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Passos N.70, Março 2006

EXPERIÊNCIA - DOM GIUSSANI... Mais pai do que nunca

HOMILIAS

MILÃO (Itália)

Apaixonado por Cristo

Mais de oito mil pessoas na Catedral, para a missa celebrada pelo Arcebispo Dionigi Tettamanzi. Concelebraram: padre Julián Carrón e padre Gerolamo Castiglioni.

Caríssimos, estamos aqui para recordar o nosso monsenhor Luigi Giussani, passado um ano da sua entrada definitiva na casa do Pai. Todos nós ainda o sentimos vivo, porque ele deixou e continua a deixar traços profundos em nosso coração e em nossa experiência de vida cristã. Sentimo-lo vivo, sem qualquer medo de termos ficado órfãos, mas com a certeza e a alegria de uma paternidade que não só permanece, mas que cresce e espiritualmente se faz mais intensa, mais pura e mais fecunda. Sentimo-lo vivo por esse mistério belíssimo da “comunhão dos santos”, que a todos envolve, e sobretudo em virtude da celebração eucarística, que é a memória viva e a representação atual do sacrifício da Cruz, por parte da Igreja, em sua inteireza e unidade, isto é, da Igreja que ainda peregrina pela Terra e da Igreja que já está na glória do Pai.
Portanto, não existe comunicação nossa com Dom Giussani e de Dom Giussani conosco mais forte e mais benéfica do que esta que na Eucaristia nos é doada e garantida. (...)
Todo cristão deve ser um apaixonado por Cristo, sem limites e sem trégua. Dom Giussani foi uma testemunha límpida e forte desse “namoro”, com toda a paixão humana e a carga de fé que o caracterizavam. Partindo dessa paixão, Dom Giussani foi um missionário incansável e educador entusiasta de todos os que encontrou durante o seu ministério sacerdotal, a começar pelos jovens. É assim que o Santo Padre o apresenta na carta dirigida ao padre Julián Carrón: “Pai e mestre de tantos jovens, aos quais apresentou Cristo como o centro de sua vidas”. Cristo no centro da nossa vida! Ou melhor, Cristo como centro da nossa vida!
Seja essa, para todos nós, a grande graça que pedimos sem cessar ao Senhor, em nossas preces. Mas não há autêntico amor a Cristo que não seja, ao mesmo tempo, amor à Igreja. De fato, a Igreja nada mais é que o próprio Cristo, que em certo sentido continua o seu fazer-se carne dentro da História, no seio da humanidade, dessa humanidade que ele, o Redentor, abraça, fazendo dela o seu Corpo e a sua Esposa. Cristo vem ao nosso encontro e nos salva na Igreja e por meio da Igreja, e nós vamos a Cristo e encontramos salvação na Igreja e por meio da Igreja. (...)
Sim, a Igreja existe para a missão. A missão, pois, é a razão mesma da sua existência. Aliás, a Igreja é essa missão em ato, e, com a força do Espírito, toma nosso coração e nossa vida e nos compromete a ser, em todos os ambientes concretos da nossa existência quotidiana, sal da Terra e luz do mundo.
Sei que essa participação na missão da Igreja – uma participação convicta e responsável, pessoal e comunitária, que atua nos mais diversos ambientes da vida social – foi uma constante no magistério e na obra de monsenhor Giussani. E sei que o seu ímpeto missionário marcou de tal modo Comunhão e Libertação que a constituiu, em sua essência mais profunda, como um movimento. Como não agradecer-vos pelo testemunho convicto, enérgico e corajoso dessa missionariedade, tão necessário para a nossa sociedade e para a cultural atual, que freqüentemente fogem da ou rejeitam a verdade e, com isso, se distanciam dos valores evangélicos e, às vezes, dos próprio valores racionais? Convido-vos a oferecer a vossa original contribuição para que todas as nossas realidades eclesiais vivam cada vez mais convicta e intensamente esse dinamismo missionário.
Todas as forças e recursos que o Espírito Santo faz surgir em sua Igreja, segundo experiências e modalidades diferentes, devem convergir, devem manifestar e viver uma grande comunhão missionária. Essa comunhão não sacrifica a especificidade das várias forças e recursos, antes a confirma e a exalta, no intercâmbio e na mútua colaboração. Ao mesmo tempo, essa comunhão não só garante maior credibilidade e incisividade à ação da Igreja, mas também torna possível e favorece a consecução da própria finalidade última da missão evangelizadora: a missão é via para a comunhão, assim como a comunhão é via para a missão.
É hora de concluir. Gostaria de me inspirar, ainda uma vez, num texto bíblico da liturgia de hoje. Trata-se de uma exortação cálida e premente que são Pedro dirige aos “anciãos”, ou seja, aos bispos. Dizendo-se “testemunha dos sofrimentos de Cristo e partícipe da glória que deve se manifestar”, o primeiro Papa diz a eles: “Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, vigiando não por coação, mas de boa vontade, segundo Deus; não por vil interesse, mas de bom espírito; não como senhores daquelas pessoas a vós confiadas, mas fazendo-vos modelos do rebanho” (1Pd 5,2-3).
Que o Senhor me dê a graça de viver essa exortação diante de todo o rebanho que me foi confiado. Baste-me, nesta ocasião, confidenciar-vos que na visita às diversas comunidades paroquiais da diocese, várias vezes encontrei pessoas do Movimento – quase sempre engajadas também na atividade pastoral ordinária – que me disseram: “Nós o amamos”. E a minha resposta é idêntica: “Eu também vos amo”. Com a mesma sinceridade, repito-a esta noite a todos vós. Sim, porque, em última análise, é essa e nenhuma outra a graça mais doce e a responsabilidade mais verdadeira da paternidade própria do Bispo. É nesse espírito que vos convido a agradecer ao Senhor pelo dom que ofereceu à sua Igreja na pessoa e na obra desse presbítero milanês, Dom Luigi, pelo presente – retomo as palavras de Bento XVI – “de um sacerdote tão zeloso, apaixonado pelo homem, porque apaixonado por Cristo”.
Juntos queremos agradecer ao Santo Padre pela amizade cultivada com mons. Giussani, pela participação pessoal nos seus funerais, celebrados nesta Catedral, e pela carta com que, neste primeiro aniversário, nos presenteou. Sinto a necessidade de pedir ao Senhor por todos os “filhos espirituais” de mons. Giussani, a fim de que assumam com confiança e coragem, sob a guia do sucessor padre Julián Carrón, “a missão – de novo cito as palavras do Papa – de continuar a caminhar pelas suas pegadas, seguindo o seu ensinamento e permanecendo sempre em comunhão com os Bispos e os outros membros eclesiais”.
A celebração termina, a vida continua. Que possa continuar para todos, num crescendo de amor a Cristo e à sua Igreja, “para que o mundo creia” (Jo 17,21).

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No final da celebração, padre Carrón dirigiu estas palavras de agradecimento ao Cardeal.

Eminência, desejo agradecer-lhe em nome de toda Comunhão e Libertação por esta celebração, com a qual o sr. quis expressar a sua estima por Dom Giussani e pelo Movimento. Seguindo as pegadas dele e do seu carisma, garanto-lhe que o nosso desejo é servir, com toda a nossa vida, a Igreja, que é o Cristo vivo hoje, vivendo e levando a sua proposta aos ambientes onde somos chamados a viver. Numa situação tão confusa e dramática, sentimos mais viva do que nunca a urgência de testemunhar o cristianismo como resposta surpreendente e exaustiva às exigências do coração de cada um de nós e dos irmãos homens. E nós aprendemos da experiência que isso só é possível quando o cristianismo é vivido como “acontecimento”, segundo a sua natureza original, como indicado por Bento XVI nas primeiras linhas da sua encíclica Deus caritas est: “No início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa”.
Obrigado, Eminência.

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ROMA (Itália)

Educar para a fé

O presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), o cardeal Camillo Ruini, celebrou a missa na Basílica de Santa Maria Maior

“Para vós, quem sou eu?” (Mt 16,15). Essa mesma pergunta interpela hoje, com a mesma força, cada cristão. A todos nós, pessoalmente, é dirigido esse questionamento: “Para você, quem sou eu?”. É na resposta que cada um dá a essa pergunta que se definem os rostos das pessoas, das quais amadureceu em nós o conhecimento de Jesus. (...) A pergunta de Cristo nos atinge hoje com a mesma força com que atingiu os discípulos e com a mesma eficácia desperta em nós a gratidão por aquilo que recebemos.
Quero unir-me, hoje, à vossa ação de graças pelo presente que Dom Giussani representou para a vossa vida. O encontro com ele vos levou a conhecer e a amar a Igreja e, em muitas ocasiões, a lutar por ela, a gastar energias, criatividade e empenho para que ela possa ser uma presença amiga, próxima à vida quotidiana de cada homem. Por essa paixão laboriosa ao serviço da Igreja eu também agradeço a cada um de vós, de coração. Dom Giussani testemunhou com constância incansável essa vontade de se engajar, e vos envolveu nela, dando a sua vida para educar a fé de tantas gerações. (...)
O Movimento Comunhão e Libertação tem, hoje, a responsabilidade de guardar e de desenvolver a herança que o seu fundador lhe deixou. Claro, o pensamento de Dom Giussani, a sua genialidade educativa, a inteligência com que interpelava qualquer interlocutor, a sua capacidade de re-exprimir os dogmas da fé para trazê-los para perto da existência do povo, tudo isso – que foi expresso por ele mesmo em muitas publicações – é agora patrimônio da Igreja e da humanidade. A liberdade do Espírito Santo fará frutificar essa semente espalhada com generosidade, segundo modalidades que a nós não é dado conhecer hoje. Mas estamos seguros de que o Movimento é chamado, para permanecer fiel a si mesmo e para se renovar continuamente, a beber sempre na fonte do ensinamento e do testemunho do seu mestre. O carisma de Dom Giussani, lido e vivido no seio da tradição da Igreja, poderá ser fecundo de iniciativas missionárias, de aprofundamentos especulativos e teológicos, de obras de caridade. Isso permitirá que se escrevam páginas novas da história do Movimento, como desenvolvimento e amadurecimento daquilo que ele iniciou.
O ensinamento de Dom Giussani e o seu exemplo são como que um fermento que certamente não teve sua força exaurida, e por isso dará, neste tempo depois da sua morte, frutos sempre novos. Agradeçamos a Deus também por isso, porque esse contínuo reflorescer da sua Igreja testemunha a força da ressurreição de Cristo a sua capacidade (...) de ser “contemporâneo” a cada época da História. O senso de responsabilidade que nos invade, que é, ao mesmo tempo, gratidão e disponibilidade, nos permite olhar o futuro com esperança. A aventura humana de Dom Giussani foi toda ela impregnada de um amor sem hesitação pelo Corpo Místico de Cristo. (...)
Em nossa prece de intercessão recordamos também padre Julián Carrón, que recebeu a missão de guiar o vosso movimento e a responsabilidade de favorecer, em cada um de vós, a redescoberta pessoal da própria identidade cristã. “Quem sou eu para você?”. A nossa resposta madura, racionalmente meditada e afirmada com força de convicção a essa pergunta que Cristo nos dirige, seja a homenagem mais autêntica a quem nos precedeu. O testemunho aberto e corajoso da nossa fé perante os nossos irmãos, homens e mulheres do nosso tempo, freqüentemente desorientados e confusos, mas também cheios de expectativas, seja o fruto e o coroamento da experiência de amizade em Jesus Cristo que nos liga aos nossos pais.

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Salvador (Brasil)

Mestre para muitos

O Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo, Arcebispo de Salvador e Bispo Primaz do Brasil, celebrou a missa em memória de Dom Giussani na Capela do Instituto Social da Bahia no dia 19 de fevereiro de 2006.

É com grande satisfação que participo desta celebração eucarística (...). Dom Giussani tinha a capacidade de reavivar o modo de viver a fé, contagiando com o seu entusiasmo as pessoas que encontrava, despertando nelas o fascínio, a atração e, portanto, a decisão para seguir Jesus e encontrar nEle a beleza e a paz, a certeza do caminho, a satisfação na vida. Este sacerdote enamorado de Cristo ajudou muitos jovens e adultos a compreender como aquele Jesus Cristo continua vivo e presente e pode ser encontrado hoje por nós, encontrando pessoas que dele dão testemunho, pessoas nas quais se pode reconhecer a mudança de vida que já começa a acontecer. O Papa João Paulo II conheceu bem o carisma de Dom Giussani e na carta que lhe enviou em 2002, por ocasião do aniversário da Fraternidade de CL, escreve: “O Movimento quis e quer indicar não um caminho, mas o caminho para chegar à solução do drama existencial. O caminho, o senhor repetiu muitas vezes, é Cristo. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, que alcança a pessoa no quotidiano de sua existência”. E o então Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, na homilia quer pronunciou na Catedral de Milão (o Duomo), no dia do funeral de Dom Giussani, afirmou: “o cristianismo não é um sistema intelectual, um pacote de dogmas, um moralismo, antes, o cristianismo é um encontro, uma história de amor, é um acontecimento” (24 de fevereiro de 2005). O Papa repetirá essa mesma idéia nas primeiras linhas da sua Encíclica “Deus é amor”. O carisma de Giussani aparece como um método para viver a fé no cotidiano. Agrega as pessoas tocadas por essa graça, formando comunidades de vida fraterna, uma companhia de amigos que se ajudam a reconhecer Cristo nos lugares de trabalhos e nas diversas circunstâncias da vida. Nesse sentido, a Fraternidade de Comunhão e Libertação, com seus diversos grupos, é o fruto mais maduro deste carisma, “uma companhia guiada ao destino”, como Dom Giussani gostava de repetir.
Uma segunda coisa me parece importante no Movimento, que eu conheço diretamente pela realidade da Arquidiocese, aonde Dom João Carlos e padre Guido já vem prestando bons serviço há muito tempo: esse caminho não conduz a uma espiritualidade que se afasta dos problemas e das aflições das outras pessoas, dos mais pobres. Pelo contrário, aquela paixão por Cristo que gera comunidades de vida e de partilha, gera também um grande interesse para enfrentar problemas concretos das pessoas e da sociedade. Papa João Paulo II, na mesma carta antes citada dizia: “Este diálogo permanente com Cristo, alimentado pela oração pessoal e litúrgica, é estímulo para uma ativa presença social. (...) A vossa é, com efeito, também uma história de obras, de cultura, de caridade, de formação”. Assim nasceram muitas obras educativas e de promoção humana na região suburbana de Salvador, especialmente em Novos Alagados, e um grande trabalho de urbanização de bairros inteiros (o projeto Ribeira Azul), com reconstrução de moradias que substituem as palafitas. Além desse importante trabalho, realizado em cooperação com o Governo do Estado e com a Banca Mundial, florescem creches, centros educativos para reforço escolar, cooperativa para melhorar a moradia, escolas profissionalizantes etc. E assim são reconstruídas não apenas casas, mas pessoas e comunidades: um povo desfeito se renova. Numa palavra, a fé vivida como reconhecimento de Cristo presente gera uma presença viva da Igreja na sociedade.
Vocês estão aqui como herdeiros deste grande patrimônio de fé e de humanidade nova. Mas esse dom que Deus fez chegar misteriosamente até vocês não pode ser considerado como um bem particular. Deus o deu a Giussani para que, por meio dele chegasse ao mundo inteiro. Ele deu a vida e por isso encontrou vida não somente para si, mas para muitos outros. Cabe a vocês hoje seguir o mesmo caminho. Cheios de gratidão, vocês são chamados a olhar para frente, para os desafios que o mundo coloca. A paternidade de Giussani continua, de modo diferente, a indicar em Jesus Cristo o caminho para que Sua presença, hoje ignorada e muitas vezes combatida, seja reconhecida e amada.
Peçamos hoje que pela intercessão da Virgem Maria, para a qual Dom Giussani tinha uma grande devoção, Deus faça frutificar o que em vocês foi plantado e conduza a bom termo a obra que Ele iniciou em vocês.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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