Passados três meses da trégua iniciada em 14 agosto, propomos o testemunho de três cristãos que moram e trabalham no Líbano, em Israel e na Palestina. É um panorama sobre o renovado empenho que a Fundação Avsi tem na região
Aqui, Beirute
por Emilio Maiandi
Jounieh é uma cidadezinha de praia a 15 km de Beirute. Sempre foi uma zona segura e é considerada a “capital cristã” do Líbano. De fato, a partir do final da década de 1970, acolheu todos os cristãos fugidos de Chouf (região ao Sudoeste de Beirute; nde) e até hoje a sua população é quase totalmente cristã. É aqui que moro com a minha família a pouco mais de 4 anos, depois de 3 anos passados em uma cidade de montanha acima de Beirute. A nossa vida caminhava tranqüila: eu sou engenheiro e trabalho como responsável, no Líbano, pelos projetos da Associação de Voluntários para o Serviço Internacional (Avsi). Minha mulher cuidava das crianças, sendo que os dois maiores já vão à escola.
Quando estourou a guerra, no dia 12 de julho, pensávamos que fossem as habituais brigas na fronteira. Mas, passados dois dias, entendi que não poderíamos arriscar: o aeroporto tinha sido bombardeado e as estradas que levam para fora do país também começavam a ser atacadas. Aluguei um táxi e, junto com os amigos André e Romina (que tinham chegado da Itália há apenas duas semanas), ao amanhecer escapamos em direção à Síria, e de lá para a Jordânia, onde pegamos o avião em Aman para a Itália. Deixar de repente os amigos com os quais compartilhávamos tudo – os dias na praia, a Escola de Comunidade, a nossa casa e o trabalho – nos fez entender quão profunda era a afeição que havia amadurecido nos anos que passamos aqui.
Um exemplo é a nossa amiga Ferial, uma senhora de 45 anos que tem 5 filhas. Ferial tem um passaporte canadense e por isso tinha a possibilidade de fugir nos primeiros alertas de perigo, mas nos surpreendeu dizendo: “Vejam, eu prefiro ficar aqui, mesmo com a guerra, para poder continuar vivendo esta experiência do Movimento. Vou para o Canadá somente se vocês me derem o nome de alguém de CL que eu possa encontrar ali!”. Decidiu partir na última semana de julho e na mala levou o número de telefone de John Zucchi, o nosso amigo canadense.
Para os poucos que permaneceram no Líbano, o sacrifício é grande. Têm a consciência de que a presença deles serve para o bem do próprio país e também da Igreja. Os cristãos representam um balance social muito forte, são uma referência incomparável no meio da população. Mesmo se, nos últimos 15 anos, a presença cristã no Líbano diminuiu de 60% para 40% por causa de contínuas migrações, sempre me surpreendo quando visito as vilas do Valle do Bekaa a trabalho. Quase sempre são vilarejos mistos: sunitas-cristãos, xiitas-cristãos, drusos-cristãos. Realmente a presença cristã é um fator de paz objetivo, e não ideológico. Confia-se nos cristãos. Por isso muitos querem trabalhar com eles e, quem pode, coloca os filhos nas suas escolas. Por exemplo, em Tripoli, de maioria sunita, existem escolas cristãs onde 80% dos alunos são muçulmanos. Verificação empírica de como o fator educativo torna-se o primeiro fator de paz.
Aqui, Jerusalém
por Marta Zaknoun
Não é a primeira vez que os cristãos da Terra Santa, como de todo o Oriente Médio, encontram-se em um conflito que não foi provocado por eles, mas do qual devem sofrer as angustiantes consequências. Aqui na Terra Santa, durante o conflito com o Líbano as populações mais atingidas pela guerra foram, obviamente, as do Norte, da Galiléia. Apesar da guerra ter se tornado, infelizmente, uma realidade bem fami-liar, o impacto provocado pela imprevisibilidade e incertezas que traz consigo, deixou um sinal concreto.
Como no meu caso, muitos cristãos árabes-israelenses vivem em Jerusalém, mas o restante de suas famílias, avós, tios e parentes, moram nas cidades do Norte do país, como Acri, Haifa, Nazaré e outros pequenos vilarejos árabes próximos dos confins do Líbano. Para eles a guerra foi uma experiência marcada pelo medo e pela tensão, mas ao mesmo tempo se revelou uma prova de resistência e de apego à própria casa, à família, ao trabalho, aos amigos e, sobretudo, à própria fé, em uma contínua tentativa de confiar em Deus.
Para muitos entre nós que moramos em Jerusalém, esta guerra foi um momento cheio de temor e de preocupação pelas pessoas queridas. Por um período breve os hospedamos nas nossas casas; aqueles que se dispuseram a deixar os seus lares em troca de um pouco de tranqüilidade que desta vez, irônica e paradoxalmente, podiam encontrar aqui, no Centro do país.
Na tentativa de ficar próximo aos amigos e parentes da Galiléia nos surpreendemos com a companhia da nossa comunidade durante aqueles dias, sejam os amigos de Jerusalém, sejam aqueles que ainda estão em Israel até que sejam obrigados a ir embora. E fomos confortados pelo apoio dos amigos do Movimento na Itália e em vá-rios países.
Um simples telefonema e uma promessa de rezar por nós e pelas nossas famílias foram uma grande ajuda que nos chamava a atenção continuamente para não sucumbirmos diante das incertezas e dos medos.
Como em todas as guerras, era doloroso ver as imagens das vítimas nos telejornais, de ambos os países, e naqueles dias também pensávamos nos amigos de Beirute que havíamos conhecido em Aman, quando participamos dos Exercícios Espirituais do Oriente Médio. Não sabíamos nada sobre a situação deles, mas sentíamos uma grande necessidade de rezar por eles e pela paz na região. A nossa comunhão com os amigos mais próximos, e também com as outras comunidades durante a guerra, foi e é uma confirmação, um sinal a mais, de um bem que nos é dado, que é maior do que nós e é mais forte do que as circunstâncias previstas.
Aqui, Betânia
por Samar Sahhar
Era uma vez um príncipe que, quando se tornou rei, chamou na corte todos os intelectuais do reino e disse: “Quero aprender o significado da história e da vida. Não quero cometer os mesmos erros que os outros”. Os anos passam e o jovem rei cresce pensando nas suas perguntas. Quando os intelectuais voltam à corte, levam com eles muitos livros de história. O rei lhes diz: “Nunca conseguirei ler todos estes livros. Por favor, façam-me um resumo”. Um dos mais anciãos responde: “Nós faremos. Até hoje ninguém aprendeu todas as lições da história. Muitas pessoas nasceram, sofreram e morreram sem aprender nada da própria experiência”.
Eu acho que ninguém aprendeu ainda da história, da crueldade da guerra, dos erros e das dores que isso traz ao mundo. Em julho passado, quando os sonhos e as esperanças foram reviradas, quando muitas pessoas perderam as suas casas, quando muitas crianças corriam sem direção e sem entender o porquê, os olhos daquelas crianças começaram a fazer as perguntas sobre as tragédias da vida e sobre como enfrentá-las. A pergunta que nunca se cala é aquela: “Quando tudo isso acabará? Qual é o valor da vida?”.
As minhas crianças do orfanato Lazarus Home se recusaram a assistir a televisão e ouvir as notícias. O motivo é claro: tinham sofrido tanto e padecido por tantas violências que se negaram a sofrer isso novamente.
Eu rezei muito e os meus pensamentos foram para a minha família em Gaza. Eu me perguntava como poderiam sobreviver sem água, eletricidade e comida. Também pensei nos meus amigos israelenses do Kibut Sassa. Tentei fazer contato com eles, pois sabia que, a um certo ponto, teriam que fugir da região.
Por eles, rezei assim: “Pai que estás nos Céus, Misericordioso e Amante da vida. Olha com bondade quantos sofrem nestes tempos difíceis. Pai, olha o povo palestino, o povo israelense e o povo libanês. Olhai por toda a família humana. Olhai, Pai Santo, para todos aqueles que perderam pessoas queridas e suas casas. Olhai, Pai compas-sivo, para todos os que estão nos hospitais, sustenta-lhes neste momento de sofrimento. Rezo pelas crianças, ajudai-as a ter esperança em um futuro melhor neste mundo. Onde o amor e a justiça dos homens falharam, que o Teu Amor e a Tua Justiça prevaleçam”.
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A Avsi no Líbano
Os projetos nos hospitais
A Avsi está comprometida desde 1996 em um projeto na área de saúde confiado pelo Ministério Italiano das Relações Exteriores, que prevê a reestruturação do grande hospital estadual da Quarantina, em Beirute, e a instalação de equipamentos de outros cinco hospitais situados no norte do país, com vários cursos de formação para os médicos e técnicos do Ministério da Saúde Libanês;
Apoio à distância
São cerca de 1 500 crianças sustentados em todo o país, em colaboração com vá-rias organizações não-governamentais e associações locais. O apoio à distância paga as mensalidades, uniformes e materiais escolares, além da formação dos educadores, da assistência médica, remédios e alimentação, caso seja necessário;
Irrigation Water Management
Em andamento desde 2003 é um projeto para a melhoria da gestão das águas para irrigação. No Líbano, os trabalhos se concentram ao sul do Vale do Bekaa, no rio Litani, hoje palco dos maiores combates. Esta é a zona mais fértil do país, e é onde os agricultores necessitam de grande ajuda para utilizar melhor os recursos. Os projetos são uma parceria com a Litani River Authority (autoridade local para a gestão do rio) e prevê a formação e a reciclagem do seu pessoal técnico;
Promoção da agricultura sustentável
Sempre no Valle do Bekaa, em Tiro e em Kartaba (regiões montanhosas de Jbeil-Byblos), desde abril deste ano a Avsi vem realizando um projeto para o desenvolvimento da agricultura, envolvendo 180 agricultores libaneses, graças a um financiamento da Região da Lombardia (Itália) e com a participação da FAO sobre o uso correto dos pesticidas;
Centro de formação e serviços para agricultores e pecuaristas de Kartaba
De 2000 a 2006, a Avsi realizou em Kartaba, com fundos do Ministério Italiano das Relações Exteriores, da Conferência Episcopal Italiana (CEI) e da União Européia, um centro de formação e de assistência técnica para mais de 100 agricultores e pecuaristas da região de Jbeil-Byblos, para introduzir novas técnicas agrícolas e pecuárias e ajudá-los na produção e comercialização de produtos típicos para o mercado local (principalmente mel e queijo).
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón