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Passos N.72, Maio 2006

CULTURA - Dante: Cem cantos para cem jovens

Do salão às praças

por André Nembrini

Milão - Uma Divina Comédia ao vivo
Cem cantos para cem jovens


O Inferno nas estações do metrô. O Purgatório nas praças. O Paraíso diante das igrejas. Na sexta-feira, 31 de março, colegiais e estudantes universitários invadiram Milão recitando versos da Divina Comédia, de Dante Alighieri. Durante toda a tarde, com intervalos de vinte minutos, ofereceram poesia a milhares de transeuntes. Um encontro para quem se deixou levar pela curiosidade e parou para ouvir e admirar. Um gesto caridoso para com a humanidade de quem passava pelo metrô ou andava pelas ruas da cidade. Encontros comoventes pela sua simplicidade, com o qual aprendemos.


Tudo começou há cinco anos no pequeno escritório da minha casa. Meu pai estava chegando de viagem de alguma cidadezinha italiana onde tinha ido realizar um encontro sobre Dante.
Eu me lembro de ter olhado um pouco para ele antes de reclamar: “É mesmo um absurdo que você fique viajando de um lado para o outro para explicar Dante e, aos seus filhos, você nunca tenha dito nada sobre isso”. A resposta foi imediata: “Começamos hoje à noite”. E realmente começamos com quatro irmãos em volta de uma mesa os quais sacrificaram o seu domingo à noite para ouvir a leitura e o comentário do primeiro canto do Inferno. Mas ninguém podia prever aonde esse gesto iria nos levar. No domingo seguinte, éramos dez, os filhos e mais alguns amigos, para ler o segundo canto. Na vez sucessiva, éramos vinte, e assim por diante, por meses e meses nas noites de domingo, com os nossos amigos que, avisados no boca-a-boca, nos obrigavam a trocar de lugar a cada vez: primeiro a taberna perto de casa; depois uma casa maior, de um amigo; depois o salão de uma escola próxima, para encontrar lugar para uma centena de jovens colegiais e universitários que tinham esse encontro como programa fixo. E depois, não era só a leitura de Dante. A verdadeira protagonista daquelas noites era a beleza: da literatura à música, da comida à arte, foram sendo convidados outros amigos, professores e jornalistas. Mas a peça principal continuava sendo a Divina Comédia, lida de um modo vivo, apaixonado e interessante. Do grande sucesso das “noites de domingo”, nasceu a idéia de “Dante para as massas”, porque as mães, quando souberam da iniciativa, quiseram que elas também pudessem ouvir Dante ser lido daquele modo. Dali nasceu o ciclo de leitura coordenado pelo professor Nembrini, em Bergamo, que não eram aulas escolares, mas encontros capazes de restituir o poeta fiorentino ao seu proprietário legítimo: o povo. Para estes encontros, também foram convidados novos amigos, entre os quais nossos companheiros de universidade. Foi da amizade com eles e do amor comum pela Divina Comédia que nasceu a idéia dos “Cem cantos”: uma associação dantesca que tem como objetivo repropor a Comédia de um modo vivo, novo, fascinante. A associação lançou três projetos: 1) A construção da “Divina Comédia ao vivo”, formada por cem jovens que decoram um canto cada um; 2) A proposta da leitura de Dante nas escolas e centros culturais; 3) A organização de grandes eventos culturais sobre Dante, em colaboração com o Museu Dantesco de Ravena.
A grande adesão das pessoas ao projeto nos permitiu cumprir grande parte dos nossos propósitos, que teve seu ápice no dia intitulado “Cem cantos para Milão”.
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Os testemunhos dos protagonistas

Algumas mensagens escritas pelos cem jovens que recitaram Dante pela cidade de Milão:

Na praça Piola, encontrei uma professora da engenharia que tinha se organizado com alguns amigos para ir escutar os cantos que seriam recitados perto da universidade. Ela comentou: “Que coragem que vocês têm”. Era impressionante a atenção de quem decidia parar, nem que fosse por um momento, ou dos jovens que queriam permanecer enquanto outros amigos lhes puxavam para ir embora com pressa.
Vincenzo

Estava no metrô com Nembo, Fra e Alessandro. Nós ríamos e o “inferno” iria começar daí a meia hora. Um homem com um casaco de veludo verde nos perguntou: “O que vocês vão fazer? Daqui a meia hora? Espero”. Nembo e Fra começam. Param três moças, um casal e o senhor de casaco verde. Ele é formado na universidade católica, tem 74 anos, é humanista. No final nos diz: “Obrigado, vocês fazem uma grande coisa que nem imaginam”. Depois o reencontramos na praça San Carlo, às 19h.
Paolo

Francesco e eu (respectivamente os coros II e III do Inferno) estávamos nos dirigindo para a estação Amendola Fiera, apreciando o olhar das pessoas que observavam os nossos uniformes brancos. Durante o trajeto, algumas pessoas mais curiosas nos perguntaram quem éramos e o que estávamos fazendo. Quando explicávamos, as pessoas se maravilhavam e nos cumprimentavam pela iniciativa. Às 14h, começamos a recitar. Não passa muita gente, mas aqueles poucos que chegam ficam curiosos, alguns param por um instante, outros pagam a folha e acompanham toda a recitação. Na primeira vez, me senti um imbecil; na segunda, começo a olhar nos olhos de quem está na minha frente; terminada a terceira, meu coração urge porque tenho pela frente o dia inteiro. Uma das coisas mais bonitas foi ver o meu colega de escola, o Alessandro, recitar o seu verso do Paraíso. Eu o conheço há dez anos, e além de ser tímido, ele sempre odiou recitais e outras formas de apresentação pública. Foi comovente e, no final da recitação, escorria dos nossos olhos a consciência de que o que havia acontecido era o início de algo e não o fim.
Stefano

Metrô San Babila (Inferno XXII): na terceira vez que eu declamava, parou um senhor para me ouvir e trazia nas mãos a cópia da Divina Comédia. Em alguns trechos, eu percebi que ele lia junto comigo. No final, me disse que havia lido nos jornais sobre a iniciativa e decidiu ir conferir. Ele estava fazendo um tour para acompanhar o maior número de cantos possível. Na praça San Carlo (Paraíso XXXIII), me comovi por ver no meio do povo um senhor muito atento, que era o meu professor de literatura italiana na Católica. No final, veio cumprimentar todos os amigos da universidade. Ele nos agradeceu e ainda nestes dias, quando o encontramos, ele fala com entusiasmo sobre o evento. É um grande sinal de estima e de um relacionamento que já existia e que está crescendo ainda mais graças aos Cem Cantos.
Marta

Uma senhora idosa me contou que, durante a guerra, ela havia se refugiado junto com um parente em uma cabana em Cervino e eles repetiram de cor os versos de Dante até a manhã para não dormirem e morrerem congelados.
Lorenzo

Um homem de aparência envelhecida tem seu rosto iluminado ao reconhecer os versos de Dante. Pára para nos ouvir e logo após recitarmos o Purgatório XXX: “Não chores, não chores ...”, ele também repete. Cinco crianças de no máximo dez anos param para nos ouvir no ponto mais incompreensível do Paraíso VIII e ficam em silêncio para ouvir bem. Para mim, foi natural usar a entonação de uma fábula e buscava identificar-me com as palavras para que elas também entendessem.
Maria

O que eu gostei muito e me tocou foi a popularidade do evento: qualquer pessoa que estava no centro da cidade naquelas horas não pode não nos ter visto. Pensei que aquilo que fizemos, pela beleza que foi, foi uma caridade com quem passava e com toda a cidade.
Fabrizio

Praça San Fedele (Paraíso XXVII). Um senhor de uns 60 anos me disse: “Eu fiz a escola técnica, que é muito diferente do colegial que vocês fazem hoje. E sabe quem me fez ficar apaixonado por Dante? Não foi um professor de literatura, mas um engenheiro: ele lia a Divina Comédia e nós, meninos de 13-14 anos, ficávamos todos calados para ouvi-lo. Ele nos comunicou a sua paixão”.
Silvia

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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