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Passos N.75, Agosto 2006

CULTURA - SÃO BENTO

Homens com o olhar voltado para Deus -
E a civilização renasce

por Joseph Ratzinger e Luigi Giussani

Em um tempo no qual o Império e o mundo inteiro dissolviam-se, São Bento marcou o início de uma convivência nova, de um tipo de humanidade que não vivia a existência como caos, mas como ordem. Foi o testemunho de uma convivência diferente, que gerou uma civilização. Uma companhia humana nova em nome de Cristo, na qual o homem começa a ser finalmente si mesmo porque se torna consciente da sua origem, da sua consistência e do seu destino. Por isso, São Bento continua atual

Precisamos de homens que tenham o olhar voltado para Deus, aprendendo daí a verdadeira humanidade. Precisa-
mos de homens cujo intelecto seja iluminado pela luz de Deus e a quem Deus abra o coração de modo que seu intelecto possa falar ao intelecto dos outros e seu coração possa abrir o coração dos outros. Somente por meio de homens que são tocados por Deus, Ele pode se voltar para os homens. Precisamos de homens como Bento de Norcia, o qual, em um tempo de dissipação e decadência, imergiu na solidão mais extrema, conseguindo voltar – depois de todas as purificações pelas quais deveria passar –, alcançar a luz, e fundar em Montecassino a cidade sobre o monte que, mesmo com tantas destruições, reuniu as forças das quais se formou um mundo novo. Assim, Bento, como Abraão, tornou-se pai de muitos povos. As recomendações escritas a seus monges no final de sua Regra são indicações que mostram, também a nós, o caminho que conduz ao alto, além das crises e das ruínas. “Assim como há um zelo amargo que afasta de Deus e conduz ao inferno, há um zelo bom que afasta dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna. É a este zelo que os monges devem exercitar-se com amor ardente: “Aconselhem-se uns aos outros a render honras, suportem com suma paciência suas enfermidades físicas e morais... Amem-se com um afeto fraterno... Temam a Deus no amor... Não anteponham absolutamente nada a Cristo, aquele que poderá conduzir todos nós à vida eterna” (capítulo 72).
(Joseph Ratzinger, Conferência sobre “A Europa na crise das culturas”,
na entrega do Prêmio São Bento. Subiaco, 1º de abril de 2005)


...outrora esta companhia, ou esta estrada, tinha um perímetro imponente, imponente do ponto de vista da robustez dos muros e do ponto de vista de seu arrebatamento estético. Nada mais belo e mais fascinante, nas épocas remotas, do que o mosteiro. Os muros eram defendidos dos inimigos também físicos, a beleza de sua arquitetura só tinha um rival: a beleza do canto e da oração que dentro daqueles muros e embaixo daquelas abóbadas se fazia. Agora a coisa se tornou mais espiritual, agora a coisa se tornou mais sutil, parece mais inconsistente; não há aqueles muros de mais de um metro de profundidade, não há aquelas abóbadas arquitetônicas, aqueles espaços que, sozinhos, atraíam a alma, não há mais aquele estímulo fascinante do canto e da oração regular. Há uma companhia, a companhia entre nós, a nossa amizade, uma companhia na qual tudo depende da boa vontade, depende da vontade dos componentes. Esta companhia deve substituir aqueles muros, deve recuperar o eco daqueles cantos, daquelas orações, deve saber inspirar um olhar que faça perceber, ao menos de algum modo, a atração física de Deus na sua realidade dentro do mundo, a atração do sinal de Cristo, aquela atração que é sinal de Cristo.
(Luigi Giussani)

São Bento encontrou o mundo social e material em ruínas, e a sua missão foi a de recolocá-lo em ordem, não com
métodos científicos, mas com meios naturais, não obstinando-se na pretensão de fazê-lo dentro de um tempo determinado ou fazendo uso de um remédio extraordinário ou por meio de grandes empreendimentos; mas de um modo tão calmo, paciente, gradual, que com muita freqüência se ignorou este trabalho até o momento em que ele se via terminado. Tratou-se de uma restauração, mais que de uma obra caritativa, de uma correção ou de uma conversão. O novo edifício, que ele ajudou a fazer nascer, foi mais um acréscimo que uma construção. Homens silenciosos eram vistos no campo ou avistados na floresta: escavando, desterrando e construindo, e outros homens silenciosos, que não eram vistos, ficavam sentados no frio do claustro, cansando os seus olhos e concentrando a sua mente para copiar e recopiar penosamente os manuscritos que eles haviam conservado. Nenhum deles protestava, nenhum se lamentava, nenhum chamava a atenção para aquilo que fazia, mas pouco a pouco os bosques pantanosos se tornaram eremitério, casa religiosa, feitoria, abadia, vila, seminário, escola e por fim cidade.
(J.H. Newman, Historical Studies, II)

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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