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Passos N.77, Novembro 2006

EXPERIÊNCIA - SÃO PAULO | EDUCAÇÃO

Expressão de um percurso educativo:
Diário Antropológico

por Francisco Borba Ribeiro Neto

A experiência de alguns professores da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, que utilizam "O Senso Religioso" em suas aulas. O despertar do coração dos jovens e os frutos da proposta educativa de Dom Giussani, descritos em um livro

As Faculdades Santa Marcelina (FASM) são um dos espaços educativos mais insólitos para a cultura moderna. Dirigidas pelas Irmãs Marcelinas e especializadas, sobretudo, em Arte e Moda, reúnem em seus corredores religiosas de hábito e jovens artistas com o mais exótico visual da moda, numa convivência que uma visão preconceituosa e estereotipada consideraria totalmente impossível.
Foi aí que as intuições humanas e educativas de Dom Giussani produziram um de seus frutos mais interessantes em São Paulo, os Diários Antropológicos. Trata-se de uma publicação bienal das Faculdades Santa Marcelina, com textos produzidos por seus alunos nas disciplinas formativas de Antropologia Filosófica e Temas da Cultura Contemporânea. Esses breves ensaios nascem da comparação entre os conceitos estudados e a vivência pessoal, constituindo uma oportunidade valiosa para cada aluno na descoberta do próprio eu. O método educativo de Dom Giussani se mostra uma verdadeira ajuda para que as pessoas olhem, com verdade, para si próprias e para o mundo em que vivem.
Tudo começa com o estudo de categorias fundamentais para o conhecimento do homem: razão, experiência elementar, liberdade, moralidade. O aprendizado de tais categorias já seria uma grande ajuda para a compreensão do homem. A genialidade da proposta cujos frutos são passíveis de serem, neste caso, lidos, é compreender um conceito a tal ponto que a comparação entre eles e a própria vida do aluno se torna algo sedutor, talvez até compulsivo. Quer dizer, os alunos passam a comparar o tempo todo as suas vidas com seu desejo de beleza e verdade, buscando a totalidade dos fatores, a abertura ao real.
Para os alunos de Música, Artes Plásticas, Educação Artística, Moda e Relações Internacionais, estudar as premissas presentes no livro "O Senso Religioso" – realismo, razoabilidade e moralidade – tem gerado uma abertura e, ao mesmo tempo, uma profundidade inimagináveis na forma de pensar, que contrasta com o niilismo e com o ceticismo marcantes na mentalidade pós-moderna.
O trabalho começou há mais de 10 anos com a professora Marina Massimi, os padres Luigi Valentini, Vando Valentini e Stefano Perugini, e o professor Osvaldo Soares. Hoje, continua com as professoras Alessandra Sterzi Vasconcelos, Cecília Canalle Fornazieri, Hilda Souto e Silvia Brandão. Em agosto passado, foi lançado o terceiro volume do Diário Antropológico. É interessante notar como a combinação de um olhar aprofundado sobre a experiência humana, aliada a uma atenção verdadeira para com a pessoa dos alunos gerou, na Instituição, um belo espaço de comemoração, troca de experiências e interdisciplinaridade.
O lançamento de cada novo volume dos Diários acontece com um evento festivo no qual os estudantes de todos os cursos se encontram para ver juntos a beleza daquilo que produziram. São feitas leituras dramatizadas de alguns textos, intercaladas por primorosas apresentações dos alunos de Música, e tudo é finalizando com um pequeno coquetel. A alegria e a gratidão que se verifica entre os alunos e professores que comparecem a esses gestos são a expressão clara da potência educativa e da correspondência da beleza e da verdade ao desejo humano.

Uma abertura à realidade
capaz de julgar tudo: os textos

A simplicidade e a transparência dos textos – que em sua maioria versam sobre vivências cotidianas, relacionamentos significativos ou determinados fatos – revelam a trajetória pessoal de alunos que aceitaram o convite para se debruçarem e aprenderem com a própria experiência humana. Sustentando esse caminho de descoberta pessoal, podemos identificar três aspectos que nascem da originalidade da proposta educativa de Dom Giussani.
Em primeiro lugar, um olhar genuíno para a própria humanidade, o reconhecimento de que somos feitos de uma determinada forma, temos um núcleo, uma experiência elementar que nos mobiliza e nos orienta na vida. É imediata a identificação dos alunos com o conceito de experiência elementar (conjunto de exigências e evidências que todo ser humano traz consigo, como exigência de verdade, beleza, justiça, felicidade...) intuindo claramente que esse não é apenas um conceito teórico, mas descreve a natureza humana, indica o que realmente buscam na vida. Eles verificam concretamente que podem aprender com a própria experiência, compreender o sentido do que vivem, enfim, conferir uma direção para a própria existência sendo orientados por essa “bússola interna”. A exigência de realização, assim, pode ser levada a sério, não precisa ser abandonada ou censurada.
Outro aspecto importante é a abertura para a realidade, que passa a ser considerada pelo que é, em todos os seus aspectos, sem censurar ou negar nada. É possível verificar nos textos que os alunos não se subtraem à dor ou à dramaticidade das perguntas que brotam no impacto com o real. Buscam olhar com verdade para a realidade, abrir-se às propostas que ela faz verificando a pertinência ou a inadequação das mesmas. Não se furtam a encarar o utilitarismo tão presente nos relacionamentos atuais, que conduz inevitavelmente à solidão; ou o relativismo de valores que provoca um grande desinteresse por tudo ou a dúvida sistemática; expressam corajosamente a dor que eles provocam e procuram caminhos para superá-la. Eles reconhecem que a saída está em identificar o que já existe de valioso e verdadeiro na própria história e nas circunstâncias presentes: é isso que pode dar forças e orientação para prosseguir.
Finalmente, é possível verificar que, aceitando o desafio de olhar com verdade para si e para a realidade na qual está inserida, a pessoa torna-se capaz de julgar tudo, avaliar com os próprios critérios qualquer ideologia, questionando e superando o que não corresponde a si. De fato, nessa proposta educativa aposta-se na pessoa, na sua capacidade de ser livre, isto é, de afirmar e aderir ao que é verdadeiro.


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Qual é mesmo a que vale?

É essa ansiedade, essa angústia, esse negócio que dá de noite, que o pega quando você parece estar tranqüilo, mas de fato nunca está. Aí você nem sabe mais se é carência ou o quê. Certamente, qualquer companhia conforta momentaneamente esse negócio. Uma cerveja com um amigo, um pulinho só na roda de choro, uma pizza na Real, qualquer dessas atividades basta. Por uma noite, basta.
Toda noite é assim. Depois que o sono passou, mas insisti em buscar alguma coisa para fazer acordado. Pronto, eis que pinta essa dorzinha, mais para aflição que para dor, mais para ansiedade que para qualquer coisa.
É aquela falta que nem o melhor amigo preenche. É aquele desejo que nem a melhor amante sacia. É aquela coisa de saber que só há esperar. Esperar porque há, em algum momento, em algum lugar, mais que a moça que quase.
Mas basta! Quem diz sou eu. Simplesmente opção. Optar por parar e por trabalhar, conhecer, ir a fundo. Será talvez medo ou preguiça de olhar melhor para o que já está aí? Será que o ceticismo é tanto que o meu próprio organismo passou a bloquear o PLIN?
Por que faz tempo que não olho para uma e PLIN, sabe? Já faz bem uns dois anos. Digo paixão, predisposição para querer desbravar o coração alheio e nele investir sem medir conseqüências, ou justamente buscando, através dele, a oportunidade para experimentar coisas que só a dois podem ser vividas. Dois de sexos opostos.
Está faltando vontade de compor. Motivo para não deixar as tantas idéias musicais passarem. As idéias passam como os belos corpos na rua: um breve momento de inspiração, de beleza, mas que não vale mais que preparação para a expiração. Inspira, expira, inspira, expira...
Muito pretexto que não vale a pena.
Agora, só uma dúvida: como é mesmo que sabemos qual aquele que vale?

(Vinícius Pereira, Diário Antropológico, edição 2006, p.25)

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Sonho e realidade

Esta noite tive um sonho. Nele, Alexandre, meu esposo, quis por uns dias experimentar um namoro com uma amiga minha. Não era bem o que se espera de um sonho. Ando muito cansada. É final de ano e estou prestes a me formar. Meus dias têm sido por demais corridos e exaustivos. Temos um filhinho de seis meses. João Francisco. Já era quase de manhã, quando me acordei no meio desse sonho tonto. Tinha que levantar cedo, arrumar várias coisas e ir para a faculdade. Os três, claro! Mas o bendito sonho estava ali, querendo invadir a Realidade. E a culpa? Do Alexandre! Ainda por cima isso, um dia duro e uma noite pior ainda. Ele dormia ao meu lado, pedindo para ser amado. Eu, muito traída estava. Deitei novamente minha cabeça no travesseiro. Vontade de que novo sonho me redimisse do anterior. Era só fingimento. Não dormi na verdade. Alê, lá pelas tantas, resolveu me acordar. Todo carinhoso, responsável – que aqui são sinônimos. Eu muito magoada que estava, dei um pulo que disfarçou minha investida contra ele. Voltei a fingir.
Engraçado que dá uma vergonha de contar. Está tudo tão claro. ra sonho. Ilusão. E não sou nietzschiana. Faltou liberdade para começar o dia. A Realidade estava à minha frente e eu tinha certeza moral do amor dele por mim. Mesmo assim, esqueci tudo na hora de agir.
Pensar na minha postura em ação e no que é importante para mim, agora, é pensar meu casamento, a vida em família. Experiência da mais pura Theoria. Se existem coisas das quais nunca me esqueço são os meus desejos mais íntimos e verdadeiros pela Verdade, Justiça e Felicidade. Eles me constituem de fato. Quero ser verdadeiramente boa. Então por que será que é tão difícil?... Meu casamento com Alê é verdadeira Graça, ainda mais porque é um convite da Realidade para mim. Convite que eu não quero jamais deixar de aceitar. Mas deixo. O importante é lembrar.
A Realidade está sempre aí, convidando. A gente aceita uns, esquece em outros. Tudo bem, não importa. A Realidade continua lá, sempre convidando. Eu sou mesmo muito feliz. E amanhã terei outra chance de recomeçar a vida, como um novo dia.
Aceito!!!

(Anna Grisólia, Diário Antropológico, edição 2006, p.109)

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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