Caros Irmãos, este texto da Hora Terça de hoje implica cinco imperativos e uma promessa. Procuremos entender um pouco melhor o que o apóstolo pretende dizer-nos com estas palavras. O primeiro imperativo é muito freqüente nas Cartas de São Paulo. Poderíamos dizer que é quase a voz principal do seu pensamento: gaudete (alegrai-vos). Numa vida tão atormentada como era a sua, uma vida cheia de perseguições, de fome, de sofrimentos de todos os tipos, uma palavra clara, porém, permanece sempre presente: gaudete. Nasce aqui a pergunta: é possível quase ordenar a alegria? A alegria, queremos dizer, ou vem ou não vem, mas não pode ser imposta como um dever. E aqui ajuda-nos pensar no texto das cartas paulinas mais conhecido sobre a alegria, o do Domingo Gaudete, no centro da Liturgia do Advento: “Alegrai-vos, de novo eu vos digo: alegrai-vos porque o Senhor está perto”. Aqui ouvimos o motivo pelo qual São Paulo em todos os seus sofrimentos, em todas as tribulações, podia não apenas dizer aos outros gaudete: ele o podia dizer porque a alegria estava presente nele mesmo: “Alegrai-vos porque o Senhor está perto”.
Se o amado, o amor, o maior dom da minha vida está perto de mim, se posso estar convencido de que aquele que me ama está perto de mim, mesmo em situações de tribulações, permanece no fundo do coração a alegria que é maior do que todos os sofrimentos. O apóstolo pode dizer gaudete porque o Senhor está perto de cada um de nós. E assim, este imperativo, na realidade, é um convite para sentir a presença do Senhor que está perto de nós. É uma sensibilização pela presença do Senhor. O apóstolo pretende chamar a nossa atenção para essa presença de Cristo, escondida mas muito real, perto de cada um de nós. Para cada um de nós são verdadeiras as palavras do Apocalipse: eu bato à tua porta, escuta-me, abre-me.
É, portanto, também um convite para ser sensíveis a esta presença do Senhor que bate à minha porta. Não ser surdos a Ele, pois os ouvidos do nosso coração estão de tal modo cheios de rumores do mundo, que não podemos ouvir esta silenciosa presença que bate. Reflitamos, ao mesmo tempo, se estamos realmente disponíveis para abrir as portas do nosso coração, ou se neste coração cheio de tantas outras coisas não há espaço para o Senhor. E, assim, insensíveis, surdos à sua presença, cheios
de outras coisas, não ouvimos o essencial: Ele bate à porta, está perto de nós e, assim, está perto a verdadeira alegria, que é mais forte do que todas as tristezas do mundo, e da nossa vida. Rezemos, portanto, no contexto deste primeiro imperativo: “Senhor, faz-nos sensíveis à Tua presença, ajuda-nos a ouvir, a não ser surdos a Ti, ajuda-nos a ter um coração livre, aberto a Ti”.
O segundo imperativo “sede perfeitos” assim se lê no texto latino, parece coincidir resumidamente com a palavra do Sermão da Montanha: “sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”.
Esta palavra convida-nos a ser aquilo que somos: imagens de Deus, seres criados em relação ao Senhor, “espelho” no qual se reflete a luz do Senhor. Não viver o cristianismo literalmente, não ouvir a Sagrada Escritura literalmente é muito difícil, historicamente discutível, mas ir além do texto, da realidade presente, em direção ao Senhor que nos fala e, desse modo, em união com Deus.
Mas, se virmos o texto grego encontramos um outro verbo, “catartizesthe”, e esta palavra quer dizer refazer, consertar um instrumento, restituí-lo à plena funcionalidade. O exemplo mais freqüente para os apóstolos é refazer uma rede para os pescadores, pois ela possui tantas lacunas a ponto de não servir mais; refazer a rede, para que possa novamente ser uma rede para pescar, retornar à perfeição de instrumento para este trabalho. Um outro exemplo: um instrumento musical de cordas que, possuindo uma corda quebrada, a música não soa como deveria. Desse modo, neste imperativo, a nossa alma parece uma rede apostólica que freqüentemente não funciona a contento porque está lacerada pelas próprias intenções; ou como um instrumento musical do qual infelizmente alguma corda está quebrada, e portanto a música de Deus que deveria soar do profundo da nossa alma não pode repercutir bem. Refazer este instrumento, conhecer as lacerações, as destruições, as negligências, tudo o que está descuidado, e fazer que este instrumento seja perfeito, seja completo para que sirva àquilo para o que foi criado pelo Senhor. E, assim, este imperativo pode ser também um convite a um regular exame de consciência, para se verificar como está este instrumento, até que ponto está descuidado, não funciona mais, para procurar retornar à sua integridade. É também um convite ao Sacramento da Reconciliação, no qual o próprio Deus refaz este instrumento e nos dá de novo a integridade, a perfeição, a funcionalidade, para que nesta alma se possa ressoar o louvor de Deus.
A seguir, “encorajai-vos uns aos outros”. A correção fraterna é uma obra de misericórdia. Nenhum de nós vê bem a si mesmo, vê bem as suas faltas. E assim, é um ato de amor, para servir de complemento um ao outro, para ajudar-nos a vermo-nos melhor, a nos corrigir. Penso que exatamente uma das funções da colegialidade é a de nos ajudarmos, no sentido do imperativo precedente, a conhecer as lacunas que nós mesmos não queremos ver “lavai-me das minhas faltas ocultas”.
Naturalmente, esta grande obra de misericórdia – ajudarmo-nos uns aos outros para que cada um de nós possa realmente encontrar a própria integridade, a própria funcionalidade como instrumentos de Deus – exige muita humildade e amor. Ocorre somente se vier de um coração humilde que não se coloca acima do outro, não se considera melhor do que o outro, mas apenas um humilde instrumento para se ajudar reciprocamente. Somente se sentimos esta profunda e verdadeira humildade, se sentimos que estas palavras vêm do amor em comum, do afeto colegial no qual queremos servir a Deus em unidade, podemos, neste sentido, ajudar-nos com um grande ato de amor. Também aqui o texto grego acrescenta alguma particularidade; a palavra grega é “paracaleisthe”, é a mesma raiz de onde vem também a palavra “parácletos, paraclein”, consolar. Não somente corrigir, mas igualmente consolar, compartilhar os sofrimentos do outro, ajudá-lo nas dificuldades. E ainda isto me parece um grande ato de verdadeiro afeto colegial.
Nas diversas situações difíceis que nascem hoje na nossa ação pastoral, alguém pode encontrar-se realmente um pouco desesperado, e não ver como possa continuar. Nesse momento precisa da consolação, precisa que alguém esteja com ele na sua solidão interior e cumpra a obra do Espírito Santo, do Consolador: a de dar coragem, de sustentar, de apoiar, ajudados pelo próprio Espírito Santo que é o Consolador, o Advogado que nos ajuda. Portanto, é um convite para fazermos nós mesmos “ad invicem” a obra do Espírito Santo Paráclito.
“Cultivai a concórdia”: ouçamos por detrás o sentido latino da palavra “sapor”, “sabor”. Tende o mesmo sabor pelas coisas, tende a mesma visão fundamental da realidade, com todas as diferenças que não são apenas legítimas, mas igualmente necessárias, porém tende “o mesmo sabor”, tende a mesma sensibilidade. O texto grego diz “froneite”, a mesma coisa. Isto é, substancialmente tenhais o mesmo pensamento. Como poderemos ter em substância um pensamento comum que nos ajude a guiar juntos a Santa Igreja senão partilhando a fé que não é inventada por nenhum de nós, mas é a fé da Igreja, o fundamento comum que nos leva onde estamos e trabalhamos? Portanto, é um convite a inserirmo-nos sempre de novo neste pensamento comum, nesta fé que nos precede. “Não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima a vossa Igreja”: é a fé da Igreja que o Senhor procura em nós e que também é perdão dos pecados. Ter esta mesma fé comum. Podemos, devemos viver esta fé, cada um na sua originalidade, mas sempre sabendo que esta fé nos precede. E devemos comunicar a todos os demais a fé comum. Este elemento faz-nos passar imediatamente ao último imperativo, que nos dá a paz profunda entre nós.
E a este ponto podemos pensar também “tende o mesmo sentimento” num outro texto da Carta aos Filipenses, no início do grande Hino sobre o Senhor, onde o Apóstolo nos diz: tende os mesmos sentimentos de Cristo, entrai no pensamento de Cristo. Portanto, podemos ter juntamente a fé da Igreja, pois com esta fé entramos nos pensamentos, nos sentimentos do Senhor. Pensar juntamente com Cristo.
Este é o último aprofundamento desta advertência do Apóstolo: pensar com o pensamento de Cristo. E que podemos fazê-lo lendo a Sagrada Escritura nas quais os pensamentos de Cristo são Palavra, falam conosco. Neste sentido, devemos exercitar a “Lectio Divina”, ouvir nas Escrituras o pensamento de Cristo, aprender a pensar com Cristo, a pensar o pensamento de Cristo e assim ter os sentimentos de Cristo, sermos capazes de dar aos outros também o pensamento de Cristo, os sentimentos de Cristo.
E assim, o último imperativo, “vivei em paz”, eireneuete é quase um resumo dos quatro imperativos precedentes, estando assim em união com Deus que é a nossa paz, com Cristo que nos disse: “eu vos dou a minha paz”. Estamos na paz interior, porque estar no pensamento de Cristo une o nosso ser. As dificuldades, os contrastes da nossa alma unem-se, unem-se ao original, àquele do qual somos imagem com o pensamento de Cristo. Assim nasce a paz interior e somente se estamos fundados numa profunda paz interior podemos ser pessoas de paz também no mundo, para os demais.
Desse modo, a pergunta, esta promessa, está condicionada aos outros imperativos? Isto é, somente na medida em que nós podemos realizar os imperativos, este Deus da paz está conosco? Como é a relação entre imperativo e promessa? Eu diria que é bilateral, isto é, a promessa precede os imperativos e torna realizáveis os imperativos e acompanha a realização dos imperativos. Isto é, antes de tudo o que fazemos, o Deus do amor e da paz já se abriu a nós, está conosco. Na Revelação começada no Antigo Testamento Deus veio ao nosso encontro com o seu amor e com a sua paz. E, finalmente, na Encarnação fez-se Deus conosco, Emanuel, é conosco este Deus da paz que se fez carne com a nossa carne, sangue do nosso sangue. É homem conosco e envolve todo o ser humano. E, na crucifixão e na descida à morte, fez-se totalmente um conosco, precede-nos com o seu amor, envolve antes de tudo o nosso agir. E esta é a nossa grande consolação. Deus nos precede. Ele já fez tudo! Deu-nos paz, perdão e amor. Está conosco. E precisamente porque está conosco – no Batismo recebemos a sua graça, na Crisma, o Espírito Santo, no Sacramento da Ordem recebemos a sua missão – podemos agora agir, cooperar com esta sua presença que nos precede. Todo este nosso agir do qual falam os cinco imperativos é um cooperar, um colaborar com o Deus da paz que está conosco. Vale ainda, por outro lado, na medida em que realmente entramos naquela presença que Ele deu, neste dom já presente no nosso ser. Cresce naturalmente a sua presença, o seu ser em nós. E peçamos ao Senhor que nos ensine a colaborar com a sua precedente graça e de estar assim realmente sempre conosco. Amém!
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