Vai para os conteúdos

Passos N.77, Novembro 2006

CARTAS

Cartas

9-11

Algo que acontece agora
Entramos na van desanimados, tentando buscar um apoio nos poucos otimistas. Diferente das outras vezes, essas férias seriam separadas de outros Estados, o que nos chateava. Parecia que não encontraríamos nada de novo na presença daqueles que vemos toda semana. Ledo engano. Ao longo dos dias que passamos em Cabo Frio, percebemos que a novidade é possível dentro da nossa amizade. Estando em grupo tão pequeno – éramos 15 estudantes acompanhados pelo padre Gilson, pela Valéria, pela Inês e pela Ângela –, pudemos olhar mais para as necessidades de cada um e, assim, apostar na nossa companhia, aprender a seguir e ser ajudados a valorizar mais os rostos que nos são dados, agora, para fazer experiência de Cristo. Nesses dias em que estivemos mais próximos, nós nos demos conta de que os nossos desejos, juntos, são mais valorizados, a ponto de os educadores nos perguntarem: o que cada um deseja e espera? Foi difícil responder a essa pergunta, mas todos nós, na assembléia, afirmamos que o que mais queríamos era sermos felizes. Nessa companhia, o modo como cada um se comporta diante das coisas simples da vida – como, por exemplo, diante do pôr-do-sol que contemplamos, do mergulho no mar nadando ao lado de um pingüim, do filme a que assistimos –, fascina-nos e ajuda a conhecer a nós mesmos cada vez mais, a distinguir aquilo que corresponde ao nosso coração do que não nos faz crescer. Na assembléia, quando o Rômulo, um novo amigo, perguntou por que quando nos apaixonamos pelo homem, estamos apaixonados por Cristo, foi importante descobrir que esse homem não é um ser abstrato, mas sim cada um de nós: o primeiro homem pelo qual cada um precisa se apaixonar – lembrou-nos a Inês – somos nós mesmos; pois, como nos ensinou Dom Giussani, somente um olhar atento, terno e apaixonado por nós mesmos pode nos levar a reconhecer, admirar, agradecer e vivenciar Cristo.
Colegiais, Rio de Janeiro e Petrópolis – RJ

A paternidade de Tommaso
Queridos amigos, fiquei muito triste com a notícia do falecimento de padre Tommaso. Escrevo-lhes para contar aquilo que ele foi para a minha vida e para a Fraternidade dos padres em São Paulo. Conheci Tommaso em 1992, logo que cheguei no Brasil. Todas as segundas-feiras nos encontrávamos com padre Aurélio, padre Stefano e padre Vando. Fazíamos Escola de Comunidade, depois um bom jantar e longas partidas de baralho às quais se juntava o Marco Innocente. Um lugar muito importante de amizade, de juízo, de ajuda em cada dia. Padre Tommaso logo me tocou muito com o seu jeito desejoso de conhecer e de viver a própria vocação. Quando terminei a minha experiência no Colégio Meninópolis, padre Vando me indicou que ajudasse o padre Tommaso ficando na Paróquia dele, em Santana. Assim, descobri o grande coração, a paternidade e a criatividade de Tommaso. Ele me dizia “Padre Beppino é preciso aprender a lidar com todas as pessoas segundo o jeito delas”, e assim eu olhava o jeito dele com as centenas de pessoas que a cada dia iam procurar uma palavra, uma ajuda, uma oração, e ele sempre com muita atenção atendia a cada uma. Grande era a sua caridade atenciosa e criativa para com os drogados, os bêbados, os sofredores. Isso se via no seu jeito de rezar a Santa Missa, de falar com eles nos encontros de manhã cedo e à noite. O encontro com o Movimento não mudou o seu jeito de ser, era a sua história, o estilo que aprendeu na vida pessoal, mas desejava cada vez mais pertencer ao carisma de CL e a sua vocação. Depois que eu me mudei para o Amazonas, sempre que ia a São Paulo o visitava. A última vez foi mais ou menos há dois anos. A Paróquia estava cheia de iniciativas. A mesa na entrada da Igreja convidava a oferecer ajuda para as obras de caridade e junto tinha a revista Passos, e muita gente saía e entrava, sempre a procurar uma boa palavra daquele padre do jeito bom. Agora estou na Itália com a certeza de ter um outro anjo no paraíso junto com tantos outros da nossa companhia. Obrigado Padre Tommaso!
Padre Beppino Sedran, Itália

Podiam me tirar tudo, menos Ele
Durante este ano, descobri o grande valor da Igreja por causa de uma doença. No ano passado, tive diagnosticado em mim um tumor nos gânglios linfáticos (agora estou perto da cura, e passo bem). A partir daquele momento, decidi mudar de vida. Eu poderia fechar-me em mim mesmo e não me entregar ao dom que Cristo me dava. Mas não, entreguei-me à família, aos amigos, ou seja, ao Movimento, que é o Seu rosto para mim. E graças a isso, consegui enfrentar com serenidade tudo o que me aguardava, mas não por um heroísmo pessoal, e sim pela sensação de segurança e de plenitude que me era dada pela vida no Movimento e na Igreja. Qualquer coisa podia acontecer, e eu não sentia medo, pois sabia que Cristo estava presente; podiam me tirar tudo, menos Ele. Durante todo o ano, e ainda hoje, me agarrei a isso, porque nenhuma associação – à exceção deste Movimento, claro – consegue dar um grande valor à doença. A partir de toda essa experiência, aprendi a valorizar tudo o que me foi dado – da doença ao difícil trabalho com a matemática, dos colegas de escola aos problemas familiares etc. Em suma, aprendi a dar valor a todas as coisas, porque tudo está aí para mim como um dom, como nos diz São Paulo: “Avaliai tudo e ficai com o que tem valor”. Com a minha doença, que poderia ser vista como um obstáculo à vida cotidiana, consegui fazer muitas coisas que antes não fazia: participei das férias e do tríduo dos colegiais e na escola consegui melhores notas do que nos anos anteriores, justamente porque eu passei a entender uma coisa: eu podia “apoiar a cabeça” na companhia, isto é, em Cristo, porque só com Ele podemos experimentar essa sensação de plenitude, mesmo em situações difíceis. A tal ponto que começamos a ver as coisas sob outro ponto de vista, onde até o relacionamento com as pessoas é diferente. Eu sempre admirei a unidade que se instaurava entre nós, uma unidade que ajuda a derrubar qualquer obstáculo que apareça, como dizia Dom Giussani: “Nunca uma dificuldade que encontrarmos será maior do que a força do Senhor que está conosco”.
E a partir daí não fui só eu que mudei; mudaram também as pessoas que me cercavam; muitos vestibulandos enfrentaram melhor os exames, com uma consciência diferente; o olhar deles me ajudava, e eu também os ajudava. É uma ajuda mútua nas dificuldades que a vida nos impõe. Com toda essa situação, pelo menos no que me diz respeito, obtive uma experiência de plenitude, apesar de a situação ser bastante dura. Mas estou convencido de que a minha doença foi um dom, um dom pelo qual eu descobri todas essas coisas que antes não me eram claras; tive que me virar, fui obrigado a refletir. Claro, não acho que seja necessária uma doença para entender essas coisas, mas como eu sou meio teimoso, comigo as coisas andam mais devagar; talvez outros possam fazê-lo por meio de um encontro, de uma namorada legal, de um problema mais simples etc. Mas essa é a minha história, a nossa história.
Ricardo, Itália

Resultado inesperado
Caro Carrón, o curso sobre o livro Educar é um Risco, que se realizou na minha escola, teve um resultado inesperado, não só porque o próprio diretor da escola se autoproclamou também diretor do curso, para a satisfação dos participantes, mas sobretudo pela maneira como isso se desenvolveu. Tudo começou com o choro da mãe de um meu aluno, com quem me encontrei “por acaso” no supermercado; ela me confidenciou a desorientação (sua e do marido) frente à rebeldia do filho. Esse fato me levou a considerar seriamente a possibilidade de promover um encontro sobre Educar é um Risco. Naquele mesmo dia conversei com um colega do Movimento, que me sugeriu fazer a proposta na próxima reunião dos professores, porque diversos colegas manifestavam o mesmo desnorteamento daqueles pais. Foi o que eu fiz, e nessa ocasião uma professora, com a aprovação de todo o grupo, me pediu que não fizéssemos só um encontro, mas que organizássemos um curso de atualização. Daí veio a idéia de estendê-lo a todas as escolas da cidade e de pedir a certificação do Ministério (que acabamos conseguindo). Isso foi o começo, mas tudo se desenvolveu do mesmo modo: eu não decidi nada sozinha. Fui seguindo os impulsos dados por um Outro, e assim vi nascer uma coisa impensável, que impressionou primeiramente a mim mesma.
Anna, La Spezia – Itália

A fecundidade de uma vida
Caríssimo padre Julián, quando minha mulher Rita descobriu, em novembro do ano passado, que tinha um tumor, eu estava bem longe de imaginar a Graça que transformaria a nossa vida – e também dos nossos filhos Simone e Francesco – nos meses seguintes. Ficou logo claro, antes mesmo que percebêssemos a extrema gravidade da doença, que não estávamos sós: depois de três dias, levei-a ao hospital San Raffaele, de Milão, para alguns exames e imediatamente compreendi o que Dom Giussani pretendia dizer quando, há quase 30 anos, escrevia que “a amizade é uma dimensão do coração; depois, a vida te leva para onde quiser”. Os meus “velhos” amigos da Universidade Católica
já estavam lá; fizeram até um rodízio para permanecer conosco. A partir daquele momento, depois de seis meses de quimioterapia, Rita compreendeu que o cumprimento da sua vocação passava por essa prova, e que ela não ficaria sozinha. Claro, ela se queixava, lutava, dizia muitas vezes que estava com raiva do “Diretor da orquestra”, mas sempre entendeu que a sua realização, o significado de tudo, o seu Destino bom, passavam por essa doença. Assim, os últimos meses de sua vida foram os mais fecundos, não só para ela, mas para todos aqueles que estavam ao seu lado, a começar pelos amigos do nosso grupo de Fraternidade. Nosso grupo estava tomado pelo ceticismo e o cansaço, como se a promessa do cêntuplo já não estivesse sendo cumprida ali, na nossa companhia. No entanto, como disse uma amiga, às vésperas do Natal: “A estrela do Presépio está aqui, sobre a vossa casa”. O primeiro milagre aconteceu no interior de Rita e também dentro de mim, sempre orgulhoso e auto-suficiente, que agora precisava suplicar, mendigar, e entendi que não podia fazer mais do que isso. Pedimos e Deus realizou o milagre de tornar o nosso grupo de Fraternidade uma experiência viva e visível para qualquer um que nos encontrasse, mas antes de tudo para nós mesmos, retirando a ferrugem do limite nos relacionamentos, entre nós mesmos e com os outros. No final de julho, Rita cansava-se à toa, fora do normal, estávamos todos muito cansados, parecia tudo um pesadelo. No entanto, lá por agosto, perdidas as esperanças, aconteceu o milagre maior. Depois de uma breve hospitalização, Rita voltou para casa, e a partir daí eu e meus filhos nunca mais ficamos sozinhos. A porta de casa ficava sempre aberta, porque a qualquer hora podia chegar alguém, para uma palavra, um abraço, para um olhar. Relato apenas um episódio. Rita todo ano preparava uma conserva de tomate, mas desta vez ela se lamentava por não poder fazê-la. Porém, nossas amigas da Fraternidade tornaram possível um dia de festa em volta do leito de dor. Foi uma coisa inesquecível, e até a conserva de tomate foi feita, junto com Rita. Quatro dias antes da morte de Rita, padre Pino lhe disse – a ela que ainda suplicava o milagre – que essa condição não é a natureza da vocação, mas é uma forma dela: a natureza da vocação é sermos dEle. E também que ela estava sendo mãe de um modo mais verdadeiro e profundo: aceitando e oferecendo. Enfim, lembrando a ela que esse era o período mais fecundo da sua vida.
Alessandro, Rímini – Itália

Estudar juntos
Caríssimo Carrón, da amizade entre Pier, quatro dos seus ex-alunos e Silvia, nasceu, este ano, o reforço escolar Portofranco, em Lodi. Propus a experiência ao reitor do Instituto Bassi, que logo aderiu, oferecendo-nos a possibilidade de utilizar uma classe da sua escola. No primeiro dia, um professor criou uma polêmica, dizendo que era “contrário a qualquer associação de inspiração religiosa ou dogmática (!) e incitou-nos a sermos neutros”. Pier, sem polemizar, falou a ele dessa mesma experiência em Crema, fechando com a pergunta: “O senhor teme o quê? Por que não nos dá uma mãozinha?”. Numa sexta-feira, uma aluna perguntou a Daniel: “Mas quem conseguiu convencer você a vir aqui numa boa, em vez de ficar na universidade?”. Daniel, timidamente, logo respondeu: “Foi você”. Numa outra sexta-feira, duas garotas muito vivas conversavam demais e deixavam de estudar. Barbara e Alice (duas universitária que estavam ali para ensinar) entram na conversa “para tentar tornar-se amigas delas”... Pier e Silvia, então, as “corrigem” com estas palavras: “Nós nos tornamos amigos compartilhando a necessidade do outro”. No dia seguinte, a mãe de Barbara, encontrando Pier na escola, lhe agradece dizendo: “Este é, mesmo, um lugar de liberdade. Barbara volta sempre contente para casa, e vejo que cada dia melhora mais”.
Pier, Silvia, Daniele, Gigi, Bárbara e Alice, Lodi – Itália

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página