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Passos N.66, Outubro 2005

DESTAQUE / EDUCAÇÃO

A pedagogia do acontecimento

por Renato Farina

Alguns professores, provenientes de quatro continentes, responderam a algumas perguntas sobre sua obra educativa e sua missão: ensinando comunicam o acontecimento que torna a vida alegre

Dom Giussani escreveu: “O tema principal, para nós, em todas as nossas conversas, é a educação”. Na Assembleia Internacional de Responsáveis de La Thuile, em uma das manhãs, fizemos um círculo com professores de quatro continentes para responder à pergunta: “Qual é a obra educativa de vocês? O que vocês realmente ensinam?”.
María Carmen Carrón, 46 anos, Madri, Espanha: Realmente o niilismo domina, mesmo entre os professores. O domínio deste nada vivido e teorizado tornaria impossível o fato educativo se o acontecimento não fosse mais forte, se a realidade não fosse mais forte. Explico-me. O que podemos ensinar aos alunos se não existe significado? Apenas regras de convivência. Mas eu encontrei este significado como acontecimento. Então, no meu colégio e em família exercito o que eu chamo de “pedagogia do acontecimento”. Colocar a pessoa diante da realidade: este é o meu trabalho educativo. Há algo além da aparência, algo do qual a aparência é sinal. Faço com os rapazes um trabalho de abertura à realidade. E isto desperta o pedido de felicidade e de sentido.

Você não encontra dificuldades?
María Carmen: Não sei se é porque dou aulas em uma escola do Estado. O que é certo é que, aqui, o primeiro obstáculo na educação são os pais. Quando digo que quero a felicidade de seus filhos, me deparo com o ceticismo. Impossível, dizem. Eu respondo: se alguém renuncia a isto, renuncia a tudo. O niilismo está nos pais e nas mães. Os rapazes percebem e se rebelam, muitas vezes, de modo violento.

O que você responde?
María Carmen: Coloco-os diante da realidade. Lembro a eles quem eu sou, do acontecimento que se deu comigo e que me constitui. O desafio está na realidade. Levo os rapazes para passear e diante das montanhas provoco-os a perceber o que está além do horizonte; e faço isso em todos os nossos gestos.
Annemarie Bacich, 31 anos, Washington DC, EUA: Vejo um niilismo alegre em sua plena potência. Dou aulas em uma escola católica. Os jovens têm tudo: dinheiro, carros, perspectiva de vida abastada. Os pais permitem tudo, para sufocar a agitação do coração dos jovens ou, pelo menos, para não vê-la. Resultado: metade da classe usa antidepressivos. Uma jovem suicidou-se em abril. Tinha 15 anos! Este niilismo alegre os envelhece, é como se tivessem visto tudo e sequer supõem que possa existir Algo dentro de algo. Então, não tentam nem mesmo livrar-se dele. Não vejo revolta no rosto dos meus alunos. Percebo um vazio: não sabem o que é o coração, não sabem porque não são felizes. Não perguntam! São obedientes às regras, não se rebelam. Diante desta circunstância, para mim, ser professora significa ser como um pai.

Como assim?
Annemarie: Para introduzir uma pessoa na realidade é preciso acompanhá-la e, ao acompanhá-la, o seu próprio coração cresce. No relacionamento com a realidade a consciência é despertada. A realidade é positiva e mostro isso a eles. Isto é ser pai. E é exatamente esta a figura ausente. Ser professor, educar, é ser o pedaço da realidade que se envolve com eles, que é concreto e tem um relacionamento com eles, a única rocha em suas vidas.
Um exemplo, por favor.
Annemarie: Tinha na turma uma menina que era um verdadeiro gênio em Matemática. Eu dou aula de Literatura. Ela sempre fazia perguntas, sobre tudo. No entanto, a pergunta era só uma, mas ela não encontrava palavras para colocá-la. Três anos depois que se formou me escreveu: “Obrigada pela paciência. O real existe. A maneira com que vejo as coisas mudou”. Foi tocada quando, um dia, bati na mesa dizendo: é real, meninos! Os jovens não sabem que o real existe e eu sou um pedaço do real que os introduz na realidade. É preciso ter paciência com eles. O tempo que cada um precisa não está em nossas mãos. E esta paciência, eu a obtenho dentro da nossa companhia. Não posso ser uma rocha solitária.
Ramzia Saleyeva, 25 anos, Astanà, Cazaquistão: os estudantes universitários são ricos. De quando em quando estão contentes, não requerem nada para si. Muito frequentemente eu também escorrego neste niilismo da rotina. As obrigações, a preguiça, o satisfazer-se com o diploma. Eu mesma era assim. Porém, alguma coisa me aconteceu. Padre Edo, que dá aula comigo, lembra-me disso. Há algo naqueles rostos que nem mesmo eles conseguem ver. Nós os convidamos para passeios, para ler O Senso Religioso e a vida deles mudou. Não que eu e padre Edo sejamos competentes, mas o que nos lança em direção a eles é o desejo de viver mais profundamente esta experiência tão humana de Cristo, que nos faz mais felizes. E, por isso, quero gritá-la aos nossos alunos. O primeiro modo de combater o niilismo é simplesmente olhar os jovens na certeza de que são plenos de sentido...
Sêmea Assaf, 42 anos, Brasília, Brasil: Vejo nos meus alunos a ausência de desejo. A única coisa que pode provocá-los é alguém que carregue o significado. A pergunta que me fazem com mais frequência é esta: “Você tem a idade dos meus pais. Porque você, ao contrário deles, é alegre?”. “Porque tenho um significado!”. Eles me perguntam: “Mas que significado é este?”. E eu respondo: “Venham conhecer os meus amigos!”. Trabalho em uma escola para pessoas carentes. Por meio da minha companhia, da nossa companhia, descobrem seu desejo. Algo que é maior que o sucesso social. Nós os acompanhamos até a universidade e aprendem a descobrir suas aptidões. Em síntese, o meu trabalho como educadora é ajudar a descobrir o significado, sendo feliz. Eles me dizem que eu os atormento, que sou dura, mas no final do ano ficam comigo, não me largam.
Gloria Cuccato, 46 anos, Milão, Itália: Os jovens não fazem perguntas porque não reconhecem a dignidade de seu incômodo. A necessidade maior é encontrar alguém disposto a ser uma casa, uma morada, que doe o tempo gratuitamente e compartilhe a vida! As aulas podem ser como que uma introdução ao todo, mas não acreditarão nisso até que se dêem conta de que a minha própria vida é uma morada para eles. Quando estou com eles sem nenhum projeto, fora da escola ou nas aulas de recuperação, no tempo livre que dedico a eles, nestes momentos emergem as questões mais verdadeiras. Alguém que compartilhe: é isso que pedem.
María Carmen: Einstein se embasbacava com o fato de que os sistemas educativos de sua época não conseguissem tirar a curiosidade dos jovens! Porém, parece que conseguiram fazer isso. O desejo e a curiosidade desapareceram. Aquilo que a Gloria dizia é um desafio para a escola enquanto lugar de trabalho educativo: se nós precisamos fazer este encontro fora, é preciso nos perguntar se a escola não abandonou a sua missão.

Se neste sistema entra uma presença que o supera, a curiosidade e o desejo renascem. E a escola acaba não se limitando mais ao horário. É assim que acontece?
María Carmen: Devemos reconhecer a novidade que vem da nossa experiência. Por exemplo, na Espanha, em uma pequena cidade, abrimos uma escola, a “Maximiliano Kolbe”. Pais ateus descobriram o gosto de educar os filhos por meio de um relacionamento com os professores. Este relacionamento educou os pais e tornou os professores mais verdadeiros. O niilismo foi quebrado. A vida tornou-se dramática. Nesta escola, os pais também aprendem e, juntos, no domingo, descansam. A escola tornou-se uma casa.
Padre Silvano Lo Presti, 35 anos, Lisboa, Portugal: Isso também está acontecendo em Lisboa. Assumimos a direção de um colégio. Depois de dois anos, o trabalho educativo não se limita mais aos alunos, mas envolve os pais. As gerações a educar, na verdade, são duas. A mesma questão também é válida para todos os professores: é preciso alguém que nos indique o caminho e que nos queira bem.

A experiência de uma companhia excepcional comunica a todos a sua beleza.
Maite Barea, 50 anos, Madri, Espanha: sou professora universitária de Economia. Encontrei o Movimento por meio dos meus alunos. Se isto aconteceu comigo, pode acontecer com qualquer pessoa dentro da universidade. Eu precisava ver uma pessoa viva e vi os rapazes, eles me educaram e entendi que a tarefa educativa é para todos. Como diz Gustave Bardy, dos primeiros séculos do cristianismo: de experiência em experiência. Eu não sei fazer discursos que convençam pelo sentido. Mas eu vejo, de experiência em experiência, que isto é humano e que é possível fazer. “Por que eu venho à aula, por que estou aqui?” Para viver tudo em primeira pessoa. As perguntas dizem respeito a mim. “Por que gosto de pesquisar, por que estou contente?”: isto se manifesta palpavelmente. No Natal e na Páscoa envio os panfletos do Movimento aos meus colegas. Transformo-os em cartões e os envio. Agora, muitos ficam esperando por eles. A maioria tem uma ideologia de esquerda, mas são tocados por este meu pertencer muito claro. A diretora da faculdade me disse: “Sempre espero a sua mensagem de Natal”. Em Economia, dar um juízo diferente não é fácil, mas eu o faço e não percebo. Tudo, no entanto, se torna ocasião. Dou um exemplo: durante uma aula sobre desenvolvimento, perguntaram-me: porque você diz que não basta a mudança das estruturas, mas é necessária a mudança das pessoas, como isso é possível? Respondi: eu fui mudada por Cristo, pode acontecer. É claro que há uma grande fragilidade: começa-se um relacionamento, dá-se um passo. Então, vai-se embora, como se o medo dominasse, e é uma dor imensa. Mas depois, talvez no ano seguinte, volte. A pessoa não entende que foi tocada por algo e, cinco anos depois, volta e diz: quero conhecê-los melhor!
Anna Kann, 25 anos, Karaganda, Cazaquistão: Ensino alemão na universidade estadual. Os alunos chegam com um ideal de sucesso. Depois, o entusiasmo desaparece. Tornam-se céticos, cínicos. O niilismo é isso. E a diferença entre eu e meus alunos não é tão grande. Este abismo invisível atrai a todos. Se eu não fosse educada pela nossa amizade, eu também sucumbiria. Mas, aqui, aprendo a ver o Mistério: é um trabalho diário, vê-lo dentro da gramática alemã. Educar quer dizer construir relacionamentos de amizade num lugar onde existem pessoas que vêem este Mistério.
Joe Morgan, 35 anos, Londres, Inglaterra. Isso vale para mim também. Arriscar. Assim como alguém arriscou-se por nós, eu me arrisco por eles. A educação do Movimento é contínua, acontece sempre. Alguém sempre está me reeducando e, assim, do mesmo modo, faço isso na escola com os alunos. O que significa educação para mim? Alguém que disse: estou com você para sempre. Este é o método de Giussani e é este o método que precisamos e os rapazes também.
Oksana Dubnyakova, 31 anos, Moscou, Rússia: Dou aula de francês em uma universidade de Ciências Humanas. É difícil, uma ideologia foi destruída, mas existe outra. Faltam as razões, não entendem nem mesmo o que significa ser amados. O sistema mudou e perdeu-se a alma russa. Acho que é preciso inclusive reconquistá-la! As moças querem: 1) Casar-se, 2) Ter filhos, 3) Um marido que ganhe bem. Eu arrisquei falar sobre mim mesma. Sou dos Memores Domini. “E a senhora, por que não se casa?” Há um objetivo maior – disse. Não entenderam, pensaram que fosse uma seita. No entanto, dia após dia algumas delas percebem alguma coisa. Aproximam-se de mim. E eu estou perto delas.
Gloria: O conhecimento é um encontro amoroso.
Sêmea: Estava pensando na minha experiência dos últimos tempos. Fui educada olhando aqueles meninos. Aprendi que não sou superior, posso ter mais maturidade, mas estou ali aprendendo com eles este Mistério.
Francisco Monteiro, 47 anos, Lisboa, Portugal: A educação entre nós é falsa: em duzentos anos aconteceram três grandes perseguições contra a Igreja, com muitas mortes e muitas prisões e isto não é contado nos livros nem nas aulas. Neste contexto de mentira, provoco os rapazes a uma amizade sem ter medo de perdê-los, sem ter medo da resposta. Outra coisa que marcou a mim e a eles foi a caritativa (gesto de dedicação gratuita a alguma obra de caridade, feito de modo regular; nde). Este gesto, com os rapazes da escola, cimentou uma amizade e gerou coragem. O diretor me proibiu de rezar o Angelus, então, os próprios jovens o rezam. E os companheiros olham para eles estupefatos. Dizem: o que aconteceu com eles?

O tema principal para nós, em todos os nossos discursos, é a educação: como nos educar, em que consiste e como se desenvolve a educação, uma educação que seja verdadeira, ou seja, correspondente ao humano. Educação, portanto, do humano, do original que está em nós.

Educar é um Risco

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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