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Passos N.74, Julho 2006

EXPERIÊNCIA - SÃO PAULO | UNIVERSITÁRIOS

…Está acontecendo agora

por Paolo Perego e Paola Ronconi

Jovens universitários e recém-formados se colocam à disposição de Cleuza e Marcos Zerbini para ajudá-los na realização do “Movimento Faculdade”. Um encontro mensal com 15.000 universitários tendo como base o texto de Escola de Comunidade. Continua a surpreender a experiência desse casal, fundadores da Associação dos Trabalhadores Sem Terra (ATST). Pessoas que no encontro com o Movimento Comunhão e Libertação descobriram a razão de uma paixão pelo homem na sua totalidade

La Thuile (Itália), agosto de 2005. Durante o encontro da Assembléia internacional dos responsáveis de CL, Cleuza se levanta para fazer uma pergunta sobre o convite que padre Carrón havia feito para proporem a Escola de Comunidade: “Se 10% dos nossos amigos aceitassem o convite, como eu e meu marido faremos para conduzir uma Escola de Comunidade com 10 mil pessoas?”. Sim, 10 mil. Porque Cleuza Ramos e o marido Marcos Zerbini são os fundadores da Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo, que possui cerca de 100 mil associados entre homens e mulheres. Essa iniciativa consiste na compra comunitária do terreno e construção própria (veja em Passos de junho 2005). “Encontrarão uma resposta”, lhe disse Cesana.
Encontramos Cleuza e Marcos, acompanhados de Alexandre Ferrari, médico pediatra em São Paulo, que estiveram na Itália para o encontro do Papa com os Movimentos e as Novas Comunidades, realizado no dia 3 de junho. Nesta ocasião eles nos contaram sobre os incríveis desenvolvimentos da história deles.

Tenhamos como ponto de partida aquela pergunta de La Thuile…
Cleuza.
Nós cremos que o nosso trabalho seja uma missão e que se fomos convidados a participar da Assembléia Internacional de Responsáveis em La Thuile, não era para fazer turismo, mas para trocar experiências. Aquele encontro me marcou. A minha ansiedade é para levar a todos a beleza que eu encontrei. Lendo um livro de Dom Giussani, Passos de Experiência Cristã, que eu gosto muito, eu me perguntava: como faço para levar isso para todas as pessoas? Em uma das páginas do livro se fala que todos os cristãos têm o dever de comunicar a mensagem no modo mais simples. Na nossa Associação, quando nos encontramos para as assembléias, usamos um panfleto informativo, que gira rapidamente: cada um deve entregar para o próprio vizinho, e assim todos o lêem. Então experimentamos preparar um destes panfletos sobre um certo tema com uma canção popular brasileira e um trecho de Giussani retirado de Passos de Experiência Cristã.

Mas como nasceu este grupo de Escola de Comunidade?
Marcos.
É preciso dar um passo atrás para entender. Neste grupo de pessoas (Associação dos Trabalhadores Sem Terra; nde), depois que conseguiram suas casas, perceberam outras necessidades, e uma delas é que os jovens que terminam o ensino médio não conseguem entrar na universidade. No Brasil a universidade pública tem poucas vagas e, como a prova do vestibular é difícil, só conseguem entrar aqueles que estudaram em boas escolas particulares. E o jovem pobre tem como única saída pagar uma universidade particular. A escola pública é de baixa qualidade e seus alunos não conseguem superar o vestibular. Há, portanto, uma contradição no fato de que quem consegue as vagas da universidade gratuita são aqueles que tiveram dinheiro para estudar em boas escolas particulares, e não quem realmente precisa. Por isso começamos a pensar em uma alternativa. Naquele período participamos de um encontro da Companhia das Obras da América Latina e conhecemos a experiência educativa de Tista na universidade de Lima, no Peru. (veja Passos, outubro 2003). A primeira idéia era a de construir uma faculdade nossa em São Paulo, idéia que logo foi deixada de lado por causa da enorme burocracia e das dificuldades para conseguir a aprovação do Ministério da Educação. Porém, descobrimos que as universidades particulares de São Paulo tinham muitas vagas ociosas. Elas também fazem um exame de vestibular com número de vagas fechado, mas têm menos procura porque são pagas.

E o que vocês fizeram?
Marcos.
Começamos a negociar: “Vocês nos dão um desconto se trouxermos estudantes?”. Eles responderam: “Tragam pelo menos 1.000 estudantes e faremos um desconto de 30 e 60% na mensalidade”. Nós conseguimos levar 1.800 jovens vindos das famílias da Associação. Depois, esses jovens vieram até nós dizendo: “Eu tenho um amigo”, “Eu tenho um parente que quer freqüentar a universidade, mas não pode pagar”. Alguns nem são da Associação, nem moram nos nossos bairros, mas queriam entrar na universidade. Hoje, em dois anos e meio, são 10.000 os jovens que já estão na universidade. E outros 3.000, que pertencem à Associação, iniciam em agosto. Começamos a fazer reuniões com esses jovens, e hoje esses encontros são uma Escola de Comunidade e são cerca de 15.000 pessoas que participam.
Cleuza. As pessoas que vêm nos procurar escutam: “Vocês vêm atrás da gente em busca de terra para construir uma casa ou buscando um modo para entrar na universidade; a nós interessa discutir a vida: se querem participar e discutir sobre a vida, vocês são bem-vindos, se não busquem outra alternativa”. A normalidade para os jovens é cuidar apenas dos interesses individuais. Quando a pessoa começa a entender que a sua felicidade depende da felicidade do outro, se torna mais fácil o caminho e tem mais sentido ficar juntos. Muitos jovens vieram nos dizer: “Vim aqui buscando um desconto para a faculdade, mas hoje isso é o que menos importa”. Porque no fim nasce entre eles uma companhia. Eles entendem que aquilo que nos interessa é o melhor para eles, e que possam viver o melhor.

E como essa realidade de jovens incide na universidade?
Alexandre.
Só um exemplo: as pessoas levam com elas estes panfletos que são distribuídos nas reuniões e muitas vezes a discussão continua nos seus locais de trabalho ou em casa, ou até mesmo algum professor lhes usa durante as aulas como pontos de reflexão. Um dos textos chegou a se tornar tema para a prova de vestibular de uma das faculdades conveniadas! Em uma das universidades, dos 50 mil alunos, 5 mil são “nossos”, da Associação, e no fim o trabalho sobre o texto tem um impacto em toda a instituição.
Marcos. Os reitores das universidades nos dizem: “Os jovens de vocês são diferentes”. Agora o nosso projeto é construir uma faculdade da área de humanas – que não tendo equipamentos caros de laboratório diminui o custo –, e então será possível oferecer cursos ainda mais acessíveis aos jovens.

Mas porque vocês fazem tudo isso?
Cleuza.
Eu nunca tinha saído do Brasil. A primeira vez que estive na Itália, em La Thuile, como eu disse, não era para turismo, mas para troca de experiências. As pessoas dos países ricos têm uma idéia errada de pobreza, como se nos faltasse apenas comida. Não é verdade. Nós temos fome e sede de coisas bonitas, de arte, de história, de experiências que tiveram sucesso. Então, para nós esta troca de experiências é fundamental. Por exemplo, hoje conhecemos a experiência da Cusl (Cooperativa universitária de trabalho e estudo; nde): para nós isso será muito importante porque os livros e material didático custam muito caro. Os nossos governantes se preocupam em dar “esmolas” ao povo, mas os jovens não precisam disso, e sim de tecnologia moderna, de comunicação, de informação, de arte. A nossa maior necessidade hoje é “saber as coisas”. Quando eu volto de viagem as pessoas me perguntam: “Como é Roma? Como é um museu? Como é aquela Madonna?”. As coisas mais “velhas” que nós temos são de 200-300 anos e estão todas destruídas. Os jovens perguntam sobre os museus porque querem entender como é. E vocês acham que os nossos governantes têm em mente que os jovens pobres da periferia pensam nos museus, na música clássica, em Leonardo da Vinci?! “Isto é para os ricos”, dizem! Para eles o pobre não precisa destas coisas! Fiquei impressionada quando Vittadini nos contou que uma vez, quando os primeiros do Movimento iam fazer caritativa na Bassa, deram dinheiro a uma senhora pobre: depois descobriram que ela comprou um batom e foram reclamar com Dom Giussani: “Mas como: ela não tem nada e com o dinheiro que lhe demos compra um batom!?”. E ele: “Como vocês são pretensiosos! Quem são vocês para saber qual é a verdadeira necessidade daquela mulher?”. Eu já tinha nas costas 30 anos de trabalho com os pobres e me concentrava na casa, na terra... nunca tinha me colocado essa questão. Então começamos a colocar nos centros comunitários dos nossos 25 bairros serviços de beleza para as mulheres: cabeleireiro, manicure, pedicure, ginástica, dança.

De que modo?
Cleuza.
Convencemos alguns cabeleireiros e esteticistas dos salões de beleza dos bairros ricos a irem nos nossos bairros cuidar gratuitamente da nossa gente. E para as nossas mulheres, algumas com depressão, uma coisa como esta teve um impacto maior do que conseguir a casa própria. Uma mulher nos disse comovida: “Tenho 60 anos e é a primeira vez na minha vida que vou ao cabeleireiro”. É a experiência que carregamos que muda a vida das pessoas. Tanto é verdade que muitas começaram a cuidar de um modo diferente das suas casas, a deixá-las mais bonitas; e está se desenvolvendo muito a produção artesanal, sobretudo têxtil, de ótima qualidade.

E a vida de vocês mudou?
Cleuza.
Há alguns dias um jornalista que está escrevendo um livro sobre movimentos populares, me entrevistou e fez essa pergunta: “Você continua repetindo que nos últimos cinco anos mudou depois de ter encontrado CL. Mas o que mudou?”. Respondi que antes eu fazia um trabalho “por compaixão”, tendo pena dos pobres. Hoje faço por amor a eles, que têm os mesmos desejos, as mesmas exigências que todos.
Marcos. As pessoas nos dizem: vocês estão mudados, não sabemos bem porquê, mas estão diferentes. Direi que hoje voltamos a ter a mesma paixão que tínhamos no início do nosso trabalho.
Cleuza. E a cada dia descubro um pouco mais. As pessoas freqüentemente nos perguntam: “Qual é a diferença entre ser católica e ser de CL?”. Ser católica pra mim era ir à missa e rezar em casa. Hoje pra mim significa ser católica em todos os lugares onde estou: no trabalho, no trem, falando de Jesus Cristo vivo a todos. Falar do nosso movimento ou falar de CL é falar de uma paixão: é quase perigoso! É como falar de um grande amor, parece que não tenha defeitos. Descobri em mim uma vontade de infinito e a tarefa de dizer a todos: venham!

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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