voluntários. “Eles ficaram muito animados e antes de irem embora me perguntaram quando vai acontecer uma nova Coleta. Pediram para serem avisados, porque querem participar”, disse.
No Brasil, diante da situação de fome e pobreza que muitos vivem, é tão comum ver voluntários pedindo ajuda para os necessitados, que as pessoas parecem não se comover mais e muitas vezes sentem-se incomodadas com as solicitações freqüentes. No entanto, a forma de abordagem usada durante a Coleta Alimentar era diferente e refletia o sentido do gesto. Beto, que coordenou a Coleta em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, contou que o gerente do supermercado elogiou o trabalho dos voluntários: “Ele disse que sempre que há uma ação como essa os clientes reclamam com a gerência por causa do tipo de abordagem, mas isso não aconteceu conosco”. Isso mostra que os clientes percebiam que não se tratava de uma experiência qualquer. Na mesma loja, de São Bernardo, um senhor apareceu, à tarde, procurando pelo coordenador e quando Beto se apresentou, o cliente disse: “Eu vim fazer compras de manhã e vi o trabalho de vocês. Voltei para casa, mas tive de voltar para cá para fazer uma pergunta: Quem são vocês?”.
Beto também destacou a participação das crianças. “Elas eram as estrelas do dia. Muita gente queria entregar as doações diretamente nas mãos das crianças. E elas participavam com muita alegria, contribuindo para criar um clima festivo entre os voluntários”.
Célia, que trabalhou na Cidade Dutra, Zona Sul, conta como essa iniciativa moveu as pessoas até o fundo: “Na região que trabalhei as pessoas são muito simples, mas
diante deste pedido de ajuda, muitas famílias, não tendo o dinheiro para comprar os alimentos que pedíamos, iam nas suas casas e tra-ziam um pacote de arroz ou feijão para nos entregar”. Isso confirma que “a Coleta foi realmente um gesto educativo que correspondeu ao coração do homem, o qual expressa a sua verdadeira natureza em gestos de gratuidade pura”, segundo Gisela Solymos, uma das organizadoras do evento.

Uma educação para todos
Cida, que coordenou os trabalhos na Penha, Zona Leste, não se continha de alegria no final do gesto e escreveu imediatamente aos coordenadores para expressar sua gratidão: “A Coleta foi a melhor coisa que aconteceu para o meu grupo e a maior gratidão que tenho por Dom Giussani é que ele dá nome para aquilo que eu sinto. O meu Pedro, com a sua síndrome, me disse que estava lá ‘porque gosto mãe’, então o coração dele, que é igual ao de todos, entendia que ficar ali era bom, gostoso. Mas eu não poderia deixar o meu pequeno grupinho sair desta experiência sem dar nome para ela, somente dizendo superficialmente que era gostoso. Eu quis, e acho que consegui, que cada um se desse conta de que o sentido daquele gesto era compartilhar o sentido da vida, porque de verdade nós estávamos livres. A nossa meta era fazer um gesto de caridade, e encher as caixas com alimentos era conseqüência. Entre as centenas de pessoas que abordei muitas vieram realmente comovidas me agradecer: uma senhora bem de idade dizia que estava grata pela nossa presença ali, porque assim ela poderia ajudar alguém por meio de nós. Muitas pessoas para as quais eu agradecia, respondiam ‘eu que digo obrigada a vocês’. Então, me parece que fazer a doação faz com que aquele cara faça uma experiência, ainda sem nome para ele, mas que corresponde àquilo que não é manipulável por ele, pois lhe foi dado. Na Coleta eu vivi e também pude documentar isto diante de tantas mães que mandavam as suas crianças entregarem a doação. Porque elas faziam assim? Porque aquilo que nasce com ela faz com que ela queira passar para a sua criança, pois o desejo de bondade no homem é inato”.
Pessoas que não se conheciam colocaram-se juntas para servir uma mesma obra, e daí nasceu uma unidade impensável. Eliane, que ficou responsável pelo supermercado de Jaçanã, na Zona Norte, definiu assim: “Foi um dia muito bonito, muito rico. Tivemos a oportunidade de aprofundar o relacionamento com voluntários que não conhecíamos e iniciar uma amizade”. Para Francesco, coordenador da loja da Água Branca, na Zona Oeste, ao final do dia restou uma vontade de fazer um gesto ainda maior. Mesmo cansados pelo dia de trabalho, em que passaram carregando caixas, andando de um lado para outro abordando os clientes, os voluntários terminaram a missão daquele dia querendo fazer mais.

A 1ª Coleta Alimentar em números
14 mil doadores
2 mil pessoas beneficiadas
12 toneladas de alimentos doados
800 voluntários
12 pontos de coleta

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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