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Passos N.78, Dezembro 2006

CULTURA

Entrevista Eugenia Roccella: O amor materno, gratuito e para sempre

por Assuntina Morresi

Das batalhas feministas dos anos 70 à rejeição ao referendo sobre a fecundação. Filha do fundador do Partido Radical, a jornalista e escritora – hoje no centro dos debates sobre a fecundação in vitro e células tronco, na Itália – fala sobre as razões de uma mudança de perspectiva, fruto de uma observação atenta e crítica da realidade

Eugenia Roccella, feminista histórica, nos anos 70 líder do Movimento de Libertação da Mulher, militante radical. No ano passado a senhora sustentou a rejeição ao referendo sobre a fecundação e, no Meeting de Rímini deste ano, apresentou um livro do Cardeal Caffarra: como aconteceu esta mudança?
Mudei, como todos, com a idade e com a experiência: mas não mudei as minhas idéias. Foram as coisas em minha volta que mudaram radicalmente, os horizontes, os cenários. Eu continuo a ser uma feminista, sustento que a mulher deve ser valorizada na sua especificidade, respeitada na sua diferença em relação ao homem: é uma injustiça tratar de modo diferente pessoas iguais, mas também é uma injustiça tratar de maneira igual pessoas diferentes. Estar do lado das mulheres significa, antes de tudo, reconhecer a diferença de gênero, que se concentra na maternidade física e simbólica. O amor materno é o que existe de mais parecido com o amor divino: prescinde do mérito, do ser bons ou maus, bonitos ou feios, é gratuito e para sempre. O relacionamento entre mãe e filho é o que funda a família, as redes familiares e, em torno dele, se constrói a convivência humana.

Realmente, este não me parece o discurso de uma feminista.
Porém, é. O problema é que o feminismo, sobretudo nos anos 70, nas suas lutas para ver reconhecidos os direitos das mulheres, misturou-se com as ideologias dos radicais, tanto da esquerda extra parlamentar como da tradicional, em uma contaminação de léxico e de conteúdo. Os partidos de esquerda assumiram algumas das lutas das mulheres, em parte, descaracterizando-as, e o feminismo histórico, o pensamento e a experiência das mulheres foram submersos pela ideologia dos slogans e pela praça pública.

A senhora se refere à luta pelo aborto?
Principalmente. Nós não queríamos uma lei para legalizá-lo, pedíamos apenas uma não penalização, que dizer, que as mulheres que abortassem não fossem presas. A lei 194 nasceu dos partidos, não das feministas históricas. Sabemos bem que o aborto é um ato violento não somente contra o feto mas, também, contra as mulheres. O aborto é a face escura da maternidade, porém, faz parte dela: ele sempre existiu e muitas mulheres morreram por causa disso. Estávamos convencidas de que fazendo emergir da clandestinidade, os temas da maternidade e da sexualidade feminina seriam enfrentados abertamente e os abortos acabariam. Estávamos completamente erradas. Os abortos não diminuíram e há uma tendência perigosa em comparar o aborto à contracepção.

Então, foi por isso que a senhora se aproximou das posições da Igreja?
A Igreja, neste momento, é a mais exposta em todas as novas lutas contra o que chamamos de tecnociência. A concepção fora do útero materno, com as conseqüências nefastas a que assistimos – diagnóstico pré-implante, pesquisas sobre embriões, e por aí afora – mina o relacionamento entre mãe, pai e filho e é, hoje, a maior ameaça para a conservação do humano. Nunca existiu, na história, um ataque tão grande à maternidade. Está-se expropriando a mulher da maternidade e só a Igreja combate isso, defendendo não só a vida, mas também as relações humanas e afetivas que a circundam e lhe dão sentido. Por isso, uma feminista, hoje, não pode estar senão a favor da Igreja.

De onde nasceu esta paixão pela “causa feminina”?
Passei a infância numa pequena cidade da Sicilia, tendo ao lado muitas tias e mulheres fantásticas que me educaram porque meus pais moravam em Roma. As mulheres eram a alma da casa e da família. Mas, quando me tornei adulta, descobri que elas não tinham presença no âmbito público, não tinham direitos nem importância política. A maternidade tinha um grande valor na família mas não era publicamente reconhecida; as mulheres tinham autoridade e eram respeitadas, mas somente no âmbito doméstico. O calor, a capacidade e a enorme força das mulheres não saíam dos confins privados. Isso sempre me pareceu uma grande injustiça.

A senhora é filha de Franco Roccella, fundador do Partido Radical. Que ares se respirava em sua casa?
Não tive uma educação religiosa. Minha tia me batizou quando eu tinha 5 anos e, aos 13, pedi para receber o Crisma por causa da amizade com o padre que me dava aula de religião na escola. Para mim, a aula de religião era o único contato que eu podia ter com a Igreja. Marco Pannella era de casa, passávamos o Natal juntos todos os anos. Eu ficava literalmente presa às discussões fascinantes entre ele e meu pai. Eles falavam sobre política, arte, cultura... Agora, preciso dizer que meu pai era contra o aborto porque o considerava um homicídio. Ele era siciliano, com um profundo senso dos relacionamentos pessoais. Muito leal. Tenho certeza de que, agora, estaria do meu lado contra esta desumanização crescente.

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QUEM É
Eugenia Roccella é doutora em pesquisa da Língua Italiana pela Universidade La Sapienza, de Roma. Filha de Franco Roccella – um dos fundadores do Partido Radical – nos anos 70 era militante radical e líder do Movimento pela Libertação da Mulher. Atualmente é jornalista e ensaísta: colabora para os periódicos Avvenire, Il Giornale e Il Foglio.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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