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Passos N.72, Maio 2006

EXPERIÊNCIA - Tríduo Pascal dos Colegais

Um povo novo

por Valéria Gomes Lopes

Jovens colegiais do Movimento se reuniram pela primeira vez para viver juntos o Tríduo Pascal no Brasil. O lava-pés, a Via Sacra, momentos de oração e gestos culturais para educar o coração ao reconhecimento de Cristo presente

No dia 13 de abril de 2006 um grupo de 120 jovens, animados por alguns educadores, rumaram de Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte para a Serra da Piedade, em Minas Gerais. Junto com Nossa Senhora percorreram a Via Crucis de Cristo em uma noite de lua cheia. Naquela Quinta-Feira Santa, reviveriam a mesma experiência dos Apóstolos que tiveram seus pés lavados por Cristo.
Antes, porém, refletiram sobre a mudança que sofre uma pessoa, um povo e a história quando encontram a Verdade. “Isso é apaixonante!” – vibrou Cristina, educadora italiana que, provocada pelo desejo dos brasileiros, ajudou-lhes a viver o primeiro Tríduo Pascal no Brasil. “O ponto mais objetivo da presença de Cristo é a Eucaristia, a Igreja. Deixem-se comover por aquilo que vão ver!” E começou a explicar a mudança ocorrida nos templos desde 200 anos antes de Cristo até os dias de hoje. Revelou como o sagrado abraçou o profano e deu-lhe um novo sentido. Falou da importância de uma pedrinha minúscula que compõe, unida a tantas outras, mosaicos maravilhosos que deixaram boquiabertos todos os que a ouviam. “Cada pedrinha tem o seu lugar!” Dentre tantos ensinamentos, descobriram que o Gótico quer dar a idéia de que Deus é Infinito, que o Barroco mostra que Cristo não teve repulsa de nada, que, na Arte Moderna, a presença de Cristo quebra as dimensões tempo-espaço, que o amarelo, em Giotto, é sinal de traição, mas que Judas também fora representado com auréola, como os outros discípulos, porque “o chamado de Cristo é maior do que qualquer mal do homem”.
Em seguida, padre Marcos, administrador do Santuário de Nossa Senhora da Piedade, incentivou-lhes a empenharem toda a sua humanidade naqueles dias de profundo silêncio, para reconhecerem, instante por instante, a Presença de Cristo. Encorajou-lhes a participar da Sagrada Eucaristia, que, nas palavras de Dom Giussani, é “um juízo e um desejo do bem, um grito pelo bem”.
Na pequenina Igreja de Nossa Senhora da Piedade foi celebrada a Santa Missa, em que se reviveu a Instituição da Eucaristia. A noite fria e cheia de névoa, o silêncio que invadia tudo guardavam a comoção dos jovens que tiveram seus pés lavados e beijados pelo Mistério. A presença de padre Marcos atualizava a Presença de Cristo.

Silêncio cheio de presença
Na manhã clara do dia 14, bem cedinho, todos desceram a Serra para encontrar, ao seu pé, uma comunidade formada por jovens, idosos, crianças, homens e mulheres com o mesmo desejo: caminhar com Cristo sua via dolorosa. O silêncio, a oração, os cantos, as leituras, a beleza do local, tudo corroborava para que os jovens de CL se aproximassem ainda mais dAquele que já mudara a vida de tantos. No caminho, a confissão para nos educar que o último resíduo de verdade de nós mesmos é gritar a Deus: “Deus, muda-me, pois eu não sou capaz de me mudar por mim mesmo”.
Foram três horas de caminhada, cinco quilômetros, 15 estações sob um sol quente. Porém padre Marcos afirmava: “Lembrem-se de que Cristo percorreu todo esse caminho carregando uma cruz, tinha sido açoitado, esbofeteado, cuspido, tudo isso por amor a cada um de nós”. E os meninos olhavam os idosos e não buscavam trilhas para encurtar o caminho.
As leituras dos Evangelhos, paralelas aos poemas de Charles Péguy, aumentavam a certeza de que ninguém os havia amado tanto assim. E no coração, a dor não era um sentimento, mas um juízo. Na igreja nova, cuja arquitetura se harmoniza com a natureza, os painéis de Cláudio Pastro foram uma ajuda a penetrar ainda mais naquele Mistério da morte que guardava em si uma grande promessa.
A audição do Stabat Mater, de Dvorak, que “compôs essa obra quando perdeu seu filho, numa total comunhão com Nossa Senhora”, conforme explicou George, educador de São Paulo, introduziu uma hora de silêncio solitário. Nesse momento, padre Marcos lembrou que “o silêncio não é tanto não produzir som, mas é o deparar-se com a Presença do Mistério. O silêncio é o dar-se conta do quanto somos pequenos e de quanto Deus é grande. Com certeza, será um grande sacrifício, mas o amor e o sacrifício são os pilares da nossa vida. Não há amor sem sacrifício”.
Nos grupinhos das diferentes cidades, as experiências de cada um foram confrontadas com a pedagogia de que Deus se valeu desde que enviou seu Filho para morrer pela salvação dos homens. Foi um fervilhar de perguntas e testemunhos: sinal de um coração vivo que ardia de amor a Cristo.
À noite, Paula, colegial de Belo Horizonte, apresentou a sua identificação com um trecho do Stabat Mater, de Dvorak, relacionando-a com a canção, de Simonetta Varela, Espero por Ti: “Faz com que meu coração seja cheio de ardor no amor a Cristo Senhor de tal modo que lhe possa agradar”, de Stabat Mater, com “Quero arder no teu fogo/ Não vou mais me guardar/ Não quero mais o medo/”, Vou deixar-me queimar”, de Espero por Ti.
Conhecer um pouco da obra de Aleijadinho, lendo comentários do saudoso padre Virgílio, foi compreender um pouco mais o Mistério da Paixão. Ali, na expressão do olhar de Cristo puderam experimentar a unidade entre amor e sacrifício. O silêncio que caiu sobre a noite fez com que o coração de cada um ardesse, não de dor, mas de esperança no anúncio de um novo dia.

Espera da Ressurreição
Na assembléia de sábado, antes de cada um retornar para casa, padre Marcos, sinteticamente, retomou aquilo que se viveu naqueles dias: Quinta-Feira Santa: Dentro do momento dramático que se anunciava, Cristo deixa para nós o Sacramento da Eucaristia; Sexta-Feira Santa: A Via Sacra nos ajudou a fazer memória do sacrifício de Cristo por amor a nós; Sábado Santo: Espera da Ressurreição – algo maior que tudo. Nesse momento, padre Marcos enfatizou que ”se não fosse a ressurreição, nada disso que vivemos teria sentido. A Igreja é a ressurreição de Cristo”.
Naquele dia, logo após o pôr-do-sol, iniciar-se-ia a Vigília Pascal. “Uma das cerimônias mais belas da Igreja! A luz de Cristo que inunda tudo. É preciso entender o que é a ressurreição: carne, nervos, ossos, tudo foi ressuscitado.”, afirmava, maravilhado, padre Marcos. “É importante lembrar que só Nossa Senhora ficou aos pés da cruz. Todos os outros tiveram medo! Igualzinho a nós; somos medrosos. Mas quando os Apóstolos, pela manhã, se deram conta de que Cristo não estava mais lá, naquele túmulo, foram preenchidos por uma força, por uma potência tão grande que eles enfrentaram tudo. Pedro, que traiu três vezes a Cristo, morreu também crucificado de cabeça para baixo, sem medo. Por quê? Porque viu Cristo ressuscitado, tocou nEle!”
As perguntas dos 120 jovens se avolumavam: Como faço para viver a certeza desse amor dentro da escola?; Eu não quero viver esse sofrimento, isso é justo?; Qual a diferença entre sofrimento e sacrifício? Não é verdade o que Nietzsche disse que todo amor acaba, que nenhum amor humano é para sempre: eu amo a minha mãe e ela me ama, então o que ele disse é uma mentira; Eu agora sei que como aquela pedrinha do mosaico, também há um lugar para mim nesse mundo...
As respostas, eles anotaram, escutaram, mas, sobretudo começaram a experimentar, na carne. A peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade foi a possibilidade de começar a entender que a fé é o ponto máximo da razão. Para os educadores, a certeza de que “Mestre é aquele que, de repente, aprende” e que o Tríduo Pascal dos colegiais é uma experiência para se repetir sempre.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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