Um convite para ir a fundo no desejo de felicidade do próprio eu. A seguir, o discurso proferido na formatura do curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 26 de agosto de 2005
Autoridades aqui presentes, caros professores, familiares, meus queridos afilhados..., “Quem quer a vida e deseja ver dias felizes?” [Sl 34 (33)]. A frase se repete há milênios... E chega a nós – pós-modernos – quase sem brilho, desgastada pelo tempo, pela dúvida, pelo distanciamento de nós mesmos ao qual freqüentemente submetemos o conhecimento das questões humanas. Mas “Quem quer a vida e deseja ver dias felizes?”: uma certa inquietação em nós promovida pela pergunta, instaura um movimento discreto mas ousado, desafiador, desacomodando superfi-cialidades, distrações ou mesmo séculos de cultura abstrata pesadamente sedimentada em nós.
“Quem quer a vida e deseja ver dias felizes?”: Uma certa inquietação teimosa, insistente, pode – quase à nossa própria revelia – permanecer em nós com sua vibração sutil desafiando toda sorte de adversidade; permanece em nós hoje, agora, mesmo tendo passado por tantas contrariedades: a fragilidade de um conhecimento a respeito do humano, a precariedade crescente do Ensino Superior em nosso país...
A surpresa diante da milenar provocação pode também convidar a um silêncio. E nele, aquela inicial inquietação pode se modular em uma resposta, balbuciada, mas quase inevitável. “Quem quer a vida e deseja ver dias felizes?”: eu.
A minúscula resposta perfura filosofias niilistas, ciências da não-ciência, culturas da moda, adversidades de toda ordem, temperamentos dos mais antagônicos. Aflorando como fonte borbulhante, a resposta “eu” banha nossa ressequida existência, a um só tempo, de desejo e de paz, de ânsia e de consolação. Despertados, podemos então ser críticos. Avivados de “eu”, podemos viver encontros. Tencionados por desejo autêntico, podemos ter futuro. Gratos pela evidência do próprio eu emergindo no tempo presente, podemos ter memória. Prontos a nos posicionar, podemos ser construtores de cultura. Exigentes por completude e realização podemos construir uma psicologia da pessoa.
“Quem quer a vida e deseja ver dias felizes?”: A nossa psicologia precisa que você responda, nosso Brasil precisa vencer o “medo de ser feliz”, não por bandeiras de qualquer cor que seja, não por utopias continuamente sobrepostas às ruínas das anteriores, mas pela resposta no presente, autêntica e pessoal, de um eu que não pode ser impedido por ninguém de continuar a aflorar, de continuar a ser crítico, de continuar a “querer a vida e desejar ver dias felizes”.
Ao responder, você se verá surpreso com o “si mesmo” emergindo. E você não será o único. Aqueles que o amam também se surpreenderão. Como seus professores e eu também pudemos presenciar tantas vezes ao acompanhar a turma de vocês. Saibam que isso é fonte de sentido e esperança também para nós. Suponho que seja algo semelhante ao que seus pais vivenciam hoje. Talvez nesta noite, diante da realização de vocês, eles também possam responder à insistente pergunta “Quem quer a vida e deseja ver dias felizes?” com uma consistência nova: eu.
Surpresos, cada um diante de si mesmo e diante do outro no emergir da própria pessoalidade, recebemos, como um bálsamo, a experiência pacificante de um real nós. E, ao mesmo tempo, recebemos a tarefa, inquietante, de continuamente incluir o outro quando afirmamos o “querer a vida e o desejo de ver dias felizes”. Eu e nós estarão para sempre inseparáveis. Vocês se darão conta disso sempre mais claramente quando retomarem a própria história de vida, quando aceitarem os desafios dos trabalhos que lhes aguardam, quando amarem. Até que os anos cheguem a conceder a vocês, também nos relacionamentos profissionais, a simplicidade de experiência de seus pais hoje: a “vida e o dia feliz” do outro presenteia de vida e felicidade a nós próprios.
E quando a fragilidade própria amedrontar, quando os caminhos parecerem se fechar, e quando a morte impiedosa estiver avançando contra nós, quando temerosos titubearmos diante da fugaz chama de vida em nós, ainda assim resta-nos o insuperável recurso de nos voltarmos à misteriosa Fonte de tudo e da vida que insistentemente nos faz desejar. Então aquela palavrinha “eu” (balbuciada ou proclamada) ganha um tom solene, um silêncio mais intenso, ganha o estatuto de verdadeira resposta dentro de um relacionamento. A segurança já não estará só em nosso próprio desejo incessante, mas na própria Fonte do desejo construtor da história.
Podemos, então, plenamente comemorar. Podemos intensamente nos lançar. Podemos seguramente esperar. Podemos, numa continuidade milenar, viver como que interrogando aqueles com os quais vivemos e trabalhamos: “Quem quer a vida e deseja ver dias felizes?”.
Feliz resposta!
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