Ser cristão é viver com mais intensidade. Nenhum aspecto ou desejo do homem é censurado. A seguir, discurso feito no
II Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades. Rocca di Papa, 31 de maio de 2006
Para abordar o tema da beleza – sobretudo a problemática educativa relativa ao modo por meio do qual, ao encontrar a beleza, conhecemos Cristo – parto de um aspecto que foi característico do nosso Movimento desde seu início. A Juventude Estudantil nasceu nas escolas de nível médio e originalmente era o único grupo que, na minha visão, era misto, isto é, o único grupo onde os meninos e as meninas atuavam juntos. Naquela época, havia um certo medo do sexo e, por isso, homens e mulheres eram mantidos separados. A Dom Giussani foi feita a objeção a respeito da periculosidade desse detalhe da sua linha educativa, e ele respondia mais ou menos o seguinte: “Se vocês, na igreja, mantêm os homens e as mulheres separados – antigamente, os homens nos bancos da direita, e as mulheres, nos bancos da esquerda –, depois de alguns minutos poderão notar que os rapazes facilmente estarão com os olhos voltados para o lado oposto. A menos que, do púlpito, venha uma proposta mais forte, mais fascinante, mais convincente: então, todos olharão para frente”.
O problema do cristianismo criticado por Giussani é, segundo essa descrição, que ser cristão não é ser como todos os outros, fazer como todos os outros, dar um passo para trás. Ora, ser cristão é dar um passo para frente. É viver mais intensamente.
Dom Giussani investiu muito no tema da beleza de Cristo, da beleza como evidência da verdade e do bem, e nos forçou a olhar para frente, não para o lado. É o desafio da proposta cristã, porque enfatizar a importância da beleza quer dizer aceitar o confronto com o desejo – porquanto a beleza suscita o desejo, que é o aspecto mais “perigoso” da experiência humana, no sentido de que é pouco controlável.
Como Deus é grande
No desejo do homem, em todos os desejos do homem, há uma tensão última para o infinito, para Deus. Nos voltamos para Cristo porque seguimos essa tensão última para Deus. Dom Giussani sempre insistiu – inclusive como crítica a uma certa orientação espiritual muito preocupada com os comportamentos – que o problema de Deus não é um problema moral, mas sim a resposta a uma exigência humana tão forte como a fome, a sede, o sexo; o problema de Deus é uma exigência fundamental.
Assim, o homem não pode viver sem a beleza. Explico melhor com o relato de um episódio contado pelo próprio Dom Giussani: quando era criança, ia bem cedinho à missa, junto com a sua mãe; um dia, observando a única estrela presente num céu limpíssimo, a mãe lhe disse: “Como é belo o mundo e como Deus é grande”. Como é belo o mundo: a beleza, o princípio estético. Como Deus é grande: o mundo me foi dado. Quer dizer que não podemos viver a realização do desejo se não com o sacrifício. A não-realização de um desejo não é sacrifício, é uma infelicidade; o problema é quando o desejo se realiza: quando a mulher que você ama, também ama você, aí deve existir o sacrifício, isto é, a virgindade, ou seja, o reconhecimento da presença de um outro que foi dado a você, que não é seu, que você não pode usar como bem entender.
Dom Giussani colocou à prova os nossos desejos ao aceitar confrontar-se com uma problemática tão profundamente humana e moderna, porque prendendo-se à estética geralmente não nos damos conta da relação entre beleza e desejo. A beleza é que permite ao conhecimento tornar-se afetivo, apegar-se; para dar essa orientação educativa, Dom Giussani teve que aceitar um fortíssimo envolvimento afetivo, isto é, teve que reconstruir e construir a experiência da amizade. O homem encontra Deus quando entende que Deus o ama.
Os santos, verdadeiros teólogos
A encíclica do Papa diz: “Deus ama o homem”, e o ama com um amor eletivo, não genérico. Isto é, Deus não ama o homem em geral, ama a mim, e o modo como eu posso perceber isso é pela amizade, que me dá testemunho disso. É o Papa quem o diz: “É preciso que haja homens que tornem Deus crível; mas não crível para os outros, crível para mim”.
Fiquei muito impressionado com uma citação de von Balthazar feita pelo Cardeal Schönborn: “Os únicos teólogos que me interessam são os santos”. Os santos são os verdadeiros homens, os homens realizados, os homens que demonstram essa correspondência, essa amizade com Deus e comigo, entre Deus e eu.
Essa é, justamente, uma das características do nosso Movimento, do ponto de vista educativo, que descrevo com as palavras do professor Nikolaus Lobkowicz – diretor do Instituto Central de estudos sobre a Europa do Leste, na Universidade Católica de Eichstätt-Ingolstadt – no prefácio do livro Educar é um Risco, de Dom Giussani: “Não é por acaso que a amizade seja uma das virtudes que o Movimento fundado por Dom Giussani exerce mais alegremente; uma amizade que toca a quem quer que se encontre pelo caminho e que não falta nem mesmo se o amigo tomar rumos que não se aprovam”. Ou não seja exatamente aquilo que gostaríamos que fosse; ou a esposa não seja como desejaríamos que fosse, porque mesmo quando nos casamos, o primeiro problema é manter-se amigos, isto é, compartilhar o mesmo destino; não só a convivência, não só a simpatia, não só a atração, mas o destino, o objetivo da vida. Em uma relação assim, nos interessamos por tudo e começamos a entender – eu estou compreendendo cada vez melhor – aquilo que dizia São Paulo (Dom Giussani dizia que essa era a mais bela definição de cultura que já tinha ouvido): “Avaliai tudo e ficai com o que é bom” (1Ts 5,21).
Ouro tirado do barro
Quando vamos ao Museu de Arte Moderna de Nova York, na medida em que subimos os andares, o que impressiona não é que Deus não esteja presente – na arte moderna, isso é até compreensível –, mas que o próprio homem esteja ausente. Qual é, então, o convite que São Paulo nos faz? Que sejamos construtivos, que saibamos apreciar a beleza, que é o verdadeiro valor da crítica, que sabe justamente tirar o ouro do barro. Se vivemos a amizade desse modo, tudo nos interessa.
Eu costumo dar este exemplo: um rapaz se apaixona por uma moça, e ela lhe diz “sim”; se no dia seguinte a esse “eu também te amo” ele tiver de enfrentar um trabalho difícil, uma linha de montagem, tudo se torna mais fácil, diferente. Esse não é um fato meramente subjetivo, mas objetivo, porque é desejado, não é uma opinião só sua. Quando isso acontece, ocorre que passamos a nos interessar por tudo. Gostaria de dizer isso com as palavras do padre Divo Barsotti, recentemente falecido: “Eu preciso do mundo todo. O mundo todo deve estar integrado em mim; eu preciso me aproximar de tudo, me alimentar de tudo, para que em mim tudo se torne cristão”.
É fácil entender que precisamos de tudo, que a dimensão do homem é essa necessidade de tudo, e o tudo é justamente o infinito. Não muitas coisas juntas, mas tudo. É o contrário de uma estética intelectual, onde o que agrada é só aquilo já que se pensa.
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