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Passos N.75, Agosto 2006

CULTURA

O maestro e os rapazes do Coral

por Marco Bona Castellotti

Um supervisor apaixonado pelo canto em uma casa de correção para “meninos difíceis”. Surge um relacionamento pleno de amor e de positividade que possibilita um futuro diferente.

Não é necessário urrar como um aiatolá de periferia para difundir um testemunho cristão por meio de uma obra de arte; não necessariamente temos que recorrer à sua linguagem obscura. Ao contrário, a difusão pode acontecer – conforme a tradição – também sob a forma clássica e lírica de um filme como A Voz do Coração (Les Choristes, no original), realizado em 2004, por um diretor francês de nome Christophe Barratier, filme que recomendo a todos e que, apesar do sucesso na França, passou quase que despercebido pelo Brasil.
Barratier recuperou uma película francesa de 1949, La Cage Aux Rossignols (A gaiola dos rouxinóis; nde), e a adaptou ao público de hoje. A história narrada se desenvolve de maneira direta, mas densa, em 1949, num colégio cujo nome, “Fundo do Pântano”, fala por si só; trata-se, de fato, de um estabelecimento para correção de “meninos difíceis”, numa província francesa. Um dia chega o novo supervisor, quarentão de rosto comum e uma expressão entre o afável e o melancólico. Homem forte, mas capaz de ternura, compositor amador de música sacra: Clement Mathieu.

Gratuidade completa
Ele inicia um relacionamento com os rapazes que reconhece como “seus filhos”; à verdade do relacionamento chega pelas aulas, numa educação progressiva que se desenvolve sob a forma de uma educação ao canto coral. Para isso, a harmonia das diversas vozes do coral tem um valor simbólico, como “forma” da harmonia quase total que vem a criar-se, graças ao irradiar da transparente positividade que Mathieu sabe difundir ao seu redor. A harmonia envolve até os mais rebeldes e mais duros de dobrar-se à substancial novidade suscitada por aquele homem que faz tudo gratuitamente. Mathieu testemunha uma gratuidade completa, um pouco como aquela descrita no belíssimo livro de Dom Giussani É possível viver assim? (Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro 1998; nde). Mathieu dá por dar, ama por amar; alimenta certezas e esperanças, que são o fermento de cada ação sua, mas nada espera e nada pretende. Pela lógica imposta pelo horrível diretor Rachin “rei dos imbecis”, “profundamente mau e tonto”, baseada sobre a idiota fórmula da “ação-reação”, contrapõe a razão da liberdade, como ouvimos no seu belíssimo canto intitulado “Vento do Norte”. Mathieu sabe ver nos rapazes do colégio “o desejo de liberdade”; há um que rouba para, um dia, poder comprar um balão e sair voando.

O bem e o mal
O fluxo de positividade que emana do supervisor é tão forte que até mesmo Rachin se vê envolvido, mas como na parábola do semeador, a semente nele morre logo porque Rachin personifica um pouco o mal; é a única figura verdadeiramente negativa. Categorias fortemente cristãs, essa do bem e do mal, encarnam-se nos dois opostos. Na batalha terrena o bem vence sem triunfalismo e nenhum subentendido. Quando Mathieu, ao final, deixa o colégio, como “musicista falido, supervisor desempregado”, desejaria que os meninos rebeldes saíssem da sua indiferença e viessem despedir-se; “paciência” murmura, porque não se mostram. Porém, quando passa sob a janela da classe do primeiro andar, cai sobre ele uma chuvinha de folhas rabiscadas com palavras afetuosas de despedida. Naqueles meses todos tinham mudado, uns mais outros menos. Mesmo Pierre Morhange havia mudado, ele que teve seu retrato delineado com lucidez. Ange significa anjo; Morhange tem um rosto de anjo e um coração un petit peu glacial (um pouquinho gelado), mas somente a primeira camada o é. Na verdade, canta como um rouxinol. Um dia se tornará um grande regente de orquestra. Sua mãe, Violette, é mais bonita do que as outras que vão visitar os filhos. Por ela Mathieu sente algo mais que simples simpatia e ilumina-se ao ouvi-la dizer que, graças a ele, sua vida mudou. Mathieu lhe trouxe sorte e Violette lhe confessa ter encontrado um engenheiro de Lion. Mathieu receberá o golpe com dignidade.
Também o jovem Morhange mudará, mas em algum dia distante no tempo, quando Mathieu não estiver mais lá. “Repensando a sua própria infância” estará pronto a sair de sua carapaça defensiva e da sua orgulhosa solidão. Mathieu foi capaz de perfurá-la, lendo, para além das aparências, “a alegria de ser perdoado” e uma “espécie de reconhecimento” em relação a si.
Mas, o que vale o reconhecimento dos outros quando aquilo a que se aspira é algo de infinitamente mais alto?

Título Original:
Les Choristes
Gênero: 
Drama
Tempo de Duração:
95 minutos
Ano de Lançamento (França):
2004
Estúdio:
France 2 Cinéma / Galatée Films / Pathé Renn Productions / Novo Arturo Films / Vega Film AG / CP Medien AG
Distribuição:
Miramax Films / PlayArte
Direção:
Christophe Barratier

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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