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Passos N.76, Setembro 2006

SOCIEDADE

Entrevista com Edmund Pellegrino: A pílula da imortalidade:
desastrosa ilusão

por Marco Bardazzi

O que está acontecendo com a pesquisa bioética? Quais são os seus limites? Quais as novas fronteiras que se abrem? Quem fala sobre esse assunto é o chefe da comissão de bioética da Casa Branca. Nesta entrevista, ele denuncia que a utilização indiscriminada das biotecnologias, por parte da ciência, nos levará inevitavelmente para a eugenia

O cenário que ele traçou para o auditório lotado do Meeting certamente não deixou ninguém indiferente. “No mundo científico, tem gente pensando numa nova criação da vida humana; tem gente estudando modos de mudar a nossa espécie, utilizando-se de tecnologias próprias para ‘melhorar’ o homem, por achar que Deus não fez um bom trabalho”. Edmund Pellegrino dedicou a própria vida primeiramente à medicina e, depois, às questões éticas levantadas pela pesquisa médica. Suas advertências gozam da autoridade que lhe advém do fato de estar à frente, em Washington, do Bioethics Council, a comissão de bioética da Casa Branca. Embora em Rímini ele falasse a título pessoal, não deixa de ser interessante ouvir do homem que oferece conselhos ao presidente George W. Bush seu pensamento sobre o que está acontecendo no mundo da pesquisa científica. Pellegrino debateu com
Giorgio Israel (Università La Sapienza, de Roma) sobre o tema “A bioética e a busca da felicidade”. O moderador foi Giancarlo Cesana.
Passos solicitou-lhe uma entrevista, para aprofundar os temas abordados na palestra.

Estão sendo preparados certos procedimentos, como o diagnóstico genético pré-implantação, que prevêem criar embriões em laboratório e implantar no útero materno apenas aqueles que preencham determinados requisitos. Estamos caminhando para a eugenia?
Certamente. Já estamos seguindo nessa direção. O que são essas práticas citadas por você? Queremos crianças perfeitas, que cresçam sem deficiências. É feita uma seleção e é sempre possível abortar o que não vem como o esperado. É uma realidade muito perigosa. As intervenções do tipo genético têm aspectos positivos e negativos, mas sempre que usamos o nosso conhecimento para fazer mal ao feto, pelo aborto ou outros meios, praticamos um gesto errado, do ponto de vista ético.

No Meeting, o senhor falou da “busca da felicidade”. Mas temos o direito de perseguir, por nós mesmos, pela pesquisa, uma virtual imortalidade?
Usando o termo “direito”, entramos no terreno legal, e não há nenhum direito legal à imortalidade, nem é pensável que algum governo o estabeleça. A utilização de técnicas que levariam à busca da imortalidade tem a ver não tanto com leis, mas com a ética. Se alguém persegue a própria imortalidade, e outros seguem o mesmo caminho, o impacto sobre a sociedade é desastroso, porque o tipo de tecnologia que acabaremos por usar é extremamente perigoso. A esperança da imortalidade é a maior ilusão da raça humana. Há quem veja nas biotecnolo-gias um modo de alcançar a felicidade, mesmo que às custas de destruir embriões para a pesquisa. A tecnologia abre muitíssimas portas, mas o nosso problema é entender quais vale a pena abrir, quais não deveriam jamais ser abertas e quais, uma vez abertas, devem ser imediatamente fechadas.

Está cada vez mais difundida a tendência a definir o método científico como algo capaz de explicar tudo...
Há uma fortíssima tendência, que, aliás, não é nova, de pensar que o ser humano pode ser compreendido apenas com a consideração dos seus aspectos químicos e físicos. Já Watson e Crick (cientistas britânicos que descobriram a estrutura do DNA, nde) sustentavam que isso era tudo o que precisamos para compreender o homem; Deus seria totalmente dispensável. Para quem olha a humanidade de um outro ponto de vista, porém, esse método é completamente inadequado. Mas o mundo
científico está cada vez mais dividido entre os que sustentam uma antropologia que se baseia só na matéria (e por isso o homem é simplesmente uma mais complexa organização da matéria) e os que defendem que há algo mais a ser levado em conta. É uma divisão que está se radicalizando e que está na base de todas as discussões atuais sobre bioética. A minha posição é que raciocinar só em termos de química e física é um método totalmente inadequado: há muitos aspectos da vida humana que não são mensuráveis a partir de uma abordagem científica desse tipo; esse não pode ser o único modo de conhecer a realidade.

O senhor sustentou que na relação diária médico-paciente não é possível abordar as questões éticas que emergem sem levar em conta as “questões últimas” e que, portanto, os médicos são levados, hoje, a tomar decisões quando essas questões ainda aguardam resposta. Poderia elaborar essa reflexão?
O que significa o ser humano? O que é a dignidade do ser humano? Qual é o objetivo da vida humana, o seu destino? Há pessoas que negam a existência de algo especial nos seres humanos. Mas não podemos utilizar a tecnologia de um modo sábio se, antes, não compreendemos o objetivo. Estamos profundamente divididos em relação ao juízo sobre o homem, mas muitos no mundo da bioética reconhecem, agora, que não se pode ir adiante se antes não se respondem a essas questões.

Nos Estados Unidos, discute-se certos temas, como a pesquisa sobre células-tronco, o aborto, a eutanásia, a medicina regeneradora. Poderia fazer uma avaliação qualitativa desse debate?
Muitos especialistas em bioética estão se politizando, no sentido danoso do termo. Querem decidir o que é justo ou errado, e transferir imediatamente essa decisão para o plano da ação, transformando-a em lei. Isso vale tanto para os conservadores quanto para os liberais. Estamos passando da dialética – que é o exame inteligente de um problema – para a polêmica. Há brigas, ofensas mútuas, e assim se perde a capacidade de levar adiante um discurso coerente.

Provocou sensação, no mundo, a decisão do presidente Bush de usar, pela primeira vez desde que está na Casa Branca, o poder de veto justamente sobre uma questão de bioética, tornando sem efeito a lei aprovada pelo Congresso que estendia o financiamento federal para a pesquisa sobre células-tronco. É um tema, ao que parece, que preocupa muito o presidente...
É muito importante que o presidente leve a sério esse tipo de questão. Ele fez absolutamente a coisa certa ao usar o direito de veto, porque, como sabemos, esse tipo de pesquisa pressupõe a destruição do ser humano em seus primeiríssimos estágios de desenvolvimento. O presidente Bush agiu com sabedoria, de um modo ético e humano.

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Edmund Pellegrino, 84 anos, é professor de Medicina na Universidade de Georgetown (EUA). De 1983 a 1989 foi Reitor do Instituto e de 1991 a 1996 foi Diretor do Centro universitário de pesquisa médica sobre bioética. Autor e co-autor de 24 livros e de mais de 550 publicações, é o fundador do Journal of Medicine and Philosophy. Em 2004, Pellegrino passa a integrar o comitê de bioética junta às Nações Unidas. Há um ano é o chefe da Comissão de Bioética da Casa Branca, depois de ter participado como membro desde a sua criação em 2001.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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