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Passos N.73, Junho 2006

IGREJA - POLÔNIA | BENTO XVI

A unidade de um grito dirigido ao Deus comum

por Marina Ricci

De 25 a 28 de maio, o Papa esteve em visita à Polônia, refazendo a trajetória de vida de Karol Wojtyla. A última etapa da viagem incluiu uma visita ao campo de concentração de Auschwitz. Onde “o Amor desceu até as profundezas do abismo do mal”. O testemunho do Papa

As anotações da viagem foram marcadas por dois momentos: aquele dos poloneses que, em frente ao santuário de Kalwaria Zebrzidowska e sob as janelas da Cúria de Cracóvia, gritam “Wir lieben dich” (Nós te amamos); e aquele do arco-íris que repentinamente aparece no céu do campo de extermínio de Birkenau, durante a visita do Papa. São duas fotografias que imortalizam e unificam as duas viagens feitas por Bento XVI à Polônia. A primeira é a da lembrança alegre e fecunda de Karol Wojtyla. Quem, mais do que os poloneses, teria direito a uma certa relutância em mostrar entusiasmo frente ao sucessor de João Paulo II? Aconteceu exatamente o contrário. Os dias em Cracóvia foram uma significativa oferta de adoção, um forte apelo a que ele considerasse a Polônia sua segunda pátria, o que representa um sinal de alerta para a Alemanha, que até agora se mostrou pouco inclinada a demonstrar afeto pelo seu compatriota elevado ao trono de Pedro. Foi uma viagem que seguiu a trajetória de vida de Karol Wojtyla, de Wadowice, cidade natal, ao santuário de Kalwaria, lugar do consolo e das decisões, e também ao santuário de santa Faustina Kowalska, em Cracóvia, o abrigo da Misericórdia divina no meio do inferno da Europa nazista.

Uma forte presença
Foi uma trajetória do sentimento, mas não sentimental, na acepção negativa que esse termo pode ter. A comoção que se experimenta na Polônia, ao se visitar os lugares de João Paulo II, é provocada por uma presença mais forte do que a morte e pela percepção de um Mistério que tomou conta da vida de Karol Wojtyla e fez dela um dom que ainda permanece. Nesse sentido, foi uma viagem do coração, cheio de gratidão. Foi o que disse Bento XVI: “Não é uma viagem sentimental... mas estou aqui por uma necessidade do coração”. Duas coisas precisam ser acrescentadas: a surpresa de se reconhecer que, apesar das dificuldades (não poucas) que a Igreja polonesa enfrenta atualmente – em seu confronto com a ilusão das promessas e das tentações importadas do livre Ocidente, que agridem a integridade da Verdade da fé cristã –, os poloneses mantêm ainda uma consciência e um senso de pertença à Igreja desconhecido no resto da Europa, expresso também no acolhimento caloroso reservado ao Papa. Por isso, o apelo de Bento XVI a que permaneçam firmes na fé, sobretudo “em meio às pessoas e ambientes que gostariam de falsificar a palavra de Cristo e expurgar do Evangelho as verdades que, segundo eles, são muito incômodas para o homem moderno”. E a “compartilhar com os outros povos da Europa e do mundo o tesouro da fé, até por fidelidade à memória do vosso compatriota, que, como sucessor de São Pedro, fez isso com extraordinária força e eficácia”.
A segunda coisa a acrescentar é uma observação sobre a capacidade polonesa de fazer com que Joseph Ratzinger superasse sua natural timidez e reserva. Admirado, emocionado, comovido. Freado pelo não-domínio da língua, mas instigado pela excitante necessidade de responder àquele Wir lieben dich, ele buscou a ajuda do Arcebispo de Cracóvia, dom Stanislao Dziwisz, para que, em Kalwaria, fosse arrumado às pressas um tradutor, para poder dizer de improviso: eu também, como vós, rezo para que a Providência nos leve depressa à beatificação e canonização de João Paulo II. Foi uma confissão que brotou do coração, que venceu tanto a natural reserva pessoal quanto aquela própria de um Pontífice. Agora, disse Bento XVI no último dia da visita, a Cracóvia de Karol Wojtyla é também a minha Cracóvia.

O bosque de bétulas
A última imagem nos leva à segunda viagem do Papa, à memória dolorosa e inquietante do campo de Auschwitz-Birkenau, invadido pelas tropas midiáticas do mundo todo. Parábolas que se erguem por cima das grades de ferro, latinhas de bebida, câmeras fotográficas e um vai-e-vem indiferente e contínuo, ao longo das ruínas dos dois grandes fornos crematórios. Algo insuportável, numa terra que transpira morte e desespero e que lentamente, enquanto se aguarda a chegada de Bento XVI, a natureza parece se vingar. O céu é escuro e carregado de nuvens, os ramos das bétulas de Birkenau (que quer dizer, justamente, “bosque de bétulas”), agitados pelos ventos, evocam o sussurro de vozes que permaneceram ali para relembrar a vida que se extinguiu como carne num matadouro; a voz da morte sobe da terra penetrando os ossos de quem está vivo e ali comparece para celebrar. Ninguém, inclusive as tropas da mídia internacional, escapa do sentimento de angústia que, na medida em que passam os minutos, vai aumentando com as primeiras gotas de chuva. Parece que ainda estamos no tempo do Mal.
Bento XVI chega e, protegido por um guarda-chuva branco, percorre a longa fila de lápides que recordam as nacionalidades dos mortos, parando brevemente diante de cada uma. Percorre-as sob a chuva e quando gira para retornar, os guarda-chuvas se fecham e os olhos maravilhados de todos erguem-se para contemplar um arco-íris que aparece de repente, imponente e belo, no céu de Birkenau. Uma reparação antecipada nos jornais, que encheram páginas de críticas, submetendo injustamente o discurso e a pessoa de Bento XVI a uma espécie de tribunal jornalístico, definido por Giuliano Ferrara como “polemicume”.

Críticas injustas
Deixando de lado alguns insultos gratuitos, são fundamentalmente dois os pontos polêmicos. O primeiro envolve o julgamento histórico. Referindo-se ao regime nazista, Bento XVI falou de um grupo de criminosos que usaram e abusaram do povo alemão. Afirmação que lhe valeu o apelido de Papa revisionista e a acusação de querer esconder a questão do apoio dado ao nazismo por todo o povo alemão: a culpa coletiva da Alemanha. A segunda crítica refere-se à frase em que o Papa defende que o nazismo, ao eliminar o povo judeu, procurava eliminar também o cristianismo, extirpando sua raiz histórica. E essa espécie de participação indireta na Shoah soa, para o mundo judeu, como um enfraquecimento do seu caráter exclusivo. Mas ali, em Auschwitz-Birkenau, havia uma pergunta básica que ainda não se discute, mas que arde na nossa história presente, e à qual o Papa deu uma resposta; ou seja, a necessidade e a esperança de redenção dos homens foram definitivamente negadas e canceladas em Auschwitz ou, ao contrário, foram ali aguçadas. Isto é, se, depois de Auschwitz, não há mais possibilidade de ressurreição nem para o povo alemão nem para todos os outros homens. “Frente ao horror de Auschwitz – disse Bento XVI, lembrando sua viagem à Polônia – não há outra resposta senão a Cruz de Cristo: o Amor que desceu até às profundezas do abismo do mal, para salvar o homem pela raiz, lá onde a sua liberdade pode se rebelar contra Deus”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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