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Passos N.69, Fevereiro 2006

SOCIEDADE - DEBATE: LAICISMO

A Igreja valoriza o eu

por Francisco Borba Ribeiro Neto

A descoberta de que a Igreja tem um papel fundamental na vida da sociedade e é uma ajuda para a liberdade de todos, não apenas dos cristãos. Alguns esclarecimentos sobre o tema do laicismo

No mundo todo, inclusive no Brasil, assistimos a uma renovada tendência de desqualificar a presença social daqueles que tem uma convicção religiosa explícita. O Estado moderno é realmente “laico”, isto é, não está associado a nenhuma religião especifica e deve garantir o direito de expressão a todas elas. Mas isto é diferente do laicismo militante atual.
Este laicismo considera que as identidades religiosas não devem se manifestar na vida social, pois seriam ameaças à convivência democrática. Por isto, não se deve permitir o uso de símbolos religiosos em lugares públicos, ter aulas de religião nas escolas e até defender a pessoa humana e a vida como valores não-relativos. Qualquer valor que possa ser identificado com uma raiz religiosa é desqualificado do debate político, acusado de ser uma postura particular, cuja expressão ameaça a liberdade dos demais – mesmo que defendido também por pessoas não-religiosas, como é o caso do combate ao aborto e à eutanásia. Com isto, a manifestação de uma identidade clara vai sendo suprimida na vida social: todos podem ter sua identidade, desde que ela não tenha incidência no mundo.
A democracia implicaria, nesta visão laicista, em se calar qualquer certeza pessoal e assumir uma posição relativista. As certezas pessoais ficariam restritas à esfera privada, enquanto a vida pública seria definida por uma aparente neutralidade que igualaria a todos. Esta visão não considera que o privado - como oposição ao público, ao social – não existe mais. O desenvolvimento e a expansão dos meios de comunicação, a tendência de universalização do ensino escolar, a existência de leis que garantem os direitos humanos mesmo no âmbito familiar, são avanços reais que tiveram por conseqüência a penetração cada vez maior dos valores e das atitudes do conjunto da sociedade no plano privado. Assim, dizer que as convicções pessoais pertencem apenas ao plano privado significa negar-lhes a própria possibilidade de existência.
Este relativismo e esta aparente neutralidade servem à dominação por parte de quem tem a hegemonia cultural na sociedade. Aos poucos, as vozes discordantes vão sendo desqualificadas do debate político e perdendo a possibilidade de se expressarem na vida social e quem detém o controle da mídia e da escola transmite a sua própria visão de mundo como se fosse a única “universal” e racional. O resultado deste processo é que os próprios cristãos tendem a se perguntar: mas será que a minha experiência religiosa tem alguma coisa a dizer para quem não tem a minha fé? E a resposta muitas vezes parece ser negativa.

A contribuição da Igreja
A política é um campo para leigos e partidos, mas a racionalidade política, se destituída de um princípio que norteie a ação, se torna “louca”, se perde na pura luta pelo poder e deixa de visar o bem-comum. Esta é a contribuição da Igreja à vida social: ajudar a compreender o valor da pessoa humana, a relação entre os meios e os fins, a compor um horizonte onde a ação política adquire seu lugar e seu direcionamento justo.
A experiência religiosa católica não gera automaticamente respostas para os problemas políticos e sociais, não pode ser confundida com uma ideologia política – mesmo que mais humana que as demais. Porém, ela permite que o homem se coloque numa postura adequada para enfrentar os problemas. Esta postura reconhece o valor e a dignidade da pessoa, a sua abertura incondicional ao infinito. Ela percebe as incoerências e contradições morais que são comuns a todos os homens – mas cria relacionamentos e experiências que conduzem à ética não por meio de discursos moralistas, mas sim através de uma companhia e de uma amizade aberta ao outro. Permite que o homem perceba que sua plena realização se dá no amor e não na luta pelo poder a todo custo. Bento XVI, na Deus caritas est, mostra como a realização da justiça – que é uma atribuição do Estado – não pode ser realizada sem que a racionalidade seja “purificada”, a partir da experiência da caridade, e que esta é uma contribuição da Igreja.
Os artigo de Massimo Caprara, um dos mais famosos militantes do antigo Partido Comunista Italiano, e Paolo Carozza, professor de Direito Internacional na Universidade de Notre Dama, nos Estados Unidos, aqui publicados, ajudam a traçar um quadro panorâmico da contribuição da Igreja para vida política e social no mundo atual.
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Nota: Para aprofundar o tema, ler a encíclica de Bento XVI, Deus caritas est, n° 28 e 29 (http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est_po.html).

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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